Os metalúrgicos do Brasil: da COB à CTB
Os metalúrgicos sempre jogaram um papel fundamental na construção ativa do movimento sindical brasileiro e, nos tempos atuais, esse setor que está na base do processo produtivo se mostra ativo e pulsante. Não à toa representam ainda hoje parte consider
Publicado 10/03/2008 18:25
Mesmo em um momento onde alguns críticos questionam a centralidade do elemento trabalho com o argumento da heterogeneidade, da ampliação do setor de serviço, da sobreposição da ação comunicativa ou o desencanto do mundo, o movimento sindical, mostra-se vivo tentando se renovar e, fazer frente a nova realidade, que se transforma constantemente.
A argumentação desses críticos ao trabalho ainda perde mais força quando consideramos que cerca de 2/3 da humanidade que trabalha se encontram no chamado Terceiro Mundo e que, na realidade, a extração da mais valia aumenta, na sua forma relativa, já que a tecnologia reduz cada vez mais o tempo de produção, mas não diminui a exploração e nem a jornada de trabalho. É possível, no entanto, concordar com a redução do operariado fabril pautado sobre o taylorismo/fordismo, porém é preciso lembrar que esse se reestrutura, questão elementar da fase do toyotismo, e incorpora também esses considerados “antigos” trabalhadores.
Se considerarmos a questão da heterogeneidade, ainda Marx, nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, não descartava a transversalidade do elemento trabalho que hoje visualizamos tão claramente na sociedade contemporânea, ou seja, a relação trabalho/gênero, trabalho/etnia, trabalho/nacionalidade.
A contribuição anarquista
O inicio do movimento sindical no Brasil é marcado pela chamada fase mutualista, do final do século 19, início do século 20. Esse período tem na base da produção a mão de obra estrangeira que, fruto do debate já bastante desenvolvido na Europa, sofre grande influência do ideário anarquista. O nosso movimento sindical absorve toda essa experiência e se desenvolve com criatividade, de forma lúdica, tendo a ação direta como principal elemento de embate. Daí se estrutura o anarco-sindicalismo brasileiro que, em 1906, organiza o Congresso Operário Brasileiro e lança bases para a organização da Confederação Operária Brasileira (COB).
Tido isso leva a continuação do processo de greves com o mote da redução da jornada e aumento salarial, não reconhecendo, no entanto, a mediação política institucional para obtenção dos objetivos, apesar de exigir do Estado legislação específica para a questão do trabalho. A proposta de um apoliticismo era o que camuflava o conteúdo político da ação sindical na época que, aos poucos, vai sofrendo influência, dentro do próprio seio anarquista, de idéias comunistas. Com a maior industrialização do Brasil, que se dava de forma lenta, mas progressiva, a categoria metalúrgica começa a ganhar corpo e, logo, é fundado o primeiro sindicato metalúrgico do Brasil na cidade do Rio de Janeiro, com o nome “União Operária Metalúrgica”.
Nesse momento o papel de Astrogildo Pereira, anteriormente ativista do movimento anarquista, é de bastante destaque e essa organização se concretiza na fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922, levado principalmente, assim como os Metalúrgicos do Rio que fundam seu sindicato em 1 de maio de 1917, pela vitória dos trabalhadores russos, na Revolução de 17. Os comunistas vão aos poucos influenciando cada vez mais o movimento operário brasileiro onde, o embate com os anarquistas (movimento o qual muitos dos comunistas faziam parte anteriormente) vai se tornando cada vez mais acirrado.
Os comunistas e os metalúrgicos do Rio de Janeiro
O clima do pós 1ª Guerra Mundial vai ser o cenário para a “União Operária Metalúrgica”, mesmo com 2 meses de existência, aderir ao movimento grevista liderado pela Federação Operária. A reivindicação levava em conta diversos fatores entre os quais: jornada de 8 horas diárias, aumento de salário, trabalho aos domingos…Porém, após a paralisação que sofreu uma repressão intensa, somente os metalúrgicos das estamparias tiveram salários mais elevados.
Essa conquista, que contou com um acordo intermediado pelo Conselho Municipal, mostra a heterogeneidade da linha política adotada pelos metalúrgicos que, se torna ainda mais clara no 3º Congresso Operário Brasileiro (1920), onde a União Geral dos Metalúrgicos passa a se organizar por sindicatos de ofício (funileiros e bombeiros; caldeiros de cobre, ourives, fundidores etc) ligados por uma Federação. Nas resoluções do Congresso também fica explicitado que tanto a Federação como os sindicatos a ela filiados, não pertencem a nenhuma doutrina/facção, política ou religiosa.
No governo de Artur Bernardes (1922-26) é estruturada uma nova política de desenvolvimento junto ao proletariado. O governo passa a apoiar as candidaturas operárias para o Conselho Municipal do Distrito Federal, estimular o cooperativismo e convocar delegados sindicais para participar do Conselho Nacional do Trabalho. Tudo isso vem com o objetivo de ganhar a confiança dos trabalhadores nesse momento em que o envolvimento do Estado com a categoria é bem mais significativo. Aliado a esse cenário, os comunistas passam a construir mais espaço entre os trabalhadores e perante a sociedade.
O confronto antes entre anarquistas e comunistas vai se deslocando para o dos comunistas contra os chamados “reformistas” que aparecem principalmente a partir de 1925, ano da reforma estatutária do sindicato, que muda tanto as finalidades e os métodos dos sindicatos quanto o nome, que passa a ser União dos Operários Metalúrgicos do Brasil (UCOMB). Nessa reorientação fica demarcada a luta pela participação nos lucros, fundação de cooperativas de consumo e produção e crédito onde todas essas reivindicações empregariam meios “práticos e legais”. O principal instrumento de negociação para isso era o chamado Poder Constituído representado pelo executivo e legislativo.
