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Ruralistas impõem MPs que afrontam a igualdade de direitos       

A conjuntura está prenhe de revelações significativas sobre direção e diretrizes de políticas que legalizam ilegítimas relações sociais na economia. Vejamos dois exemplos que têm algo em comum: terra e trabalho, objeto de mudanças normativas por meio d

A primeira dessas aberrações jurídicas, denunciada oportunamente pela ABRA e de maneira muito didática em artigo de Ariovaldo Umbelino (Correio da Cidadania, 08/04/08), permite a legalização de posses na Amazônia legal de ocupações pretéritas com tamanho de até 15 módulos rurais (cerca de 1500 hectares na maior parte da região).


 


Tudo isto é feito por Medida Provisória – neste caso, a de número 422/2008 -, para alegria dos grileiros e praticantes de desmatamento ilegal em terras públicas, agora equiparados ao pequeno posseiro (lembrando que o módulo rural é conceito de posse ou propriedade familiar ainda vigente, desde o Estatuto da Terra), a quem se dispensa licitação na legalização da posse.


 


A segunda alteração de relações sociais relevantes, no âmbito das relações de trabalho, vem com a MP 410/2007, que permite a contratação de trabalhadores por até 60 dias, sem inscrição de contrato na Carteira de Trabalho.


 


A medida, vendida ao público como de caráter simplificador, na verdade nada simplifica. Exige formalmente do contratante o preenchimento da chamada guia GFIP (Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia e da Contribuição Previdenciária). Mas esta, em sendo uma informação fiscal, goza do privilégio do “sigilo fiscal”, não podendo ser utilizada como prova de relação de trabalho.


 


Traduzindo em miúdos, abre-se uma brecha enorme para legalizar o trabalho clandestino. Fragiliza-se a fiscalização do trabalho e até mesmo se dificulta o trabalho dos grupos-tarefa da Polícia Federal e do Ministério do Trabalho, no combate ao trabalho similar ao escravo.


 


Simultaneamente à tramitação dessas duas MPs, que por definição se dão em regime de urgência, travando a pauta do Congresso, predominam as discussões sobre cartões corporativos e compras de tapioca.


 


Por sua vez, na grande mídia, a implementação da Reserva Raposa Terra do Sol, três anos depois de homologada e décadas de espera, é objeto de um tratamento altamente preconceituoso contra os legítimos proprietários, mas com indisfarçável simpatia pelos grandes arrozeiros, suas máquinas, suas armadilhas e bombas contra a Polícia Federal.


 


As mudanças normativas de relações sociais, que pelo seu caráter devem respeitar critérios do direito social calcados nos princípios da igualdade (favorecendo os desiguais), não podem se alteradas do dia para a noite, através do recurso da Medida Provisória.


 


Este procedimento cria, pelo próprio processo normativo que lhe é inerente, insegurança jurídica geral, incômoda para as classes abastadas e fatal para os cidadãos comuns, titulares de direitos que dependem ativamente da salvaguarda e ação positiva do Estado para exercitá-los.


 


Este é mais um desatino que é realizado em nome da política de alianças com a base política ruralista, em completo conflito com princípios éticos, jurídicos e de legitimidade ao exercício do poder. E isto terá implicações e responsabilidades cobradas, por maior que seja o desprezo que os novos “maquiavéis” do planalto tenham para com os princípios da igualdade e da justiça social.


 


* Guilherme Costa Delgado, economista do Ipea, é doutor em Economia pela Unicamp e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.