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Critérios objetivos definirão terra indígena, diz Ayres Britto

Além de presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Carlos Ayres Britto também é o relator de boa parte das ações de maior repercussão social pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). O voto dele é que conduzirá as discuss

Além disso, o ministro foi o relator, com tese vencedora, em recente julgamento, que autorizou a continuidade das pesquisas com células tronco-embrionárias no Brasil.


 


Em entrevista à Empresa Brasil de Comunicação, Britto falou sobre o andamento dos processos e antecipou algumas concepções. Em relação à demarcação da Raposa Serra do Sol, prevista para ir a julgamento no início de agosto, o ministro ressaltou se tratar de um tema que envolve muitos os aspectos institucionais. “A soberania é apenas um deles”, avisou. Britto também defendeu as políticas de cotas adotadas pelo governo federal, ao reiterar posicionamento já expresso por ele no STF.


 


Ministro, o senhor esteve na Terra Indígena Raposa Serra do Sol e tem a responsabilidade de dar o primeiro voto na ação, que contesta a demarcação da área. O que o senhor viu lá que poderá influenciar na decisão?


CAB – Fui com o ministro Gilmar Mendes e a ministra Cármem Lúcia. O objetivo foi a obtenção de um conhecimento não de segunda mão, passado por outrem, mas de primeira mão. Queríamos ver, sentir, conversar, colher impressões, sobretudo visuais, daquela imensa região, e isso nós conseguimos. Vai ajudar na formação do juízo de convencimento de cada um.


 


Serviu para clarificar o entendimento?


CAB – Sim. Na questão dos vazios demográficos, por exemplo, estamos agora habilitados a formar um juízo melhor da distribuição das aldeias, das malocas, das características botânicas, climáticas e hidrográficas daquela região.


 


O julgamento será mesmo no início de agosto?


CAB – Minha intenção, se eu receber os autos a tempo da Procuradoria Geral da República, é apresentar meu voto no final de junho. Porém, o presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, vai precisar de um tempo para formatar uma delicada e complexa sessão de julgamento. Então acredito que, com bons ventos, dá para o julgamento acontecer em agosto.


 


A questão da soberania é de fato o ponto principal em discussão?


CAB – Não. São muitos os aspectos institucionais e a soberania é apenas um deles. Essa questão é muito delicada, antagoniza muitas instituições, muitas pessoas singulares, muitos grupos. Há índios de um lado, índios de outro; igreja de um lado, igreja de outro; a União de um lado, o estado de Roraima de outro; sociólogos e antropólogos de um lado; no próprio âmago do Governo Federal, o Ministério da Justiça parece perfilar entendimento que não coincide com o do Exército. Quer dizer, é uma questão extremamente delicada.


 


É possível se pensar em uma solução conciliatória para o impasse?


CAB – O objetivo meu e certamente da Corte é encontrar na Constituição todas as coordenadas do processo demarcatório das terras indígenas. Se conseguirmos isso, nossa tarefa estará segura, e será uma decisão pautada por critérios rigorosamente objetivos. Poderemos ter uma solução jurídica para todo e qualquer processo demarcatório.


 


A questão do reconhecimento da união civil homossexual, para fins de benefícios previdenciários e patrimoniais, também está sob a sua relatoria. Qual a situação de momento?


CAB – Eu deverei me debruçar mesmo sobre esta questão no mês de agosto e inciar a confecção do meu voto. É um assunto também delicado e importantíssimo.


 


O STF poderá dar nesta matéria uma decisão histórica no que se refere à consolidação dos direitos humanos no Brasil?


CAB – A matéria se inscreve numa ambiência de direitos humanos e fundamentais, mas temos que ver o alcance e a dimensão destes direitos a partir das relações homoafetivas.


 


O inquérito que apura o envolvimento do deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) em fraudes no BNDES corre em segredo de justiça. Mas, pelo material que tem em mãos, o senhor diria que o caso será uma novela ou uma mini-série?


CAB – Eu estou supervisionando o inquérito da Polícia Federal sobre o tema, estudando os pedidos de diligência, examinando o que pode ser deferido e o que não pode. Só posso disponibilizar para advogados e partes aquelas diligências já documentadas e incorporadas aos autos do inquérito.


 


O senhor proferiu decisão liminar, que suspendeu artigos da Lei de Imprensa que puniam com prisão jornalistas condenados por calúnia, injúria ou difamação -, crimes já previstos no Código Penal. A Lei de Imprensa está carente de atualidade?


CAB – Essa Lei de Imprensa, num exame preliminar, foi tida por mim e pela Corte como em rota de colisão com a Constituição Federal, em muitos de seus dispositivos, porque é uma lei inspirada por um regime de exceção. Ela é de 1967, quando vigorava uma Constituição muito menos democrática do que a atual. A Lei de Imprensa termina, então, por assegurar uma sobrevida a uma Constituição autoritária, que muito pouco tem a ver com a atual. O grande desafio nosso é saber se pelo modo com a Constituição de 1988 tratou as atividades de imprensa e comunicação social, um modo corretamente generoso, se isso é compatível com a idéia de uma lei orgânica ou se os temas de imprensa devem ser versados por leis espaças, monotemáticas, e não reunidas em um mesmo estatuto.


 


Em processo movido por unidades particulares, o senhor também já votou como relator favoravelmente ao sistema de cotas para negros e índios. Essa tese deve prevalecer no plenário?


CAB – As políticas de inclusão social mediante ações distributivas de renda, patrimônio e vagas em universidades se subscrevem no âmbito do que eu tenho chamado de constitucionalismo fraternal, solidário ou altruístico, a ser operacionalizado por ações afirmativas, compensatórias de desvantagens historicamente e severamente acumuladas por segmentos sociais minoritários como mulheres, negros, índios, portadores de deficiência física. Vamos aguardar, nunca é bom fazer prognóstico, até para não ser interpretado com uma ingerência na liberdade de convencimento dos demais ministros da Corte. Mas o que me conforta é que a ação está sob vista de um magistrado muito versado em ações afirmativas, que é o ministro Joaquim Barbosa.


 


O voto do senhor pela autorização das pesquisas com células tronco-embrionárias foi indicativo de uma posição favorável à regulamentação do aborto, tema que também será discutido em breve no STF?


CAB – Aguardemos o julgamento de mérito, que deve ser precedido de uma audiência pública. O Ministro Marco Aurélio de Mello se predispõe a fazer [a audiência]. Corri esse risco mas deu tudo certo, e o Supremo experimentou na ação da Lei de Biossegurança, pela primeira vez, essa via democrática, que é a audiência pública. Toda a comunidade científica se abriu para oferecer seu visual das coisas ao Supremo Tribunal Federal.


 


Fonte: Agência Brasil