Tudo o que você quer saber sobre a crise e teme não entender (3)
A crise hipotecária não foi resultado de uma oferta maior do que a procura real. Na verdade, a ''procura'' resultou da mania especulativa de corretores e financistas em busca grandes ganhos a partir de seu acesso ao dinheiro estrangeiro que inundou os EUA
Publicado 11/10/2008 14:46
E como ela cresceu?
Ouçamos da boca de um dos próprios jogadores chave nos mercados, de George Soros: ''As instituições hipotecárias incentivaram aos hipotecados refinanciarem suas hipotecas aproveitando a revalorização de suas casas. Rebaixaram seus critérios de empréstimos e introduziram novos produtos, como hipotecas com juros variáveis, como hipotecas que 'só rendiam juros' e 'ofertas promocionais' com taxas de juros de causar risos. Tudo isso incentivou a especulação com as moradias. Os preços das casas começaram a subir ao ritmo de dois dígitos. Isto serviu para retroalimentar a especulação, e a alta dos preços imobiliários fez com que os proprietários das casas se sentissem ricos; o resultado foi o boom consumista que sustentou a economia nestes últimos anos.''
Observando as coisas mais de perto, pode-se ver que a crise hipotecária não foi resultado de uma oferta maior do que a procura real. A ''procura'' estava, há muito, fabricada pela mania especulativa de corretores e financistas empenhados em conseguir grandes ganhos a partir de seu acesso ao dinheiro estrangeiro que inundou os EUA na última década. Enormes volumes hipotecários foram agressivamente oferecidos e vendidos a milhões de pessoas que, em condições normais não teriam condições de contratá-los, e a taxas de juros ridiculamente baixas, mas posteriormente reajustáveis, para tirar mais dinheiro dos proprietários das casas.
Como foi possível que as hipotecas subprime degenerassem em um problema de tais dimensões?
Porque os ativos financeiros passaram então a serem ''securitizados'': aqueles que haviam gerado as hipotecas passaram a misturá-las com outros ativos em complexos produtos derivados chamados ''obrigações de dívida colateralizada'' (CDO, na sigla em inglês). Isso não foi difícil pois trabalhavam com diferentes tipos de intermediários que, conhecedores do risco, se desfaziam destes títulos o mais rapidamente possível, passando-os a outros bancos e investidores institucionais. Estas instituições, por sua vez, se desfaziam desses produtos passando-os a outros bancos e instituições financeiras estrangeiras.
Quando aumentaram as taxas de juro dos empréstimos subprime, das hipotecas variáveis e de outros empréstimos imobiliários, o jogo chegou ao fim. Há cerca de 6 milhões de hipotecas subprime, das quais 40% estarão inadimplentes nos próximos dois anos, segundo estimativa de Soros.
A elas deve-se juntar outras 5 milhões que estarão na mesma situação nos próximos 7 anos, derivados das taxas de juros hipotecários variáveis e de outros ''empréstimos flexíveis''. Mas os títulos, cujo valor se conta por trilhões de dólares, já se infiltrou como um vírus no sistema financeiro global. O gigantesco sistema circulatório do capitalismo global foi fatalmente infectado.
Mas, como os titãs de Wall Street puderam desabar como um castelo de cartas?
O que acontecem com Lehman Brothers, Merrill Lynch, Fannie Mae, Freddie Mac e Bear Stearns foi, simplesmente, que as perdas representadas por estes títulos tóxicos rebaixaram muito suas reservas, o que levou à sua queda. E cairão mais, provavelmente, quando seus livros de contabilidade, nos quais agora estes títulos estão registrados na coluna Haver, forem corrigidos para refletir o atual valor desses ativos. E muitos outros seguirão o mesmo caminho, na medida em que forem ficando expostas outras operações especulativas, como as centradas nos cartões de crédito e nas diferentes variedades de seguros contra riscos. A AIG caiu devido à sua gigantesca exposição na área não-regulada dos contratos de proteção creditícia derivada (credit default swaps), uns derivados financeiros que permitiam aos investidores apostar dinheiro na possibilidade das empresas não poderem pagar seus empréstimos. Tais apostas sobre inadimplência creditícia representam agora um mercado de 45 trilhões de dólares, um mercado, como disse, fora de qualquer regulação. A ciclópica dimensão dos ativos que poderiam ser prejudicados no caso do colapso da AIG foi o que moveu o governo de Washington a mudar de idéia e intervir para resgatá-lo, logo após ter deixado a Lehman Brothers quebrar.
O que vai acontecer agora?
Pode-se dizer que haverá mais bancarrotas e mais nacionalizações e intervenções públicas, com as instituições e os bancos estrangeiros desempenhando um papel auxiliar do governo dos EUA. Que o colapso de Wall Street continuará e vai prolongar a recessão estadunidense. E que essa recessão nos EUA vai contaminar a Ásia e o resto do mundo, que também sofrerá uma recessão, senão algo pior. A razão disto é que o principal mercado exterior da China são os EUA e que a China, por sua vez, importa matérias primas e bens intermediários – que usa em suas exportações para os EUA – do Japão, Coréia e do Sudeste asiático. A globalização tornou impossível o ''descolamento''. Os EUA, a China e o leste asiático andam agora como três prisioneiros presos a uma mesma corrente.
Em suma?
A queda de Wall Street se deve não só à ganância e à falta de regulação estatal de um setor hiperativo. O colapso de Wall Street tem suas raízes na crise de superprodução que foi a praga do capitalismo global desde meados da década de 1970. A financeirização do investimento foi uma das vias de escape para sair da estagnação, sendo as outras duas a reestruturação neoliberal e a globalização. Como a reestruturação neoliberal e a globalização significaram um alívio pequeno para a estagnação, a financeirização pareceu atraente como mecanismo de restauração da rentabilidade. Mas o que agora ficou demonstrado é que a financeirização é uma rota perigosa, que leva à formação de bolhas especulativas, capazes de oferecer uma efêmera prosperidade a uns quantos, mas que terminam no colapso empresarial e na recessão da economia real.
As questões chaves são: Quão profunda e duradoura será esta recessão? A economia dos EUA vai precisar gerar outra bolha especulativa para sair desta recessão? E se for este o caso, onde se formará esta bolha? Alguns dizem que a próxima bolha surgirá no complexo militar-industrial ou no ''capitalismo do desastre'' sobre o qual escreve Naomi Klein. Mas isto é farinha de outro saco.
(*) Walden Bello é professor de ciências políticas e sociais na Universidade das Filipinas (Manila); é membro do Transnational Institute de Amsterdam, presidente de Freedom from Debt Coalition, e analista senior no Focus on the Global South.
A versão espanhola foi publicada em http://www.sinpermiso.info/.
Traduzido do espanhol por José Carlos Ruy.