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Para Paulo Nogueira Batista, país deve evitar valorização do real

Paulo Nogueira Batista Jr. é representante do Brasil e de mais oito países latino-americanos e caribenhos no Fundo Monetário Internacional (FMI). Considerado um desenvolvimentista, ele defende maior regulação e supervisão do sistema financeiro, como reaçã

Leia abaixo a entrevista, feita por Márcia Pinheiro:



A crise do subprime acabou por precipitar uma discussão sobre a necessidade de regulação do sistema financeiro. Isso é apenas uma reação temporária ou o senhor acredita em avanços?
A crise desencadeada pelo subprime é grave e já se espalhou para outros segmentos dos mercados financeiros dos Estados Unidos e da Europa. Afetou também o nível de atividade dessas economias, especialmente a americana. Aqui nos EUA, o quadro é de recessão ou, na melhor das hipóteses, de desaceleração acentuada. Nesse contexto, parece difícil acreditar que a reação à crise financeira venha a ser apenas temporária. Há um reconhecimento bastante amplo de que os sistemas financeiros foram sub-regulados ou regulados de forma inadequada. Perdeu credibilidade o modelo laissez-faire, de regulação light, que prevaleceu nos últimos anos. Os mercados, deixados à própria sorte, produzem muita instabilidade e crises sistêmicas.



De que maneira se poderia avançar com medidas para que ciclos como o atual não se repetissem? Controle de capitais? Taxação? Há instrumentos mais modernos que poderiam ser usados?
Os supervisores bancários e os bancos centrais estão correndo atrás do prejuízo. Procuram compreender a natureza e a amplitude dos riscos produzidos pelos sistemas financeiros modernos. A sofisticação crescente das operações torna o setor financeiro cada vez menos transparente e mais difícil de regular e supervisionar. As agências de classificação de riscos não fornecem uma avaliação confiável da qualidade dos títulos e das empresas. Parecem coniventes com os emissores dos papéis que elas deveriam avaliar. A credibilidade dessas agências ficou muito abalada. Seria preciso fazer algo para alterar os incentivos com que se defrontam os executivos financeiros. Na situação atual, se as manobras especulativas de alto risco dão certo, o sistema de bônus permite aos gestores embolsar somas imensas. Quando as manobras fracassam, o pior que pode ocorrer com esses executivos é a perda do emprego. Mesmo assim, presidentes de bancos e outros funcionários graduados recebem pacotes milionários quando deixam a instituição. Nos países em desenvolvimento, controles de capitais, taxação de fluxos especulativos e medidas prudenciais para proteger o sistema financeiro são instrumentos de tipo tradicional, que podem ser usados para conter surtos de entrada de capitais e impedir que as economias fiquem vulneráveis aos ciclos financeiros externos.



O G-8 parece se movimentar em torno da causa. Aparentemente, os países europeus são mais pró-mudanças, enquanto os EUA se concentram em pacotes de alívio temporário. O senhor concorda com essa visão?
Sim. Os EUA parecem mais apegados ao laissez-faire na área financeira do que a maioria dos países europeus. Talvez por isso estejam agora sofrendo problemas piores. O sistema financeiro americano é o mais sofisticado do mundo, mas é também um dos mais instáveis e turbulentos.



Em termos de uma nova configuração financeira global, como se posicionam os candidatos Obama, Hillary Clinton e McCain?
Esse tema ainda não apareceu com força na campanha. Como todo país grande, os EUA são muito introvertidos. Não acredito que a discussão de uma nova configuração financeira global motive o eleitorado norte-americano.



No FMI, o próprio diretor-gerente, Dominique Strauss-Kahn, manifestou-se em prol do aumento dos gastos públicos, para a reativação da economia em caso de crises sérias. Há uma mudança no Fundo em termos de mentalidade?
Há certa mudança. É lenta, mas perceptível. O novo diretor-gerente está trazendo alguma renovação. As suas declarações e os artigos recentes sobre políticas anticíclicas representam uma mudança de ênfase. Por isso, foram recebidos com certa surpresa. A defesa de políticas fiscais ativistas, de abordagem keynesiana, não é o que normalmente se espera do FMI. Strauss-Kahn defendeu a adoção de uma política fiscal expansiva, isto é, ampliação de despesas públicas, diminuição de impostos ou uma combinação das duas coisas, como forma de combater a desaceleração das economias e evitar uma crise mais profunda. Os países que têm espaço para implementar políticas monetárias e fiscais anticíclicas foram estimulados a atuar imediatamente. A mudança de ênfase do Fundo é mais um sintoma da gravidade da crise financeira atual.



Nessa linha, como andam as discussões a respeito da mudança do esquema de representatividade no Fundo, uma bandeira defendida pelo senhor?
Na verdade, a bandeira é do governo brasileiro, e não apenas minha. O ministro Mantega vem insistindo no tema desde 2006. Os meus antecessores na diretoria do Fundo, Murilo Portugal e Eduardo Loyo, já vinham travando essa batalha. No início do ano, as discussões sobre a estrutura de votação do FMI começaram, finalmente, a se mover na direção desejada pelo Brasil e outros países em desenvolvimento. Tivemos de fazer muita pressão, e agora parece que estamos conseguindo os primeiros resultados. Mas a negociação ainda está em andamento.



Muito se fala no ex-presidente do Federal Reserve Alan Greenspan. Antes era um herói, hoje há a desconstrução do mito. Bernanke não vai pelo mesmo caminho, ao baixar o juro de forma acelerada e, talvez, inflar uma nova futura bolha?
Realmente, a desconstrução do Greenspan corre a pleno vapor. Genius is before the fall, como dizia Galbraith. As críticas à gestão Greenspan são de dois tipos. A primeira é que a política monetária teria sido, em vários momentos, excessivamente frouxa, e contribuído para a formação de bolhas, especialmente no mercado imobiliário. A segunda é que Greenspan teria sido negligente em matéria de regulação e supervisão do sistema financeiro. As duas análises têm algum fundamento, principalmente a segunda. Quanto a Bernanke, a tarefa é extremamente difícil. Creio que ele demorou a se dar conta da dimensão da crise e agiu de maneira meio atabalhoada no início de 2008, com sucessivos e grandes cortes na taxa básica de juro. A sua principal preocupação agora é evitar uma recessão grave, e não com possíveis futuras bolhas. Preocupação compreensível, pois é muito arriscado entrar em recessão com o sistema financeiro tão fragilizado.



Há muita discussão sobre um suposto decoupling (descolamento) do Brasil da crise mundial. Existe chance real de isso se confirmar e com base em quais fundamentos?
Obviamente, o Brasil não está imune à crise. Pode ser atingido por canais comerciais, queda de preços de commodities, por exemplo, ou por canais financeiros, como uma diminuição abrupta da entrada de capitais ou por saídas de dólares do País. Mas não há dúvida de que a posição econômica do Brasil é mais forte do que em crises internacionais anteriores. A situação, especialmente do setor externo da economia brasileira, é bem mais sólida. As reservas nunca foram tão altas, tivemos vários anos consecutivos de superávits no balanço de pagamentos em conta corrente, a entrada de investimentos diretos estrangeiros é volumosa. O desafio agora é impedir que a apreciação do real e a piora da balança comercial e do balanço de pagamentos recoloquem a economia brasileira em posição vulnerável.