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Le Monde: As novas ações políticas das Mães da Praça de Maio

Após quase 31 anos de luta pelos direitos humanos na Argentina, as Mães da Praça de Maio passaram a se dedicar nos últimos meses a diferentes tipos de ações políticas no país, como a urbanização e a desigualdade social. Reportagem do jornal francês Le

Mães da Praça de Maio se voltam para a periferia de Buenos Aires



Aos 79 anos, Hebe de Bonafini trocou o seu tradicional lenço branco por um capacete de plástico amarelo. A presidente da associação das Mães da Praça de Maio assumiu a coordenação de um vasto programa de urbanização de uma dezena de favelas de Buenos Aires.



Andando em passos firmes, desafiando as crises de asma e de diabete, a senhora Bonafini, que perdeu dois filhos durante a ditadura militar (1976-1983), caminha para cima e para baixo no labirinto de terra batida de Ciudad Oculta, uma das maiores favelas do país, situada a oeste da capital. O projeto prevê a construção de 900 alojamentos. Ela aponta com orgulho para várias casas de dois andares, de cores vivas, que já estão sendo habitadas.



Uma imensa construção que se encontra abandonada há mais de meio século vai ser reformada para receber apartamentos, um hospital, escolas, centros de convivência infantis, um centro de lazer e uma biblioteca. Batizado ironicamente de “o elefante branco”, o edifício foi construído durante os anos 1950 pelo então presidente e general Juan Domingo Perón, que queria fazer dele o hospital mais moderno da Argentina.



“São 24 hectares no total, e nesta área uma verdadeira cidade vai ser construída”, explica o arquiteto Eduardo Crivos. Uma equipe de 23 profissionais está trabalhando a serviço da Fundação das Mães da Praça de Maio. “Nós somos a maior empresa de construção civil do país”, declara com orgulho Hebe de Bonafini.



As habitações não são construídas com tijolos, e sim com ajuda de painéis móveis que permitem uma edificação rápida. De origem italiana, estes painéis são fabricados numa usina que as próprias Mães da Praça de Maio mandaram construir no bairro popular de La Boca. Uma amiga de longa data de Fidel Castro, mas também do presidente venezuelano, Hugo Chávez, Hebe de Bonafini declara igualmente a sua simpatia para com os Kirchner. O casal presidencial reivindica o seu passado de militantes peronistas de esquerda durante os anos 1970 e fez dos direitos humanos uma prioridade dos seus governos sucessivos.



“A tarefa das Mães não é mais de resistir à repressão do regime”, comenta a senhora Bonafini. “A presidente Cristina Kirchner está mostrando competência no que faz e nós somos solidárias com o atual governo. Os nossos filhos morreram por um ideal, nós estamos dando continuidade ao seu combate contra as injustiças sociais”, acrescenta.



Daquelas que os militares haviam batizado de “as loucas da Praça de Maio”, hoje não sobraram mais de vinte. A sua idade varia entre 76 e 94 anos. Depois de trinta anos de luta, elas não se contentam mais com a sua manifestação semanal, sempre às quintas-feiras, em frente à Casa Rosada, o palácio presidencial. Elas fundaram uma universidade popular, um jornal, uma rádio, uma empresa de tipografia, além da sua própria editora. Elas também conseguiram montar uma central de arquivos únicos, voltados para os “anos de chumbo” (como é chamado o período da ditadura).



Além do mais, elas também contam com o apoio financeiro oferecido pelo governo peronista no quadro do plano federal de habitação. O prefeito de Buenos Aires, o homem de negócios Mauricio Macri (de direita), um adversário político dos Kirchner, não esconde a sua contrariedade com a situação. As Mães invadiram o seu território e cabe à prefeitura a tarefa de encaminhar para a sua organização os créditos que vêm sendo alocados pelo governo. No final de janeiro, Hebe de Bonafini organizou a ocupação da catedral para protestar contra a lentidão da burocracia da capital.



Algumas horas mais tarde, os fundos haviam sido desbloqueados. As Mães são populares e aliadas incondicionais dos Kirchner. “Elas estão fazendo um bom trabalho”, admite a adjunta do prefeito, Gabriela Michetti. “Contudo, nós lamentamos que não haja uma maior transparência nas suas atividades”.



“Macri não tem experiência alguma no que diz respeito à problemática social”, rebate o advogado Sergio Schoklender. Um braço-direito de Hebe de Bonafini, ele considera que “companhias privadas não poderiam trabalhar nas favelas como as Mães vêm fazendo”.



“Nós adotamos uma abordagem global da realidade social, o que nos permite eliminar com uma só cajadada a delinqüência, o tráfico de drogas e a prostituição. São os próprios moradores das favelas, homens e mulheres, que constroem o seu alojamento após terem recebido formações específicas”, explica o advogado, que também acrescenta: “A maioria dentre eles nunca havia trabalhado em toda a sua vida; numa proporção de 80%, eles eram “cartoneros” (pobres que vivem do que eles encontram no lixo). Eles têm carteira de trabalho assinada, recebem bons salários, contribuem para a sua aposentadoria, recebem os benefícios da Seguridade Social, as férias remuneradas. Além disso, nunca houve nenhum acidente nos canteiros de obra”.



A pedido do governo Kirchner, o programa de urbanização que as Mães da Praça de Maio estão conduzindo será estendido para outras províncias do país.