O sindicato, nesse momento, sofre a disputa ideológica entre comunistas e “reformistas” onde os poucos resultados dessa tática, somando o descontentamento dos comunistas a tais práticas, leva ao desgaste do campo reformista. Com a nova perspectiva adotada, entre 1927 e 29 o movimento operário vive um significativo levante que logo depois, é fortemente reprimido e os sindicatos dirigidos por comunistas e anarquistas acabam fechados.
Era Vargas: repressão e combatividade
Com a revolução de 30, inicia-se um novo ciclo de luta. O sindicato é reaberto com a denominação de União dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica (UTIM). A fase de legalidade dura pouco pois, ainda no governo provisório de Vargas, o sindicato é fiscalizado pela polícia. Nesse contexto a UTIM vai se enfraquecendo progressivamente e, a partir daí, surge uma nova associação: o Sindicato dos Operários de Artefatos em Metal, reconhecido e ligado ao Ministério do Trabalho. O sindicato mantém a divergência entre trabalhistas e comunistas e passa por períodos complicados, fruto da política ambígua de Vargas, pautada na conciliação e repressão.
Em 12 de novembro de 1932 começa de fato a reorganização metalúrgica onde a principal divergência é ilustrada pelas linhas disputadas no seio do sindicato: “de luta contra o capitalismo ou de conciliação? Independência ou subordinação?” Na conclusão, o sindicato se oficializa nos termos da lei e a disputa parte para o plano sindical onde trabalhistas e comunistas confrontam no âmbito da manifestação ideológica e atividade política. A União dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica (UTIM) passa a se chamar União dos Trabalhadores Metalúrgicos (UTM) e, com o não reconhecimento ou dissolução de outros sindicatos, a UTM passa a canalizar todas as reivindicações dos trabalhadores da categoria.
Nesse contexto todos são, de certa forma, obrigados a “aceitar” o sindicalismo ministerialista, mas, ainda assim, uma gama de novos sindicalistas e operários intervém na luta política e em 1935 é organizada uma greve geral. Diversas paralisações, piquetes e primeiras greves começavam a ocorrer, e, junto à isso, a divisão do patronato e intervenção do MT. A greve continua e sai vitoriosa com o aumento do salário diário. Uma semana após o fim da greve é deflagrada a insurreição da ANL (Aliança Nacional Libertadora) que fracassa e leva a uma forte opressão ao movimento operário. Assim, a vida sindical é esvaziada. Diminuem as assembléias, as reuniões de comitês, o número de sindicalizados em dia com as contas do sindicato e a propaganda do Estado Novo passa a procurar ligar a imagem de Getúlio à imprensa sindical.
O quadro só muda de fato a partir da redemocratização política em 1945 onde o sindicato encaminha a campanha salarial e reintegra o quadro social os associados anistiados. O sindicato pode atuar de forma livre durante pouco tempo, já que Eurico Gaspar Dutra, até então ministro de guerra e apoiado por Getúlio, ao assumir intervém de forma acirrada no movimento. Mesmo em março de 1946 é lançado o Decreto 9070 dando ao governo um forte instrumento anti-greve. Da mesma forma, o ataque ao movimento operário e ao PCB leva ao fechamento do Partido Comunista do Brasil e, da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB).
Com a volta de Vargas, os trabalhadores visualizam a possibilidade de uma abertura maior e, fruto dessa expectativa, cria-se a primeira intersindical dos anos 50 – Comissão Intersindical Contra a Assiduidade Integral (esta assiduidade destruía a possibilidade de aumento), que nasce de uma bandeira concreta de luta dos trabalhadores. Os trabalhadores mantêm a critica ao governo e a pauta de reivindicações, porém, o suicídio de Vargas leva a adoção de uma tática mais desconfiada e gera também um clima de maior unidade entre comunistas e trabalhistas.
JK, Jango e os Anos de Chumbo – A Ditadura Militar
Nos governos de JK e Jango a atuação sindical se desenvolve sem grandes percalços e, a unidade referida anteriormente se mantém. Constitui-se um único bloco na direção sindical e se destacam lutas contra o decreto lei anti-greve 9070, a elevação do salário mínimo, a reforma da previdência e, os sindicatos, ganham corpo e fundam o Comando Geral dos Trabalhadores que passa a articular o movimento sindical nacionalmente até 64, tendo nas mobilizações, grande adesão dos metalúrgicos do Rio.
A intransigência dos patrões, porém, continua e, a solidariedade de trabalhadores de outras áreas, como bancários e sapateiros, em reflexo à atuação da CGT, na luta metalúrgica, faz essa ganhar um eco nacional. A campanha salarial de 1962, com muita pressão dos trabalhadores, tem reflexos extremamente relevantes e intensa resistência do sindicato levando a vitória dentro do campo de reivindicação: 70% de aumento. Porém, com a queda de Jango, um novo cenário é imposto e a própria vida do sindicato passa a correr risco de existência.
A partir daí, se configura um dos períodos mais critico da atuação sindical. A opressão da ditadura militar praticamente eliminou a vida orgânica do sindicato e a luta política tomou outro perfil: clandestina e de vanguarda, tendo alguns pivôs com a tarefa central do movimento que, mesmo assim não é liquidado.
* Luisa Barbosa é presidente da UJS da cidade do Rio de Janeiro, do Sindicato dos Sociólogos do Rio e mestranda da UFRJ em Sociologia e Antropologia.