Atualidades sobre a questão agrária no estado do Espírito Santo
O Censo Agropecuário de 2006 realizado pelo IBGE registrou o aumento do número de estabelecimentos rurais capixabas e a diminuição de sua área total ocupada no período 1996-2006, entretanto, as distorções relacionadas à estrutura fundiária no Espírito
Publicado 06/03/2008 18:34 | Editado 04/03/2020 16:43
A experiência de implantação das capitanias hereditárias foi a primeira tentativa de invasão sistemática das terras brasileiras pelos portugueses. Em terras capixabas, a família Coutinho frustrou-se na iniciativa de implementar a monocultura da cana-de-açúcar utilizando mão-de-obra escrava dos índios. Após um período em que as terras litorâneas ficaram praticamente inabitadas, servindo de proteção para os metais preciosos de Minas Gerais, a sua escassez ocasionaria a expansão da cultura da cana-de-açúcar e, posteriormente, do café. Estes fatos estimularam a importação de escravos da África, atraindo também famílias residentes em regiões vizinhas ao estado e imigrantes europeus.
No seu início, a expansão da lavoura cafeeira ocorreu mediante o trabalho de agricultores familiares. Entretanto, a implementação do Programa Nacional de Erradicação dos Cafezais, na década de 60, ocasionou o empobrecimento de grande parte desses camponeses, forçados, então, a abandonar suas terras. Este fato abriu espaço para a ofensiva do grande capital industrial na agricultura capixaba. Não por acaso, este período coincidiu com uma fase de massacres brutais e despejos de pequenos posseiros, indígenas e quilombolas e da respectiva ocultação dos cadáveres. Moradores antigos do interior do estado ainda mantêm vivas na memória as injustiças cometidas às comunidades rurais. Estas intervenções tinham a finalidade de devastar florestas nativas para a produção de carvão e posterior instalação de eucaliptais e outras atividades extensivas. Somados aos privilégios na apropriação e legitimação, essas foram as principais formas de consolidação do latifúndio no estado do Espírito Santo.
Terras devolutas
Favorecido pelas distorções históricas na gestão das terras pelo estado brasileiro, esse processo de colonização contou com a conivência do governo estadual. Responsável pelas terras devolutas, o estado foi omisso no que diz respeito à legitimidade das grandes posses. Além disso, a legislação agrária foi utilizada em benefício dos interesses do capitalismo no campo, constituindo “letra morta” nos casos em que favoreceria a execução da reforma agrária, em um momento oportuno para o próprio projeto de expansão capitalista em curso àquela época.
De acordo com a legislação pertinente, as terras devolutas podem ser garantidas aos pequenos posseiros que estejam cultivando. Nos demais casos, cabe ao estado a destinação que melhor atenda aos interesses desenvolvimentistas, segundo critérios pré-estabelecidos. O Estatuto da Terra, de 1964, sugere que essas terras sejam transferidas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária que, por sua vez, executaria o assentamento de trabalhadores rurais, em regime de agricultura familiar, conforme demanda dos movimentos que lutam pela reforma agrária. No entanto, existem dificuldades na relação entre o órgão e o governo estadual, inviabilizando, por razões políticas, a justa aplicação das leis. O georreferenciamento dos imóveis rurais, instituído pela Lei Federal nº 10.267, apresenta-se como proposta para sanear o problema, o que exige maior pressão por parte dos movimentos sociais, no sentido de sua efetiva aplicação.
Reforma Agrária e Agricultura Familiar
As políticas públicas voltadas para o setor (tais como o programa Territórios da Cidadania, lançado recentemente pelo governo federal) são de extrema importância para a descentralização do desenvolvimento. Os recursos investidos nos municípios do interior geram efeito multiplicador, que se traduz pelo aumento da oferta de empregos, alimentos e renda à população, além do resgate da dignidade às famílias beneficiárias. O Censo Agropecuário do IBGE de 2006 demonstrou que o número de empregos na agricultura familiar do Espírito Santo aumentou 11,9%, desde o último levantamento, no período 1995/96. Já na agricultura patronal, a diminuição nos postos de trabalho foi de 48,6%. Este contraponto expõe a lógica exploradora e concentradora de renda da grande produção agropecuária que, além de contribuir com a degradação ecológica, favorece o empobrecimento da população rural das regiões em que se inserem, direcionando seus lucros a localidades distantes e, muitas vezes, ao capital especulativo.
Apesar dos comprovados benefícios da reforma agrária para o desenvolvimento sócio-econômico regional, o programa encontra grandes dificuldades para sua execução, dentre elas podem ser destacadas: alta resistência perante a sociedade; valorização da agricultura empresarial voltada à produção de agrocombustíveis; predominância de pautas negativas, ataques e distorções na mídia; baixa divulgação do impacto positivo das ações de reforma agrária; incipiente representação parlamentar; fracionamento dos movimentos sociais; gestão ruim e baixa capacidade operacional do INCRA; baixo nível de consciência da população quanto às causas e conseqüências do êxodo rural, favelização, violência urbana, poluição e agressão ao meio ambiente; dificuldades na conexão entre reforma agrária e agricultura familiar, deixando margem para a expansão do agronegócio; ineficiência nas políticas de ordenamento fundiário na Amazônia; dificuldades na adequação de normas e legislação agrárias; atuação ideológica do Ministério Público, CGU e TCU em relação às ações governamentais para o setor.
A reforma agrária no Brasil se tornou uma batalha sem fim. Apesar dos obstáculos, vitórias como a recente desapropriação da Fazenda Aliança em Linhares alimentam a esperança de que um novo Espírito Santo é possível. Para que conquistas como essa se multipliquem de forma harmoniosa e promissora para a sociedade, torna-se imprescindível a busca da unidade. Portanto, a esquerda e as forças democráticas no estado precisam, de fato, retomar a iniciativa política e pautar as Reformas Democráticas (agrária, urbana, mídia, tributária, educação e política) que estão sendo debatidas nacionalmente.
* Marcelo Brandão é Mestre em Economia Aplicada e membro do Comitê Estadual do PCdoB – ES.
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