Artigo: Nem Hayek, nem Keynes; hoje mais Marx do que nunca

Vivemos tempos de incerteza. Os que analisam a extensão da crise do capitalismo são os movimentos alternativos, seus gestores e responsáveis. Os diagnósticos e projeções sobre a globalização neoliberal lançados há 20 anos pelos movimentos anti-globaliz

No entanto, resultado estranho que os economistas neoliberais fiquem perplexos e apontem pecados bíblicos como a avareza para explicar a crise. Sua falta de cultura parece se situar nas mesmas cotas da crise. De nada lhes serviu obter mestrados e doutorados em Chicago ou na Fundação Heritage. O recomendável teria sido dar-lhes para ler os contos de Charles Dickens e pôr sobre sua mesa os estudos históricos de Sombart relacionando o burguês com a propensão ao luxo e a origem do capitalismo. Mas a má memória dos atuais tecnocratas das finanças coincide com a derrota de sua doutrina do livre-mercado. Eles não gostam de reconhecer que o endividamento é parte da mentalidade plutocrática da evolução do capitalismo.



Não há banqueiro que não faça ostentação de sua riqueza em forma de iates, carros de luxo, organize viagens suntuosas, orgias, adquira roupas de marca, participe de prostituição de alto nível e se vanglorie de comprar e vender obras de arte. De outra maneira não seriam capitalistas. O roubo e a pirataria faz parte da origem do capitalismo e precede a globalização neoliberal. Basta andar pelas ruas de Florência ou de Veneza para saber do que falamos. Os Médici e os Sforza.



Palácios e riquezas em diferentes arquétipos mostram seu poder e o de suas repúblicas. Sorokin exemplificou com uma metáfora. O capitalismo não pode viver em uma sociedade de credo comunista, se deve ao luxo. O capitalismo não tem saída à margem de seus parâmetros de consumo e de organização econômica. Requer tragar, engolir, é violenta e necessita uma grau maior de força bruta para se sustentar. Mantém-se graças a eficiente ação das classes dominantes e das elites econômicas, verdadeiras controladoras do Estado e de seus aparatos de dominação política. Hipótese comprovada se vemos o itinerário que se pretendo seguir ao “doar” bilhões de dólares ou euros a quem provocou a maior crise social e econômica até agora conhecida devido a sua falta de escrúpulos para obter um “plus” e engordar suas contas correntes às custas do contribuinte. Não poderia ser de outra maneira.



Marx tinha razão. Quando os governos conservadores e neoliberais se prestam a rejuvenescer o sistema financeira por meio de um intervencionismo estatal, reforça-se o caráter de classe do Estado. Em momentos de necessidade emerge sua essência. Injetar bilhões e bilhões de dólares ou euros para evitar uma catástrofe financeira supõe orientar politicamente as decisões. Da mesma forma, leva-se a salvar os grandes empresários e as multinacionais. O horizonte é recuperar o sistema. Não se busca uma crítica sobre as causas que motivaram se chegar a tal ponto. Não se perguntam sobre as origens de uma ordem social fundada na exploração dos recursos naturais, na degradação do meio ambiente e em uma continuada e constante perda de direitos sociais, políticos e econômicas da maioria da população. Ou seja, não se trata de dar um giro de 180 graus.



A resposta à crise consiste em velar sua causa, a irracionalidade da exploração do homem pelo homem e do homem sobre a natureza. Em ocultar o benefício das empresas multinacionais, donas das tecnologias e patentes, primeiro, de deixar com fome continentes inteiros e, depois, de levar à morte milhares de crianças para aumentas rendimentos em condições de monopólio. Empresas patrocinadoras de guerras espúrias, de venda de armas, de trabalho infantil e de imigração ilegal. Fatores que colaboram para tornar mais baratos os custos de produção e aumentar seu controle sobre governantes corruptos e dóceis.



Não nos permitamos tais enganos. Insuflar dinheiros aos grandes bancos e sair em defesa de seus conselheiros é parte de uma estratégia pendular. Quando não resulta oportuno resgatar Hayek, resgata-se Keynes. Algumas vezes desde a oferta; outras desde a demanda. Em qualquer caso, o resultado é o mesmo. A relação capital-trabalho se assenta sobre a expropriação do excedente econômico produzido pelo trabalhador em condições de apropriação privada. Assim, quem paga essa conta são os de sempre. As classes exploradas e oprimidas do campo e da cidade. Salvar a ordem econômica, sem modificar sua estrutura e sua organização, leva a um aumento da desigualdade social.



Mas o discurso da coesão social recobre essa opção, sob o eufemismo de apoiar uma estratégia de aumentar prestações aos mais débeis. Assim, os impostos de todos irão aos bolsos de alguns poucos e servirão para pagar boas férias e combater o stress daqueles que tiveram uma ineficaz gestão.




Nenhum deles passará pela cadeia. Tampouco se verá submetido ao escárnio público nem se envergonhará. Seu relato será simples: foram poucos inescrupulosos os que causaram esse desastre. As águas devem voltar a seu leito. O capitalismo retomará se rumo e outra ver se poderá roubar a valer. Por esse caminho o planeta desaparecerá. Nem Hayek, nem Keynes. Hoje mais Marx do que nunca.



Tradução: Fernando Damasceno