Entidade de cegos e crítica atacam 'Ensaio sobre a Cegueira'

Ensaio sobre a Cegueira, do brasileiro Fernando Meirelles, estreou nesta sexta-feira (3) nos Estados Unidos com expressivas 1.700 cópias — mas diante de uma recepção de morna para negativa por parte da imprensa especializada americana. Publicaçõe

O New York Times ataca o trabalho do diretor e de seu elenco, mas afirma que o longa tem também pontos positivos. “Não é um grande filme, principalmente porque não consegue transcender a fragilidade de sua fonte. Mas é, apesar disso, pleno de exemplos de como seria um bom filme.”


 


Já a Variety foi mais cruel. “O drama astuto de Meirelles raramente atinge a força visceral, a tragédia profunda e a ressonância humana da prosa de Saramago.” O Hollywood Reporter, por sua vez, divulgou: “O filme é provocativo, mas também previsível. Ele choca, mas não surpreende”.


 


No site Metacritics.com — que reúne os textos divulgados pela imprensa e faz um balanço das avaliações dos críticos —, Ensaio sobre a Cegueira está com cotação 47 (de 100), baseada em 22 resenhas. O filme foi exibido na noite de abertura do Festival de Cannes neste ano, também com recepção morna da crítica.


 


Em entrevista na época, Meirelles afirmou que sua obra faz paralelos com desastres como o Furacão Katrina, a escassez global de alimentos e o ciclone em Mianmar. “Há diferentes tipos de cegueira. Há 2 bilhões de pessoas que estão passando fome no mundo”, disse Meirelles. “Isso está acontecendo. Não precisa de uma catástrofe. Está acontecendo e por não haver um evento como o Katrina, nós não enxergamos.”


 


O filme é baseado no romance homônimo do prêmio Nobel José Saramago. Lançado em 1995, o livro foi elogiado por seu uso da cegueira como uma metáfora para a falta de comunicação e respeito à dignidade humana na sociedade contemporânea.


 


Ensaio sobre a Cegueira imagina uma epidemia misteriosa que faz com que as pessoas não vejam nada além de uma luz branca embaçada. O incidente resulta em um colapso da ordem social em uma cidade sem nome, mudando a vida da população. Diante de muitas necessidades, as pessoas se põem em verdadeiras batalhas para sobreviver.


 


Julianne Moore estrela o filme como a mulher do oculista (Mark Ruffalo), que também perde a visão. A personagem de Julianne — única a continuar enxergando — finge estar cega para ficar ao lado do marido e eventualmente lidera uma revolta entre os pacientes em quarentena.


 


Protestos


 


A crítica não foi a única adversidade de Ensaio sobre a Cegueira nos Estados Unidos. Uma das principais associações de cegos do país protestou contra filme de Meirelles, que mostra pessoas cegas postas em quarentena em um asilo, atacando-se umas às outras, trocando sexo por comida. Para Marc Maurer — que é cego —, tal cenário não é uma alegoria sensata para retratar o colapso da sociedade.


 


De acordo com Maurer, esse é um retrato ofensivo e assustador, que pode minar os esforços de integrar os cegos à vida em comunidade.  “O filme retrata cegos como monstros, e vejo isso como uma mentira”, disse Maurer, presidente da Federação Nacional de Cegos, sediada em Baltimore, nos Estados Unidos. “A cegueira não transforma pessoas decentes em monstros.”


 


A organização promoveu manifestações contra o filme nesta sexta-feira (3). Cegos e simpatizantes distribuíram panfletos e carregaram cartazes. Entre os slogans: “Eu não sou ator. Mas eu ajo como uma pessoa cega na vida real”.


 


O protesto incluiu piquetes nas salas de cinema em pelo menos 21 estados, alguns com dúzias de participantes, sincronizados para coincidir com as sessões noturnas. Maurer afirmou que se trata do maior protesto nos 68 anos de história da associação, que tem 50 mil afiliados no país.


 


De acordo com a entidade, o filme reforça estereótipos incorretos, incluindo o de que cegos não podem tomar conta de si próprios e ficam para sempre desorientados.  “Nós enfrentamos uma taxa de 70% de desemprego e outros problemas sociais porque as pessoas não acham que a gente possa fazer nada. E esse filme não ajuda em nada”, afirma Christopher Danielsen, porta-voz da organização.


 


Em resposta, a Miramax afirmou em uma declaração que Meirelles “trabalhou com dedicação para preservar as intenções e a ressonância do aclamado livro”, descrito como “uma parábola corajosa sobre o triunfo do espírito humano quando a civilização entra em ruínas”.


 


Fernando Meirelles também se defendeu. “Creio que há um exagero por parte dos manifestantes que protestam apenas baseados no trailer e no livro”, afirmou o diretor. “Os personagens do filme não são cegos, são pessoas que ficaram cegas de um momento para outro, sem nenhum tempo para adaptação.”


 


Segundo o diretor, “o filme é sobre a natureza humana —e não sobre a cegueira. O único personagem que era cego de nascença (interpretado por Danny Glover) é quem está mais tranqüilo na situação, justamente por sua capacidade de adaptação”.


 


O diretor completa: “Evidentemente, sei que os cegos podem ter uma vida normal completamente integrados à sociedade. São inúmeros os exemplos de geniais artistas, pensadores , juristas ou cientistas cegos”.