Tudo o que você quer saber sobre a crise e teme não entender (2)

A globalização não resolveu, mas agravou a crise do capitalismo porque, ao aumentar a capacidade produtiva (com a incorporação da China ao mercado mundial), ela aprofundou a crise de superprodução.

Em que medida a globalização foi uma resposta para a crise?



A segunda via de escapa global ensaiada pelo capital para enfrentar a estagflação foi a ''acumulação extensiva'' ou globalização, isto é, a rápida integração das zonas semicapitalistas, não-capitalistas e precapitalistas à economia global de mercado. Rosa Luxemburg, a celebrada economista e revolucionária alemã, observou este mecanismo há muito tempo, vendo-o como um mecanismo necessário para restaurar a taxa de lucro nas economias metropolitanas. Como? Ganhando acesso ao trabalho barato; ganhando mercados, mesmo que limitados, novos; ganhando novas fontes de produtos agrícolas e de matérias primas baratas; e criando novas áreas para investimento em infra-estrutura. A integração se produz através da liberalização do comércio, removendo os obstáculos para a mobilidade do capital e abolindo as fronteiras para o investimento estrangeiro.



A China, não é preciso dizer, é o caso mais destacado de uma área não capitalista integrada na economia capitalista global nos últimos 25 anos.



Para neutralizar seus lucros declinantes, um considerável número de corporações empresariais situadas entre as primeiras 500 do ranking da revista Fortune mudou parte significativa de suas operações para a China, para aproveitar as vantagens do chamado ''preço chinês'' ( as vantagens derivadas do custo barato do trabalho chinês parecem inesgotáveis). A meados da primeira década do século 21, entre 40 e 50 por cento dos lucros das corporações estadunidenses vinham de suas operações e vendas no exterior, e principalmente, na China.



Por que a globalização não pode superar a crise?



O problema desta via de saída para a estagnação é que ela exacerba o problema da superprodução, porque acrescenta capacidade produtiva. A China dos últimos 25 anos acrescentou um tremendo volume de capacidade manufatureira, o que teve o efeito de deprimir os preços e os lucros. Não por acaso, os lucros das corporações estadunidenses deixaram de crescer desde 1997. De acordo com um índice estatístico, as taxas de lucro das 500 maiores, da Fortune, passou de 7,15% em 1960-69 para 5,30% em 1980-90, para 2,29% em 1990-99 e para 1,32% em 2000-2002. Dados as limitados ganhos obtidos, que fossem capazes de conter o impacto depressivo da superprodução, seja pela reestruturação neoliberal, ou pela globalização, a terceira via de saída tornou-se vital para manter e elevar a rentabilidade. Esta terceira via é a financeirização. No mundo ideal da teoria econômica neoclássica, o sistema financeiro é o mecanismo graças ao qual os poupadores, ou quem se ache na posse de fundos excedentes, se juntam aos empresários que precisam de seus fundos para investir na produção. No mundo real do capitalismo tardio, com o investimento na indústria e na agricultura alcançando magros lucros por causa da superprodução, grandes quantidades de fundos excedentes circulam e são investidos e reinvestidos no setor financeiro. Isto é, o sistema financeiro gira sobre si mesmo.



O resultado é que se alarga o hiato aberto entre uma economia financeira hiperativa e uma economia real em estagnação. Como bem observou um executivo financeiro: ''tem havido uma crescente desconexão entre a economia real e a economia financeira nestes últimos anos. A economia real cresceu, mas nada comparável à economia financeira… até que estourou''. O que este observador não disse é que a desconexão entre a economia real e a economia financeira não é acidental: que a economia financeira disparou precisamente para fazer frente à estagnação originada da superprodução da economia real.



Quais foram os problemas da financeirização como via de saída para a estagnação?



