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Gilson Caroni Filho: Quem atira na ministra?

Que Dilma Rousseff é o alvo, não resta qualquer dúvida. Mal sai do
cenário a “novela-denúncia” do dossiê anti-FHC, começa uma nova atração
para jornais, revistas e o telejornalismo global que promete encher
páginas e telas nos próximos dias: o caso Var

“Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão”

(Chico Buarque)

Está
estabelecido que o debate político deixa de existir. No lugar dele,
crises pautadas para que a agenda da imprensa permaneça no ar e alguma
ribalta seja concedida a políticos cuja sobrevida, após 2010, é
extremamente duvidosa.

Que Dilma Rousseff é o alvo, não resta
qualquer dúvida. Mal sai do cenário a “novela-denúncia” do dossiê
anti-FHC, começa uma nova atração para jornais, revistas e o
telejornalismo global que promete encher páginas e telas nos próximos
dias: o caso Varig. A visível fadiga da dramaturgia recorrente parece
não ter sido notada por diretores de arte e editores. Mas a trama
recente começa com um mistério inédito: quem é o autor? Seria
interessante que, ao menos uma vez, um fato político incentivasse o
jornalismo investigativo.

Quando exercido de fato, ele costuma
produzir mudanças importantes no ambiente político. Revela
irregularidades no uso do dinheiro público, incapacidade
administrativa, fraudes em licitações e inquéritos. Em suma, é no trato
republicano da informação que a imprensa reafirma seu caráter de
serviço público.

No momento em que esse artigo está sendo
escrito, uma “nova Denise Abreu”, presta depoimento á Comissão de
Infra-estrura do Senado. Convertida à Bíblia por obra e graça de irmãs
carmelitas, foi categórica em dois pontos: a ministra Dilma Roussef
nunca lhe pediu diretamente para atuar em favor de grupo de
investidores estrangeiros e seu partido é o da devoção a Deus, “senhor
de todas as missões”.

Como reproduz um desolado Noblat em seu
blog “alguém te disse diretamente, faça isso ou aquilo? (…).Sejamos
objetivos. A ministra Dilma [Rousseff] não mandaria eu fazer nada. Fui
fortemente questionada do porquê estava expedindo um ofício para
investigação do capital estrangeiro com entrada oficial pelo Banco
Central e do Imposto de Renda (…). Eu fui contestada sim (…). Eu
era vista como um dinossauro do direito que queria cobrar documentos
desnecessários. O jornalista conclui melancólico: “Os que estavam
mais afoitos por revelações de ordens diretas para que Denise atuasse
em favor do fundo de investimentos majoritariamente formado por sócios
norte-americanos já baixaram a bola
“. A questão da autoria do enredo se desloca para o terreno transcendental.

Seria interessante que a Folha de S.Paulo
levasse às últimas conseqüências o que anunciou em editorial, na edição
de sexta-feira (6/6). À afirmação do governador José Serra de que as
denúncias do caso Alstom seriam o “kit dos petistas em atuação”, o
jornal respondeu de forma categórica.

“Eis alguns fatos
suficientes para justificar a mais rigorosa investigação (…). Sem
dúvida, é o `kit PSDB´ que está operando, com especial eficiência, numa
Assembléia Legislativa desfibrada por longos anos de governismo. É
também o `kit PSDB´ que, com impavidez a toda prova, se vende para a
opinião pública como exemplo de modernidade gerencial.
A registrar
que a reação de Serra é compreensível. Escândalos envolvendo lideranças
tucanas têm sido de tal forma abafados que um noticiário minimamente
isento soa como “fogo amigo dos companheiros da Barão de Limeira”. É
quase de ordem natural que ele pleiteie o mesmo tratamento dispensado à
gestão da correligionária Yeda Crusius, governadora do Rio Grande do
Sul, no momento em que irregularidades no Detran gaúcho atingem seu
núcleo político e a blindagem, a velha operação-abafa, vem em seu
socorro.

Mas voltemos às novas denúncias contra Dilma Rousseff.
Em seu blog, o jornalista Josias de Souza relata que o presidente Lula,
em conversa reservada com um assessor, teria achado “curioso que a
origem dos ataques à ministra partam, invariavelmente, do PT”. Tanto no
caso do dossiê quanto no suposto imbróglio da Varig a munição teria
partido de pessoas ligadas ao ex-ministro José Dirceu, conclui o
articulista da Folha.

Conclusão incompleta,
ressalte-se, pois omite que quem repassou as informações para a
imprensa foi o assessor do senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

Se o
ex-chefe da Casa Civil hoje se dedica, entre outras atividades, a
prestar consultoria a grandes grupos empresariais, isso, por si, o
tornaria suspeito? E a ex-diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação
Civil), Denise Abreu? Teria deixado de ser a mulher que, segundo
colunistas de “boa cepa”, usou o cargo para beneficiar amigos e,
subitamente, se transformou em fonte fidedigna? A nova musa de
editores, prontos a lhe oferecer o discreto charme de uma piteira em
substituição ao famoso charuto, que lhe valeu um epíteto?

Como
se vê, não faltam suspenses na nova produção jornalística. O pecado
capital do enredo é a ausência de uma história verossímil, baseada em
documentos probatórios. Para que ela surja é necessário,ainda, uma
cobertura correta, algo que, paradoxalmente, pode retirar seu valor de
troca para os aliados no campo político.

Em entrevista ao
programa Atualidade, da Rádio Gaúcha, a ministra disse que o governo no
episódio limitou-se a esperar que o judiciário decretasse a falência do
grupo, para que a empresa pudesse ser vendida. E afirmou que não
acredita em “fogo amigo”. Mas, seguindo metodologia consagrada na
redação da TV Globo, façamos mero exercício de exploração de hipóteses.
Quem seria o atirador e quais suas motivações?

Muita mais gente
graúda dentro do PT estaria tentando garantir a indicação de alguém de
dentro do partido para a sucessão de Lula em 2010. A avaliação é que
Lula levará, inevitavelmente, o seu candidato para o segundo turno e,
aí, tudo pode acontecer, até eleger um candidato sem grandes apelos
populares no momento. Seria o caso de Tarso Genro, Patrus Ananias e
Marta Suplicy, por exemplo. Não valeria apurar com mais precisão? Ou é
melhor não rastrear o “fogo amigo” se ele for útil a objetivos maiores?
A interlocução cordial com os senadores tucanos Sérgio Guerra, Flexa
Ribeiro e Arthur Vírgilio parece desvendar o mistério inicial.

Dilma
não é um quadro orgânico, não está vinculada/comprometida com corrente
alguma. Isso, segundo alguns analistas, também não entusiasmaria
algumas lideranças do PT gaúcho, pois caso ela não saia para concorrer
ao Planalto – e se o PAC emplacar, até inícios de 2010, 60% das obras –
seria muito difícil impedir sua candidatura ao governo do Rio Grande do
Sul.

Lula sabe de tudo isso. E Dilma também. É licito imaginar
que os dois tenham se lançado ao Planalto para ocupar espaço político
antes das eleições de 2010, pois apenas o PSDB (Serra/Aécio) e, com
menos visibilidade, o PSB (Ciro) aparecem para a opinião pública como
candidatos para 2010.

Assim, antes do depoimento de Denise, era
possível conjecturar que o fogo contra a ministra-chefe da Casa Civil
podia vir de qualquer lugar, de amigos e inimigos: oposição, direção
nacional, paulistas, gaúchos etc. Dilma seria a Geni da vez. Agora, no
entanto, com a afirmação da espiritualizada advogada de que a ministra
nunca exerceu qualquer tipo de pressão, uma coisa é certa: jornalistas
experientes sabem quem pilota o zepelim que paira sobre os edifícios. A
artilharia vem dos senhores da direita.

Seria uma inflexão
admirável se alguns editores, inspirados na poética de Chico Buarque,
proferissem a sentença do comandante: “Mudei de idéia”. Pelo que foi
dito até agora no Senado, todos os indícios apontam para Deus. Será ele
quem pilota o enorme zepelim do atraso? A continuar assim, “a cidade
apavorada, quedará paralisada, pronta pra virar geléia.”

Contra
uma agenda que nos quer caminhando para trás na história, é hora de as
forças progressistas contra-atacarem com igual intensidade. E, de
preferência, mirarem no plano terreno.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br