Senador do MAS relata a tentativa de golpe na Bolívia

''Qual é o problema com o governo da Bolívia?'', perguntaram à senhora Condoleezza Rice, que respondeu: ''o governo da Bolívia''. Certa ou não, a piada reflete claramente a postura de Washington em relação ao processo de mudança levado adiante pelo pov

Se seguimos os passos do embaixador Goldberg, encontramos um plano estruturado desde antes de Evo Morales assumir o poder, com a finalidade de desgastá-lo e derrotá-lo. Dois anos e meio depois, entrou-se em um fase mais conflitiva e violenta, buscando que o governo responda ou se renda ante a investida armada.



O desprestígio



A direita tinha esperanças de que as figuras pouco atrativas e nada populares de seus candidatos às eleições presidenciais, em dezembro de 2005, juntariam mais votos do que Evo Morales. Não previram que o povo voltaria todo seu apoio ao indígena, que representava as expectativas dos setores à margem da sociedade.



Vencidos e sem a possibilidade de sequer apresentar uma oposição coerente, os grupos afastados do poder se renderam ante o resultado. Durante alguns meses, aceitaram-no, ainda que aos poços, que iniciava um processo diferente na Bolívia. Confiavam – isso sim! – na possibilidade de a embaixada dos Estados Unidos lhes dar um plano de ação.



Os diplomatas do Departamento de Estado trabalharam arduamente para criar uma má imagem internacional. A senhora Rice e seus subordinados insistiram no fato de que Evo Morales havia passado a fazer parte do ''eixo do mal'', junto a Fidel Castro e Hugo Chávez. Lamentavelmente para eles, Cuba e Venezuela eram notadas, na Bolívia, como impulsoras dos programas de saúde gratuita e alfabetização, além de outros programas de avanço em eletricidade, exploração petroleira e outros mais.



Contra suas previsões, a percepção internacional do governo de Evo Morales adquiriu maior peso e consideração. Aquela primeira fase havia fracassado, mas isso estava dentro de suas previsões. Era necessário passar à segunda fase.



O desgaste



A promulgação do decreto que nacionalizou os hidrocarbonetos foi o ponto de partida para essa segunda etapa. Deveria se dar em dois sentidos: a criação de uma oposição ativa e o desgaste interno do governo. Para esse momento, estava em marcha a convocação da Assembléia Constituinte e o referendo autonômico.



No mês de dezembro anterior, Evo Morales havia obtido cerca de 54% dos votos. No entanto, seu candidatos a governador – que simultaneamente se elegeram pela primeira vez – perderam em seis dos nove departamentos. Os mentores do golpe concluíram que deveriam trabalhar sobre essas debilidades e atacar decididamente as fortalezas que fortalezas que o governo apresentava.



As empresas petrolíferas, que resistiam à aplicação da nova lei, atuaram como ponta de lança. Ao mesmo tempo, os governadores começaram a trabalhar na conformação de um corpo colegiado com os comitês cívicos criados há muitos anos para defender os interesses das empresas. A embaixada não tinha muito a perder: se os pouco confiáveis governadores não colaborassem, reforçariam a ação das petroleiras. A política de desgaste, que era o objetivo dessa fase, ia se dar de um forma ou outra. Surpreendentemente, os atores nativos se mostraram aplicados alunos. Em meados de 2006, já entraram em combate. As petroleiras foram reservadas para agir de modo silencioso, mas altamente efetivo.



Na Assembléia Constituinte, era lógico supor que a oposição iria centrar seus ataques contra seus avanços, posto que uma nova Carta Magna ia retirar privilégios das classes dominantes. O assalto aos locais onde ela acontecia, perseguições e o uso freqüente de ações violentas, como a ocorrida em Sucre, anunciavam uma terceira fase em curso.



Nessa altura, os patrocinadores do planos já agiam claramente. É nesse momento que a oposição lançou decididamente os referendos para aprovar os estatutos que, envoltos em outro discurso, apontavam sempre para o desmembramento do país. O primeiro, ocorrido em Santa Cruz, deu resultados que serviu para lhes entusiasmar. Acreditaram que havia chegado o momento de mostrar a impopularidade do presidente e aprovaram o referendo revogatório.



O resultado foi incontestável. Mais de 67% da população disse sim a Evo Morales. Os conspiradores decidiram então passar à fase violenta.



Golpes, invasões e incêndios



Assim estamos. Bloqueios em pontos estratégicos, bandos de delinqüentes assaltando escritórios públicos, violência contra pessoas de tez morena. Durante várias semanas estiveram ensaiando todas essas ações.



Em 9 de setembro, se lançaram com tudo em Santa Cruz. Sob o comando de Marincovic, vindo poucas horas antes dos Estados Unidos, com o mais agressivo discurso, os membros da União Cívica Cruzenha tomaram conta da cidade. No dia seguinte, marchavam pelas ruas proferindo ameaças, cuidando para que não aparecesse ninguém com rosto indígena, preparando atos de posse de novos funcionários em substituição aos titulares designados pelo governo.



Este é o esquema do golpe contra a democracia, contra a integridade nacional, contra o programa de mudanças que o povo ratificou. O povo deve defender seu direito a traçar seu futuro. Do contrário, aqueles que tomarem conta do país voltaram a impor suas humilhantes imposições ao povo.



* Senador boliviano pelo MAS, em La Paz. Artigo enviado pelo autor ao Vermelho



Tradução: Fernando Damasceno