Sem categoria

Luiz Gonzaga Belluzzo: “Economia dos EUA em fim de feira?”

A última semana poderá ser lembrada nos meios financeiros norte-americanos como o momento de aceleração da crise do ''subprime''. No mercado de crédito, alargaram-se os ''spreads'' entre o rendimento dos títulos do governo e as dívidas do setor privado

O crédito anda escasso e caro. As Bolsas acusam o golpe, os índices afundam. Sendo assim, a palavra de ordem nos mercados financeiros é (peço aos leitores compreensão pela má palavra) ''desalavancagem''. O banco dinamarquês Danskebank informa: dois grandes investidores (Carlyle Capital e Thornburg Mortgage) não conseguiram grana com os financiadores para responder às ''chamadas de margem''. Ou seja, desatenderam à convocação para colocar mais dinheiro para sustentar ativos depreciados ou em processo de depreciação. Sendo assim, para pagar seus compromissos, serão constrangidos a liquidar o melhor do portfólio a preços de fim de feira.



As perdas continuam a pipocar, na esteira da escalada de inadimplência. Ameaçada de rebaixamento pelas agências de classificação de risco, a seguradora de créditos Ambac cuidou de driblar o destino: saiu à cata de fundos para capitalizar o empreendimento. Estimou suas necessidades em US$ 1,5 bilhão. Andrew Wessel, analista do JP Morgan, acha que a bagatela será insuficiente, diante de prejuízos calculados em US$ 11 bilhões.



O desfalque é fim de linha para aventura um tanto irresponsável das monolines -seguradoras de crédito comprometidas em garantir, no caso de inadimplência, o pagamento do principal e dos juros devidos aos possuidores dos assim chamados Colateral Debt Obligations (CDOs) e de outros ativos lastreados em empréstimos hipotecários. O serviço prestado pelas seguradoras era bem remunerado. Valia a classificação AAA para as geniais criaturas dos mercados financeiros contemporâneos: os empréstimos hipotecários eram empacotados, fatiados em tranches de qualidade variada, ''securitizados'' e passados adiante. A festança sustentou a euforia do mercado de imóveis residenciais. A valorização fictícia das moradias ''enriqueceu'' as famílias americanas. Hoje, a maçaroca fictícia vale muito menos do que as dívidas contraídas para sua aquisição.



O economista Nouriel Roubini indignou-se com a manobra da Ambac: ''US$ 1,5 bilhão para cobrir um rombo de US$ 11 bilhões? As agências de ''rating'' imaginam tapear os investidores ainda uma vez, após reafirmar a classificação AAA para a Ambac? Eles pensam que os investidores são estúpidos ou ingênuos?''.



Boa pergunta. Ingênuos ou estúpidos, espertos ou sabidos, os investidores estão sendo tragados na voragem da espiral negativa: a contração do crédito e a elevação dos ''spreads'' travam o financiamento das posições alavancadas em ativos, os preços despencam, o crédito encolhe ainda mais, os ''spreads'' explodem. Exagero um pouco na retórica, mas a cadência do samba é mais ou menos essa.



Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo