Em meio à crise, Cristina Kirchner busca força junto ao povo
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, comprovou nesta quarta-feira (18), em Buenos Aires, que pode contar com a mobilização popular para enfrentar o locaute organizado pelos grandes empresários do setor agrário do país. Mais de 60 mil pessoas fora
Publicado 19/06/2008 16:53
Acompanhada por membros de seu governo e pelo ex-presidente Nestor Kirchner, Cristina investiu contra os dirigentes agropecuários. “Quatro pessoas em quem ninguém votou, as quais ninguém elegeu”, que “se reuniam, deliberavam, decidiam e comunicavam ao resto dos argentinos quem podia andar pelas estradas do país e quem não”, afirmou a governante, ao se referir aos bloqueios organizados pelos líderes empresariais nas rodovias de todo o país.
Segundo ela, ao ver esse cenário, percebeu que o problema não estava no aumento das restrições às exportações de grãos decretado por seu governo, mas sim na “interferência na própria construção democrática, que diz que os representantes do povo escolhidos em eleições são os que deliberam”.
Diante disso, Cristina sugeriu que os responsáveis pelo locaute se organizem politicamente para apresentar ao país o modelo de gestão que lhes é mais interessante. “Convidamos eles para que, democraticamente, se constituam como partido político e se apresentem nas próximas eleições para reivindicar o voto a favor de seu modelo”.
“Sonho com um país melhor”
Após fazer um minuto de silêncio pela morte de um manifestante que estava na praça e foi atingido na cabeça por uma luminária de bronze de um poste de luz que se desprendeu, Cristina Kirchner atacou com dureza as patronais agropecuárias e defendeu as conquistas da gestão de seu marido e antecessor no cargo.
“Quanto tomei decisões, não as fiz para prejudicar a ninguém. Agi assim para que todos os argentinos pudéssemos viver um pouco melhor”, afirmou, para em seguida se referir a um problema que não foi totalmente resolvido no interior do país. “Eu aspiro que cheguemos a nosso Bicentenário de modo bem diferente ao primeiro centenário. Há cem anos, este país era o principal exportador de trigo e carne do mundo, mas muitos argentinos morriam de fome […] Sonho com um campo em que haja mais produção, com mais valor agregado, que gere cada vez mais empregos”, afirmou.
O confronto começou quando o governo impôs limites aos lucros extraordinários sobre as exportações de soja e de outros produtos alimentícios como o girassol, o trigo e o milho, medida considerada confiscatória pelos agricultores. A Argentina é o maior exportador mundial de óleos e farinhas de soja, o quarto maior de trigo e o segundo maior de milho, segundo dados da secretaria de Agricultura dos Estados Unidos, com o aval da Organização Mundial do Comércio.
Locaute continua
Após o discurso de Cristina, os “quatro” citados pela presidente em sua fala decidiram manter a paralisação ao menos até o final de semana. O vice-presidente da Sociedade Rural Argentina, Hugo Biolcati, disse nesta quinta-feira (19) que a “atitude” da presidente impede todo tipo de acordo” e anunciou que buscará “trabalhar voto a voto” com os legisladores nacionais para que a nova política agropecuária governista não seja aprovada.
Dessa forma, os bloqueios em grande parte das estradas argentinas prosseguiu nesta quinta-feira, ao passo que se torna cada vez mais crescente o desabastecimento de alguns produtos alimentares em muitas regiões do país. Em algumas cidades, farmácias já estão sem determinados medicamentos e indústrias vêem seu estoque de matérias-primas se esgotarem.
Governo pede racionalidade
O ministro da Justiça, Aníbal Fernandez, veio a público nesta quinta-feira pedir mais racionalidade aos empresários, após declarações mais exaltadas de um de seus líderes, Ricardo Buryaile, vice-presidente das Confederações Rurais Argentinas.
Buryaile foi dos primeiros a assumir o caráter golpista dos protestos da classe empresarial, ao dizer que se não resta “um pouquinho de dignidade aos legisladores para pensar no dano que está sendo feito ao país”, então “deveríamos dissolver o Congresso”.
Os agricultores exigem a derrubada dos impostos móveis sobre as exportações de soja, cuja colheita foi avaliada este ano em US$ 24 bilhões, dos quais o governo pretende arrecadar US$ 11 bilhões.
Da redação, com agências