O problema de investir em operações do setor financeiro é que equivale a exprimir valor a partir de valor já criado.  Pode trazer ganhos, é certo, mas não cria valor novo – só a indústria, a agricultura, o comércio e os serviços criam valor novo. Uma vez que os lucros não se baseiam na criação de valor novo, ou agregado, as operações de investimento acabam sendo extremamente voláteis, e os preços das ações, as obrigações e outras formas de investimento podem chegar a divergir radicalmente de seu valor real. Por exemplo: as ações de empresas emergentes da Internet, que se mantiveram em alta por algum tempo, sustentadas principalmente por valorizações financeiras em espiral, para logo cair. Os lucros dependem, então, do aproveitamento das vantagens oferecidas pelos movimentos de preços que jogam para cima o valor das mercadorias, para vender oportunamente antes que a realidade force a ''correção'' para baixo, para ajustar aos valores reais. Esta alta radical dos preços de um ativo, muito além dos valores reais, é o que se chama de bolha.



Porque a financeirização é tão volátil?



Com a rentabilidade dependendo de golpes especulativos, não é surpreendente que o setor financeiro vá de bolha em bolha, ou de uma mania especulativa para outra.



Assim, sustentado por uma mania especulativa, o capitalismo induzido financeiramente não deixou de registrar crises financeiras desde que os mercados de capitais foram desregulados e liberalizados nos anos 80. Antes da atual queda Wall Street, as crises mais explosivas foram a mexicana de 1994-95, a crise financeira asiática de 1997-1998, a crise financeira russa de 1996, o colapso do mercado de valores de Wall Street em 2001 e colapso financeiro argentino de 2002. O antigo secretário do Tesouro de Bill Clinton, um homem de Wall Street – Robert Rubin —, predisse há cinco anos que ''as crises financeiras futuras serão, quase com toda certeza, inevitáveis, e poderão chegar a ser piores''.



Como se forma, crescem e estouram as bolhas?



Vamos tomar como exemplo a crise financeira asiática de 1997-1998: 



  • Primeiro: balança de pagamentos e liberalização financeira impostos pelo FMI e pelo Departamento do Tesouro dos EUA.
  • Depois, entrada de fundos estrangeiros em busca de rentabilidade rápida e elevada, o que significa que entraram no mercado imobiliário e nas bolsas de valores.
  • Superinvestimento, o que levou à queda dos preços no mercado de valores e no mercado imobiliário, o que, por sua vez, conduziu ao pânico e à conseqüente retirada dos fundos: em 1997, em poucas semanas, 100 bilhões de dólares abandonaram as economias do leste asiático.
  • Resgate dos especuladores estrangeiros por parte do FMI.
  • Colapso da economia real: a recessão se estende por todo o Leste asiático em 1998.
  • Apesar da desestabilização em grande escala, todas as tentativas feitas para impor regulações nacionais ou globais do sistema financeiro foram rejeitadas com razões puramente ideológicas.


Voltemos à presente bolha. Como se formou?



O atual colapso de Wall Street está enraizado na bolha tecnológica do final dos anos 90, quando o preço das ações das empresas emergentes no mundo da Internet disparou, para cair logo em seguida, levando à perda de ativos no valor de 7 trilhões de dólares e à recessão de 2001-2002. As frouxas políticas monetárias da Reserva Federal sob Alan Greenspan estimularam a bolha tecnológica, e quando esta entrou em colapso levando à recessão, Greenspan, para evitar uma recessão duradoura, em junho de 2003 baixou as taxas de juros para um nível sem precedentes em 45 anos (a 1%), mantendo este nível durante mais de um ano. E, com isso, o que conseguiu foi estimular a formação de outra bolha, a bolha imobiliária. Já em 2002, economistas como Dean Baker, do Center for Economic Policy Research, alertaram sobre a formação de uma bolha imobiliária. Mais tarde, em 2005, o então presidente do Conselho Econômico de assessores da Presidência dos EUA, e atual presidente da Reserva Federal, Bern Bernanke, atribuía o aumento dos preços das residências, nos EUA, a ''uns fundamentos econômicos robustos'', e não à atividade especulativa. A quem pode surpreender que o estouro da crise dos subprime no verão tenha pego este homenzinho com a guarda totalmente baixa? (Continua)