Sem categoria

Venezuela e Maranhão assinam projetos sociais conjuntos

Acordos entre os governos venezuelano e maranhense devem fortalecer projetos sociais no estado. Protocolos de intenção incluem áreas de educação, saúde, cultura e comércio, para descontentamento do grupo de Sarney. MST colabora na aproximação entre os


Depois de uma concorrida agenda no Recife que, oficialmente, o trouxe ao Brasil e que formalizou a parceria em uma refinaria de petróleo entre as estatais Petrobrás e PDVSA, nesta quinta (26) o presidente venezuelano Hugo Chávez fez escala no Maranhão para assinar uma série de protocolos de intenção para projetos sociais e econômicos com o governador Jackson Lago (PDT).



Concretamente, os protocolos dizem respeito a uma parceria no implemento da metodologia de alfabetização cubana “Sim, eu posso” que, segundo Chávez, foi responsável pela erradicação do analfabetismo na Venezuela e em Cuba e que ja tem sido implementada nos assentamentos do MST no estado. De acordo com o presidente venezuelano, o mesmo resultado poderia ser obtido em dois anos no Maranhão. Também incluem um fundo de apoio às iniciativas de desenvolvimento sustentável que promova a criação de redes produtivas locais entre os pequenos agricultores, em especial assentados da reforma agrária; o estabelecimento de mecanismos de intercâmbio comercial recíproco, como a exportação de variedades de soja do Maranhão que poderão ser cultivadas na Venezuela, como apoio à soberania alimentar do país, e o desenvolvimento de cooperativas agroindustriais no Maranhão; intercâmbio para o fomento da pesca artesanal; intercâmbio cultural e de comunicação, como a retransmissão do sinal da Telesul no Maranhão; e a viabilização do envio de jovens maranhense para a Venezuela para estudar medicina integral e agroecologia na Escola Latino-americana de Medicina e no Instituto de Agroecologia Latino-americano Paulo Freire.



Segundo Lago, o Maranhão também poderá ampliar as exportações de soja e carne para a Venezuela como forma de minimizar os problemas de abastecimento do país. Por outro lado, pediu a Chávez apoio político para a criação de um novo acordo Brasil/Venezuela na construção de uma segunda refinaria, que seria construída no estado, além da intermediação para a criação de uma siderúrgica para o beneficiamento do minério do Maranhão. No próximo período, uma equipe composta por técnicos dos dois parceiros deverá elaborar o formato final dos projetos propostos.



O pacto político entre Lago e Chávez foi tratado por ambos como um avanço no processo de integração da América do Sul. Através do combate conjunto aos problemas causados e trazidos pela pobreza, os dois governantes afirmaram estar visando o fortalecimento da independência regional. Para além dos protocolos, Chávez também se mostrou bastante inclinado a apoiar as propostas da siderúrgica e da refinaria junto ao governo brasileiro, uma vez que a Venezuela teria necessidade de ampliar os mecanismos de processamento do petróleo do país. De acordo com o presidente, a Venezuela possui hoje sete refinarias nos EUA, que processam diariamente 2 milhões de barris. Novas refinarias na América do Sul poderiam transferir parte da riqueza gerada para a região, afirmou.



A aliança Lago/Chávez, por outro lado, é uma pedra no sapato do grupo do ex-presidente e atual senador José Sarney, desafeto declarado de ambos. Sarney, um dos mais ferrenhos opositores à entrada da Venezuela no Mercosul e mordaz crítico do presidente venezuelano, tem encabeçado também o processo de denuncias conta o governo Lago. No jornal da família, o Estado do Maranhão, a vinda de Chávez ao estado foi tachada de intervenção indevida, opinião que ecoou também entre parlamentares da oposição.


Sem mencionar especificamente o senador, em seu discurso público, proferido da sacada do palácio do governo para cerca de 500 apoiadores e simpatizantes de movimentos sociais e partidos políticos (PDT, PCdoB e PT, em sua maioria), Chávez afirmou que ha setores no estado que “ficaram nervosos” com sua vinda. “Para além das paixões particulares e dos jogos políticos, a pátria deveria unir a todos”, provocou, e sentenciou: “não se ponham mais nervosos os nervosos. Viemos aqui para ficar”.



Internamente, o governo venezuelano avaliou que a visita ao estado foi de grande importância, ja que Chávez foi recebido com honrarias – foi agraciado por Lago com a Ordem dos Timbiras, concedida a personalidades que prestaram relevantes serviços ao estado e contribuíram ao seu bem estar social –, e teve reconhecida publicamente a importância de sua liderança na América Latina. Para a Venezuela, a aproximação dos setores produtivos das duas partes também ajudaria a neutralizar o discurso de Sarney, ao demonstrar que o país pode estabelecer relações benéficas para os setores econômicos brasileiros.



MST



Durante todo o evento de celebração da parceria Maranhão/Venezuela, a principal figura entre os pouquíssimos “não políticos” que acompanharam o governador maranhense e o presidente venezuelano foi João Pedro Stedile, membro da coordenação nacional do MST. Na cerimônia de assinatura dos protocolos de intenção, o movimento também formalizou um acordo de cooperação entre o Instituto de Altos Estudos Diplomáticos do Ministério das Relações Exteriores da Venezuela com a Escola Nacional Florestan Fernandes de São Paulo, principal centro educacional do MST, que ofertará cursos de formação e capacitação técnica a jovens dos movimentos sociais brasileiros. Além deste “acordo exclusivo”, os demais protocolos assinados por Venezuela e Maranhão também se coadunam com as bandeiras e as demandas do MST no estado, principalmente no setor de alfabetização e em relação aos projetos agroecológicos.



A convergência dos projetos bilaterais com o trabalho do movimento não é uma coincidência. Reconhecendo Jackson Lago como aliado antigo em função de sua histórica proximidade com os movimentos camponeses – nos anos 1960, Lago foi muito próximo do líder camponês Francisco Julião -, o MST estabeleceu uma relação de apoio mútuo com Lago após sua eleição como governador. Esta proximidade fez com que o movimento incluísse o Maranhão no grupo de estados – que inclui o Paraná, Pernambuco e Pará – com quem tem intermediado relações bilaterais com a Venezuela, de acordo com a estratégia de integração regional trabalhada pela Via Campesina, da qual o MST é parte.



De acordo com Jonas Borges, membro da coordenação estadual do MST no Maranhão, o primeiro movimento de aproximação entre Lago e Chávez foi patrocinado pelo MST em abril de 2007, como parte do seu “papel político de interlocução” com estados considerados progressistas.



Borges reconhece que há aspectos controversos nos projetos entre Maranhão e Venezuela, principalmente em relação ao projeto da siderúrgica, considerada extremamente impactante do ponto de vista socioambiental, ou do projeto de exportação de carne e soja, uma vez que a agropecuária extensiva é considerada fonte de muitos dos problemas e conflitos agrários.



“Temos interesse nos projetos de saúde, educação e agroecologia. O MST vai explorar ao máximo os aspectos positivos do acordo, e sobre os negativos vai tentar agir para minimizar os problemas. Mas tanto nós como o governador temos muito claro que o MST é um movimento independente, e onde houverem iniciativas que contrariam as nossas bandeiras, vamos nos opor”, afirmou Borges.



Fonte: Agência Carta Maior