Valton de Miranda Leitão – Fidel Castro Ruiz
Falar de Fidel equivale a mergulhar na história contemporânea, mas uma história diretamente vinculada ao povo cubano tanto quanto a América Latina e o mundo. É o percurso dos heróis do barco Gramma e de Sierra Maestra que enfrentaram a morte e impuseram a
Publicado 09/03/2008 11:59 | Editado 04/03/2020 16:36
A renúncia de Fidel provocou no mundo inteiro avalanches de vaticínios os mais contraditórios. Mas principalmente mobilizou a fantasia da especulação financeira, chamada globalização, capitaneada pelos EUA, de que este é o momento de anexar Cuba. Não há dúvida de que Castro é um mito que provoca reações do tipo “ame-o ou deixe-o”. O fato é que a Revolução Cubana devolveu ao povo da ilha a dignidade e o sentimento de orgulho nacional. As enormes dificuldades enfrentadas com o bloqueio econômico norte-americano levaram o governo a impor rígidas normas de austeridade.
O balanço do processo iniciado em 1959 é positivo, pois Cuba se tornou na AL modelo de igualdade social onde existe pobreza sem miséria com exemplar saúde pública e forte processo educacional que erradicou completamente o analfabetismo. O arquiteto da economia de guerra que vigorou desde a queda da União Soviética ao longo dos anos 90 com o início da recuperação foi Carlos Lage D´Avila, mostrando a incrível tenacidade da sociedade cubana e seus dirigentes. A emergência de novos governos de esquerda na América Latina, a superação da monocultura da cana de açúcar substituída pela exportação de níquel, a aproximação à China e o reforço do petróleo venezuelano permitiram um crescimento com taxas variáveis entre 8 a 12% ao ano.
A interrogação que se coloca agora é se o afastamento da liderança carismática de Fidel será ou não o fim do socialismo cubano com a introdução do capitalismo nos moldes do Leste Europeu onde figuras do Partido Comunista assumiram a condição de grandes empresários. Tal cenário seria o pior, pois contaria com a participação da malta de cubanos exilados nos Estados Unidos, cujos ideais – naturalmente há exceções – são fascistas, conforme o conceituado historiador e editor da revista norte-americana New Left Review. Tal sistema político conspiratório gira em torno da Rádio Marti e do Projeto Varela com financiamento e supervisão do governo americano.
A passagem do governo do comandante para seu irmão Raul Castro que não tem o carisma de Fidel, mas sempre gozou de enorme credibilidade interna e externa como chefe das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) indica transição gradual na qual Fidel Castro nos bastidores será o maior teórico. Isso mostra como toda liderança carismática está sempre sujeita a se confundir com o Estado, levando ao danoso culto da personalidade. Ao lado disso, a manutenção do sistema de partido único coloca o desafio da democratização, pois, embora a democracia liberal esteja quase sempre a serviço do capitalismo, permite a coexistência do contraditório e a liberdade de expressão (não confundir com monopólio da informação travestido de liberdade de imprensa). Além disso, Cuba terá de conviver com a justa demanda da sua juventude por melhor qualidade de vida e a superação do apartheid econômico, pois o incremento do turismo desenvolveu um setor de serviços e hotelaria cujos integrantes cubanos vivem claramente numa situação diferenciada.
É possível que Cuba caminhe rumo ao socialismo de mercado tipo chinês, aprendendo a conviver com uma classe empresarial que por seu turno respeite as conquistas sociais tão duramente alcançadas pelo povo da ilha. A maior lição cubana para a intelectualidade política é a necessidade da coerência na práxis social com menos banalidade filosófica. Fidel entra na história como Marti e Bolívar.
Valton de Miranda Leitão – Psiquiatra