Sem categoria

Scorsese faz o melhor registro visual dos Rolling Stones

Os Rolling Stones ganham finalmente seu registro visual definitivo. Eles são muito bem documentados em imagens – só as duas últimas turnês geraram DVDs quádruplos -, mas nada se compara a Shine a light, de Martin Scorsese, com estréia mundial dia

O diretor de obras marcantes como Os Infiltrados, O Aviador e Gangues de Nova York já assinou documentários igualmente marcantes de música, como The last waltz (1978), com a despedida da The Band, a série The blues (2003) e o impecável No direction home – Bob Dylan (2005).


 


Shine a light não tem a profundidade deste último em termos biográficos. O diretor recheia os shows dos Rolling Stones no belo Beacon Theatre, de Nova York, nos dias 29 de outubro e 1º de novembro de 2006 com material antigo para ilustrar o presente, como, por exemplo, um jovem Mick Jagger dizendo que a banda não duraria mais do que dois anos.


 


Scorsese sofreu nas mãos dos Stones. Ele aparece implorando pelo setlist sem sucesso, chegando ao desespero de pedir só o nome da primeira música. Ele preparou a movimentação de câmeras de mais de uma centena porque Mick Jagger o torturou até o último momento. Jagger também odiou o palco desenhado pelo diretor – e Scorsese se defendeu com a alegação de terem lhe dito que era aquilo que Jagger queria. E não houve mudança.


 


O show integrou a turnê A Bigger Bang com parte do repertório que foi ouvido na Praia de Copacabana mais algum pérolas tiradas do imenso baú deles, com a notável ausência de músicas do último disco, A bigger bang, de 2005. Petardos como Rough justice teriam se encaixado muito bem no repertório. Outra falta, esta imperdoável, foi não ter uma das músicas em que se destaca a vulcânica vocalista Lisa Fischer, como Night time is the right time, ou Gimme Shelter.


 


Jagger roubou os refletores de Lisa para a branquela Christina Aguillera cantar Live with me, uma canção de 1969. Jack White faz uma participação discreta em Loving cup, convenientemente acústica, com ele e Jagger nos violões.


 


A participação que vale o filme inteiro é a do bluesman Buddy Guy, em forma aos 70 anos, na provocante Champagne and Reefer (Traga-me champanhe quando eu estiver com sede/ Um baseado quando eu quiser ficar doidão/ Você sabe que faz bem para a cabeça/ E relaxa o corpo”. Os solos lancinantes de Buddy e os closes em sua expressiva figura empolgam a platéia e o espectador no cinema.


 


A presença do ex-presidente Bill Clinton e todo seu clã destoa no filme. Ele banca o bonzinho, diz que os shows são para uma fundação sua de defesa do meio ambiente, o que soa falso, já que Clinton ficou oito anos na presidência e não assinou o tratado contra o aquecimento global.


 


Claro que os Stones encaram tudo na maior ironia, com sorrisos cínicos. E Keith manda uma pelas costas dele com uma gargalhada: “Hey, Clinton, I'm bushed” (“Ei, Clinton, estou de saco cheio”, uma gíria que faz trocadilho com o atual presidente George Bush, do Partido Republicano, adversário do Partido Democrata de Clinton).


 


Keith canta Connection com um emblema de pirata na lapela do sobretudo preto, uma conexão com a série Piratas do Caribe, que teve sua participação no último filme, “o fim do mundo” como o pai de Jack Sparrow, personagem de Johnny Depp inspirado em Keith (que dormiu na estréia de gala, alegando estar virado três dias).


 


Para mostrar os Rolling Stones por dentro, Scorsese convidou 17 diretores de fotografia e operadores de câmera, todos pegando no pesado, com exceção do coordenador Robert Richardson e de Albert Maysles, diretor, com o irmão David, de Gimme shelter, de 1970, o documentário sobre o desastroso festival promovido pelos Stones na Califórnia em 1969.


 


O espectador acompanha toda a movimentação de corpo de Jagger como se estivesse do seu lado, as obturações no fundo da imensa boca, as modulações dos lábios, o olhar intenso e sempre fixo em algum ponto acima da platéia ou diretamente nos músicos, as bufadas de cansaço ao acabar Symphaty for the devil, quando veio do fundo do teatro ao palco.


 


Os closes na tela grande mostram todos os estragos do tempo na cara de Jagger, um contraste com as imagens de arquivo, mas ele tem o mérito de não usar plásticas e botoxes para disfarçar seus 64 anos. Aliás, todos estão imunes aos artifícios. Keith Richards, mostrado em tomadas sensacionais, parece uma múmia egípcia de dois mil anos, além de um milagre da natureza por ainda estar vivo.


 


Jagger disse numa entrevista recente que algum dia vai ter que acertar as contas com o diabo. A disposição deles nos leva até a acreditar que estiveram na encruzilhada das rodovias 16 e 49 no Mississippi onde Robert Johnson vendeu sua alma ao capeta. Ele não vive proclamando sua simpatia ao coisa ruim?


 


Da Redação, com informações do O Globo