A frágil tampa da panela de pressão

Sem plano de cargos, carreira e salários, sem reajustes ou aumento salarial há anos, com enorme defasagem no quadro de pessoal compensada por uma carga desumana de horas extras, um trabalho estafante, lidando diretamente com um público-alvo formado pel

Falamos dos trabalhadores da SUSEPE? Poderíamos estar falando. Mas não. Estamos descrevendo a rotina e as condições de trabalho dos funcionários da FASE RS. Espalhados pelas 16 casas em oito cidades gaúchas os cerca de 1.500 trabalhadores da FASE enfrentam praticamente os mesmos problemas que os agentes penitenciários, com algumas diferenças. Não ganham, por exemplo, risco de vida, apesar de já ter havido morte (em 1999 um monitor foi assassinado no antigo Instituto Juvenil Masculino). As agressões físicas aos trabalhadores são freqüentes, e muitos deles carregam cicatrizes ou seqüelas resultantes de motins ou tumultos, dificilmente divulgados.


 


A superlotação dos centros sócio-educativos é semelhante à encontrada nos presídios. Nenhum deles hoje está com sua população dentro do limite. O Instituto Carlos Santos, com capacidade para 70 adolescentes, hoje está com 170; o CASE POA 2, com capacidade para 80, abriga , nesta data, 173. A casa com menos problemas de população, o CSE, que atende jovens adultos (entre 18 e 21 anos incompletos) com suas 88 vagas, está com a população de 110 internos. Na capital e no interior, a situação é a mesma: superlotação. O CASE Caxias, com capacidade para 40 internos já beira 90.  O que gera toda a sorte de atritos, problemas, tumultos. Em um espaço projetado para dois adolescentes dormirem, dormem quatro, cinco, seis. Haja monitoria, e haja olhos para evitar que adolescentes com toda a testosterona, reclusos e amontoados, continuem em abstinência sexual nesta situação de promiscuidade.


 


O corte de custeios e a redução de despesas imposto pelo governo estadual produziram  ainda outras situações: Materiais necessários ao dia-a-dia dos internos, como escovas e creme dental, sabonete, meias, cuecas, roupas e até mesmo papel higiênico são solicitados aos familiares. Que muitas vezes não possuem recursos para fornecer. Com grande parte dos autores de ato infracional vinculados ao uso e/ou tráfico de drogas, fácil imaginar quem fornece aos familiares os valores necessários para a manutenção destes adolescentes enquanto reclusos. O que fortalece ainda mais os vínculos do infrator com o tráfico e mais difícil torna sua recuperação quando de volta à rua.


 


Mas não só nas unidades falta material: Recentemente, nas unidades administrativas, não havia tinta para imprimir relatórios. Resolvido o problema da tinta, outro problema: também não havia papel. Os computadores não são suficientes. A situação física da sede da FASE é o retrato da instituição: paredes descascadas, móveis carcomidos, funcionários desvalorizados.


 


Há quatro anos sem reajustes, trabalhando neste quadro caótico, sem valorização, em jornadas que as vezes chegam a sessenta horas ininterruptas de trabalho, em casas superlotadas, fica fácil comparar qualquer casa da FASE a uma panela de pressão prestes a explodir. A dedicação dos trabalhadores, que apesar de todas as adversidades mantiveram e ainda mantém as casas funcionando, até agora funcionou como tampa e válvula. Mas neste momento, até mesmo esta dedicação, não valorizada, pode ser necessária para romper a intolerância do governo com os trabalhadores e com a clientela duplamente penalizada: pela exclusão que os levou até o ato infracional, e pelo descaso do governo com adolescentes e trabalhadores.


 


 


Regina Abrahão – Diretora SEMAPI RS