Julgamento de Fujimori expõe feridas abertas no Peru

As feridas da guerra civil que sacudiu o Peru entre 1980 e 2000 não se fecharam por completo entre os seguidores do ex-presidente Alberto Fujimori, que invadiram com violência a celebração do quinto aniversário da apresentação do Relatório Final da Comiss

Na celebração convocada pela coordenadoria peruana de Direitos Humanos em uma praça de Lima onde se encontra o “Olho que Chora” – monumento realizado pela escultura holandesa Lika Mutal – o objetivo era prestar uma homenagem às vítimas da violência com a apresentação de grupos de teatro, como o Yuyachkani, e com o semeio de flores coloridas.



Durante o discurso do ex-presidente da CRV, Salomón Lerner, os partidários de Fujimori, vestindo camisetas com o rosto do presidente, rodearam o parque e entraram no jardim onde foram semeadas as plantas com os nomes das vítimas, portando cartazes que diziam “quanto cobraram, vendidos” e que o ex-mandatário “salvou o país”, além de “viva as forças armadas”.



A violenta invasão causou uma briga com os policiais e os espectadores que assistiam a homenagem. Isso demonstrou que o julgamento de Fujimori mantém acesas as rixas entre os peruanos e a divisão entre os que apóiam ou não o relatório final da CVR, no qual o ex-presidente é apontado como responsável por violações dos direitos humanos durante o combate ao terrorismo.



O presidente da Coordenação Peruana de Direitos Humanos, Ronald Gamarra, disse que “os manifestantes demonstram que estão órfãos de argumentos no julgamento de Fujimori e vêm demonstrar sua contrariedade, da única maneira que conhecem, a violenta”.



“Com este ato não está se agredindo apenas algumas vítimas, se está agredindo a todas. A única maneira de responder essas agressões é com a verdade”, acrescentou.



Em 28 de agosto de 2003, a Comissão da Verdade e da Reconciliação apresentou seu relatório final, no qual revelou que o número de vítimas da guerra civil entre 1980 e 2000 totalizou cerca de 70 mil pessoas, que o grupo terrorista Sendero Luminoso foi o culpado pelo maior número de vítimas e que três de cada quatro pessoas mortas eram pobres, tinham como língua materna um idioma diferente do espanhol e viviam em zonas distantes das cidades.



Além disso, a CVR determinou que, durante a guerra civil iniciada pelo Sendero Luminoso e pelo Movimento Revolucionário Tupac Amaru, o ex-presidente Alberto Fujimori foi responsável por violações aos direitos humanos, ao contrário dos ex-presidentes Fernando Belaúnde (1980-1985) e Alan García (1985-1990).



Por sua vez, a Defensora do Povo, Beatriz Merino declarou: “Após a guerra, devemos deixar de lado os confrontos, e devemos nos encaminhar a um cenário novo que é o da reconciliação, onde prima a tolerância e o respeito; a opinião do outro deve ser respeitada, e não se pode ferir a memória das vítimas assim”.



“O relatório final trouxe à memória feitos dolorosos mas também traçou uma reta. É um testemunho de dor, coragem e esperança que não devemos esquecer”, acrescenta.



Fujimori está sendo processado por ser o suposto autor direto do seqüestro de opositores depois do chamado “autogolpe” de 1992 e da criação do grupo Colina, que se formou dentro do Exército para eliminar extrajudicialmente supostos membros do Sendero Luminoso. O grupo cometeu o assassinato de 25 pessoas, “entre eles um menino de oito anos”, em Barrios Altos e na Universidade de La Cantuta, em Lima, capital peruana.



No julgamento de Fujimori desfilaram todos os ex-homens de confiança de seu governo, assim como os membros do chamado “esquadrão da morte”, conhecido como grupo Colina, em homenagem a um militar assassinado por membros do Sendero Luminoso, assim como os familiares das vítimas e peritos judiciais.



Entre os testemunhos que constituem a pedra angular contra o ex-governante (conhecido entre seus seguidores como “el chino”) se encontram os vídeos realizados pelo jornalista Umberto Jara; o major aposentado Santiago Martín Rivas (chefe do esquadrão da morte e que afirma que as ordens para realizar os assassinatos extra-judiciais provinham de Fujimori); o ex-assessor presidencial Vladmiro Montesinos; e o Chefe do estado-maior do exército, general Nicolás Hermoza Ríos.



De acordo com fontes vinculadas ao tribunal que está julgando Fujimori, o julgamento do ex-presidente acabará no final de novembro e sua sentença, seja de culpado ou não, sairá antes do final do ano.



Este processo foi qualificado como histórico pelos ativistas de direitos humanos na América Latina, já que constituiria a primeira vez em que um ex-presidente é julgado por delitos de lesa-humanidade, e a base de toda a ação é o relatório final da CVR.



Fonte: Terra Magazine