Robert Fisk: 'al-Qaida derrotada? digam isso aos Marines'
Então, a al-Qaida está “quase derrotada”, não é? Houve grandes avanços e praticamente está derrotada. “Fazendo um balanço, nos parece que vai tudo bem”, assegurou o chefe da CIA, Michael Hayden, segundo The Washington Post. “al-Qaida, quase derrotada e
Publicado 03/06/2008 19:29
Seis mil mortos no Afeganistão, dezenas de milhares no Iraque, um atentado suicida diário na Mesopotâmia, o nível mais alto de suicídios dentro do exército americano. A imprensa árabe, sabiamente, publicou as palavras de Hayden, primeiro jactando-se de seu êxito e depois anunciando que haverá bases permanentes no Iraque depois de 31 de dezembro, e mesmo assim ele afirma que vencemos?
Há menos de dois anos uma afirmação igualmente demente sobre a guerra por parte do general Peter Pace, o estranho (e agora, graças a Deus, retirado) presidente dos chefes de Estado Maior Conjunto, assegurou que os americano no Iraque “não estamos ganhando, tampouco perdendo”. Nesse ponto o secretário de Defesa de George W. Bush, Robert Gates, disse que estava de acordo com Pace no que tange a “nem estar ganhando, nem perdendo”.
James Baker, que acabava de apresentar seu próprio e desordenado relato sobre o Iraque, expressou então (leitor, por favor, não ria nem chore): “Não acredito que se possa dizer que estamos perdendo, assim como da mesma foram não estou seguro de que estejamos vencendo”. Depois Bush, ele mesmo, proclamou: “Não estamos vencendo, nem perdendo”. Que lástima para os iraquianos.
Bom, de qualquer modo, agora estamos vencendo de verdade. Ou ao menos a al-Qaida está “quase” (prestem bem atenção ao quase) derrotada, segundo Mike Hayden.
Sou o único que acredita que isso é de uma puerilidade que raia à loucura? Enquanto houver injustiças no Oriente Médio, a al-Qaida estará vencendo. Enquanto tivermos 22 vezes mais o número de forças que tinham os cruzados ocidentais na região (creio que meu cálculo está bastante correto) estaremos em guerra contra os muçulmanos. O desastre infernal do Oriente Médio se estendeu pelo Paquistão, Afeganistão, Iraque, Gaza e até Líbano. E assim mesmo estamos vencendo?
Sim, ganhamos algum tempo no Iraque ao pagar a metade dos insurgentes para em troca de lutar por nós e assassinar seus próprios primos na al-Qaida. Sim, seguimos apoiando sem problemas o regime torturador e decepador da Arábia Saudita, suponho que devido a nosso próprio entusiasmo pelo waterboarding, mas isso não implica que a al-Qaida esteja derrotada.
Isso é assim porque a al-Qaida é uma forma de pensar, não um exército. Se alimenta de dor, terror e crueldade; nossa crueldade e opressão. Enquanto seguirmos subjugando os muçulmanos com helicópteros Apache, veículos Humvees, artilharia, bombas e “ditadores amistosos”, a al-Qaida continuará.
Teremos de viver esta loucura até o final do regime de Bush em Washington? Não há ninguém nessa magnífica cidade imperial que entenda o que “nós” estamos fazendo no Oriente Médio? Por que o Washington Post dedica espaço às fantasias de um funcionário da CIA, a mesma organização que não pôde evitar o 11 de setembro, por que (se temos de crer naquilo que nos foi dito) uma chamada telefônica em árabe sobre os aviões que se arremessariam contra as Torres Gêmeas não foi traduzida a tempo? Se trata agora de bombardear o Irã? Ou seria melhor lançar uma guerra Irã – EUA delegando poder a substitutos, ou seja, outra guerra entre o Hezbolá e os israelenses? Mike acredita mesmo que a al-Qaida está no Irã?
Israel continua construindo colônias exclusivas para judeus em terras árabes e Washington não faz nada. Apesar delas serem ilegais, George W. Bush continua imutável. São fonte de fúria e frustração e um justificado sentimento de ser objeto de burla, mas Washington não faz nada para por um fim a esse escândalo. Diariamente leio nos jornais árabes novas razões para que os bin Laden do mundo não desapareçam.
Um bom exemplo é a notícia que li esta semana proveniente da Faixa de Gaza. Oito estudantes palestinos ganharam bolsas de estudo de um programa da fundação Fulbright para estudar nos EUA. Qualquer um pensaria que o interesse de Washington é trazer estes jovens muçulmanos à terra da liberdade, não é? Pois não é. Israel não permitiu a eles que saíssem de Gaza. Tudo é parte da “guerra contra o terror” que Telavive proclama estar lutando ombro a ombro com os Estados Unidos. Portanto, o Departamento de Estado cancelou as bolsas. Não, ainda não vale a pena converte-se em atacante suicida da al-Qaida por uma 'besteira' destas. Mas é difícil encontrar no diário algo mais malvado, mesquinho e vil.
Leu isso Mike Hayden? Ou será que ele, da mesma maneira que a maioria em Washington, tem tanto medo de Israel que não se atreveria a retirar a cabeça do buraco? A CIA não é capaz de dar-se conta ou sequer imaginar que, enquanto permitirmos que o Oriente Médio permaneça sob uma capa de injustiças, a al-Qaida continuará a existir?
Esta foi uma pergunta que me fizeram em Bagdá: Por que nossas forças estão no Paquistão, Afeganistão, Iraque, Jordânia, Turquia, Egito, Argélia (sim, existem forças especiais americanas em uma base próxima de Tamanraset), Bahrein, Koweit, Iemên, Omã, Arábia Saudita, Catar e Tadjiquistão (Sim, novamente, pilotos de bombardeiros franceses em uma base situada em Duchambé têm a missão especial de trasladar 'abastecimento' por via aérea a nossos rapazes no Afeganistão)?
Enquanto mantivermos essa cortina de ferro ao redor de todo o Oriente Médio, estaremos em guerra contra a al-Qaida e a organização estará em guerra contra nós. Esta nova cortina de ferro, por certo, começa na Groênlandia e se estende pelo Reino Unido, Alemanha, Bósnia, Grécia e Turquia. Para que serve? Que há do outro lado? Bom, simples: Rússia, China e Índia.
Estas são as perguntas que nos fazemos e, sendo assim, não são do tipo que o Washington Post faria a Mike e seus amigos da CIA. Sim, sopramos e apitamos pela democracia, pela liberdade e pelos direitos humanos, mas damos muito pouco disso ao mundo muçulmano. Porque a liberdade que querem e o tipo de liberdade que não têm — que permitem florescer grupos como a al-Qaida — é a de serem livres de “nós”. E isto, temo eu, é o que não temos a intenção de dar-lhes.
Mike Hayden pode pensar que o mundo muçulmano “está retornando a sua forma orginal” e rechaçar o “islã da al-Qaida”, mas eu duvido disso. De fato, suspeito ainda mais que a al-Qaida esteja se fortalecendo. Mike diz que está derrotada no Iraque e na Arábia Saudita, mas estará também derrotada em Londres? e em Bali? e em Nova York? em Washington?
Publicado originalmente no The Independent. Traduzido por Humberto Alencar.