Patativa do Assaré: Mãe preta 

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O coração do inocente,


É como a terra estrumada,


Qui a gente pranta a simente


E a mesma nace corada,


Lutrida e munto viçosa.


Na nossa infança ditosa,


Quando o amô e a simpatia


Toma conta da criança,


Esta sodosa lembrança


Vai batê na cova fria.


 


Quem pela infança passou,


O meu dito considera,


Eu quero, com grande amô,


Dizê Mãe Preta quem era.


– Mãe Preta dava a impressão


Da noite de iscuridão,


com seus mistero profundo,


Iscondendo seus praneta;


Foi ela a preta mais preta


Das preta qui eu vi no mundo.


 


Mas porém, sua arma pura,


Era branca como a orora,


E tinha a doce ternura


Da Virge Nossa Senhora.


Quando amanhecia o dia,


Pra minha rede ela ia


Dizendo palavra bela;


Pra cuzinha me levava


E um cafezim eu tomava


Sentado no colo dela.


 


Quando as minha brincadêra


Causava contrariedade


A minha mãe verdadêra


Com a sua otoridade,


As vez brigava comigo


E num gesto de castigo,


Botava os óio pra mim,


Mas porém, não me batia,


Somente pruque sabia


Qui mãe preta achava ruim.


 


Por isso eu não tinha medo,


Sempre contente vivia


Mexendo nos meus brinquedo


E fazendo istripolia.


Dentro de nossa morada,


Pra mim não fartava nada,


O meu mundo era Mãe Preta;


Foi ela quem me ensinou


Muntas cantiga de amô,


E brincá de carrapeta.


 


Se as vez eu brincando tava


De barbuleta a pegá,


E impaciente ficava


Inraivicido a chorá,


Ela com munta alegria,


Um certo jeito fazia,


Com carinho e com amô,


Apanhava as barbuleta;


Foi ela uma santa preta,


Que o mundo de Deus criou.


 


Se chegava a noite iscura


Com seus negrume sem fim,


Ela com toda ternura,


Chegava perto de mim


Uma coisa cochichava


E depois qui me bejava,


Me levava pra dromida


Sobre os seus braços lustroso.


Aquilo sim, era gozo,


Aquilo sim, era vida.


 


E despois de me deitá


Na minha pequena rede,


Balançava devagá


Pra não batê na parede,


Contando estes lindos verso


Qui neste grande universo


Ôtros mais belo não vi,


E enquanto ela balançava


E estes versinho cantava,


Eu percurava dromi.


 


Dorme, dorme, meu menino,


Já chegou a escuridão,


A treva da noite escura


Está cheia de papão.


 


No teu sono terás beijos


Da rosa e do bugari


E os espíritos benfazejos


Te defendem do saci.


 


Dorme, dorme, meu menino,


Já chegou a escuridão


A treva da noite escura


Está cheia de papão.


 


Dorme teu sono inocente


Com Jesus e com Maria,


Até chegar novamente


O clarão do novo dia.


 


Iscutando com respeito


Estes verso pequenino,


Eu sintia no meu peito


Tudo quanto era divino;


Nem tuada sertaneja,


Nem os bendito da igreja,


Nem os toque de retreta,


In mim ficaro gravado,


Como estes versos cantado


Por minha boa Mãe Preta.


 


Mas porém, eu bem menino,


Qui nem sabia pecá,


Os ispinho do destino


Começaro a me furá.


Mãe Preta qui era contente,


tava um dia deferente.


Preguntei o que ela tinha


E assim que ela oiô pra eu


Dois pingo d'água desceu


Dos óio da coitadinha.


 


Daquele dia pra cá,


Minha amorosa Mãe Preta,


Não pôde mais me ajudá


Nas pega de barbuleta,


Sem prazê, sem alegria


Dentro de um quarto vivia,


O dia e a noite intêra,


Sem achá consolação,


Inriba de seu croxão


De foia de bananera.


 


Quando ela pra mim oiava,


Como quem sente um desgosto,


A minha mão apertava


E o pranto banhava o rosto.


Divido este sofrimento,


Naquele seu aposento,


No quarto onde ela viva,


Me improibiro de entrá,


Promode não magoá


As dô que a pobe sintia.


 


Eu mesmo dizê não sei


Qual foi a surpresa minha,


Quando um dia eu acordei,


Bem cedo domenhãzinha


Entrei na sala e dei fé


Qui um magote de muié


Tava rezando oração;


E vi Mãe Preta vestida


Numa ropona comprida,


Arva, da cô de argodão.


 


Sinti no peito um cansaço,


Depois uns home chegaro


Levantaro ela nos braço


E numa rede botaro.


A rede tava amarrada


Numa peça perparada


De madêra bem polida,


E naquela mesma hora,


Levaro de estrada afora


Minha Mãe Preta querida.


 


Mamãe com todo carinho,


Chorando um bêjo me deu


E me disse – meu fiinho,


Sua Mãe Preta morreu!


E ôtras coisa me dizendo,


Sinti meu corpo tremendo,


Me jurguei um pobre réu,


Sem consolo e sem prazê,


Com vontade de morrê,


Pra vê Mãe Preta no céu.


 


O coração do inocente,


É como terra estrumada


Que a gente pranta a semente,


E a mesma nasce corada


Lutrida e munto viçosa;


Na nossa infança ditosa,


Quando o amô e a simpatia


Toma conta da criança,


Esta sodosa lembrança


Vai batê na cova fria.