Evo, a esquerda e a direita na Bolívia

Não é possível desintegrar o capitalismo sem desarticular as estruturas políticas que o sustentam. E estas não desaparecerão num passe de mágica. Por isso, a Nova Constituição de Oruro, que será aprovada por 85% dos bolivianos em 25 de janeiro de 2009,

Ao fim de 2009 contaremos com essa Assembléia na Bolívia. A partir dela, se poderá aprofundar legalmente as mudanças e reformas estruturais requeridas pelo processo de transformação nos próximos anos.



É um processo passo a passo, um por um, às vezes dois, porém firmes e seguros, consolidando o conseguido e buscando mais quando a situação exige.
Enquanto isso, nossa Revolução na Paz ganha mais e mais corações bolivianos, latino-americanos e mundiais. O processo deverá ser referendado por mais de 85% dos votos.



Desta forma, o processo liderado por Evo (Morales) e (seu vice, García) Linera terá saltado de 53% da votação em 2005 para 67% em 2008 e 85% em 2009. Ao chegar a este ponto, a consciência do povo alcançará uma massa crítica que tornará a revolução irrevogável, irrefreável e irreversível. Não dá no mesmo sustentar e aprofundar um processo com 53%, 67% ou 85% de apoio popular.



Esquerdas e esquerdas



O comandante Evo Morales come com vagar e digere lentamente, pois a afobação poderia causar indigestão e vômitos no futuro. Ou não é assim?



A pressa desmedida, o desespero de “tragar tudo de um só gole”, das “elites” afastadas das “massas”, a barafunda sangrenta, a subestimação das etnias indígenas em um processo de mudança, a morte de milhares de civis e as “guerras de baixa intensidade” fracassaram, mesmo após uma fenomenal mobilização de armamentos, propaganda e lindas utopias.



Para além da simpatia e do respeito que merecem alguns desses processos (FMLN, Sandinismo, UNRG, etc.), também eles ao final tiveram que recorrer à estratégia de “partidos políticos” para viabilizar seus ideais – por meio da “democracia burguesa” tão criticada por certos esquerdistas – que nem arriscaram o couro nessas etapas e nem produziram fatos sociais de transformação de suas sociedade.



Desprezar a via legalista escolhida, como continuidade de sua luta, pelos que antes tomaram de armas com sinceridade e idealismo seria desprezá-los e negá-los enquanto etapa de uma luta formidável e destacada. Quando os Estados Unidos travavam a “guerra de baixa intensidade” contra o Sandinismo usando os “contras” nicaraguenses, havia que se entender essas mães centro-americanas que preferiam continuar pobres a chorar um filho morto.



Uma revolução sábia deve sopesar todas estas coisas para manter a comunicação com seu povo e com o que ele se dispõe a dar pelo processo. Uma elite revolucionária, por mais esclarecida que seja, não pode seguir dez passos adiante de sua sociedade, pois ficará isolada diante de um poder feroz, que descarregará sua fúria sobre a elite e a sociedade, conjuntamente.



Os líderes de uma revolução com possibilidade de triunfar não podem perder seu povo de vista nem deixar de dar valor à vida de cada um de seus filhos. Devem caminhar um ou dois passos adiante, não mais.Alguns desses processos revolucionários sangrentos terminaram inclusive incentivando golpes de Estado militares, levando a milhares de mortos e desaparecidos nas mãos dos genocidas que assaltaram o poder.



O dilema da direita boliviana



A partir do momento em que Evo promulgou a Lei que convoca o referendo para aprovação da Nova Constituição de Oruro (reformada e viabilizada pelo Congresso), três caminhos políticos se apresentaram para a Bolívia:
► O governo, o MAS (Movimento Ao Socialismo, partido de Evo) e os movimentos sociais se dedicarão a socializar a Nova Constituição, para que ela seja aprovada com uns 85% dos votos em 25 de janeiro de 2009.
► Os parlamentares “cruzenhos”, os comitês “cívicos” e os quatro governadores oposicionistas do Oriente Boliviano se dedicarão (inutilmente) a fazer a contracampanha para que o povo rejeite a Constituição.
► Os parlamentares “pactistas” (que avalizaram a nova Carta Magna, retocada), liderados por Borth (Carlos Borth, presidente do Senado), não farão campanha nem a favor nem contra; não perderão tempo com isso porque sabem que o povo votará a favor do acordo constitucional façam eles o que fizerem.



O que fará o borthismo – a direita astuta que pactuou com Evo – é aproveitar o momento ruim para os governadores Suarez, Costas, Cuellar e Cossio, para desbancá-los das poltronas governamentais. Dirão: “Enquanto esses governadores ineptos perdem tempo rechaçando a Constituição, aproveitaremos para fazer campanha por nós, para ficarmos com os postos e representações legislativas deles”.


Neste momento, a máquina de picar carne dos parlamentares “pactistas” já está trabalhando. Eles se reúnem e negociam a partilha das candidaturas conservadoras no que resta da “meia-lua” e no resto da Bolívia, deixando de lado os governadores oposicionistas.



Por outro lado, há uma ruptura interna entre a governadora de Sucre, Sabina Cuellar,  e os outros três governadores anti-Evo. Os dois lados se usaram em dado momento, para depois se atraiçoarem por completo.



Borth já está trabalhando por sua candidatura a presidente de uma Aliança Conservadora em 2009 (Borth-Colanzi?) ou eventualmente a governador de Oruro. As-Tuto Quiroga (líder “cívico” de Santa Cruz) tampouco renuncia à primeira magistratura, e poderia entrar em uma fórmula Borth-Quiroga ou Quiroga-Borth.
Todo o ano de 2009 será marcado pelos movimentos internos dessa força de direita em formação e pela liquefação as formas mais violentas do “cruzenhismo”. Este será obscurecido pela direita “pactista”, que tenta oferecer uma mensagem “pacificadora”, “civilizada” e “séria” aos conservadores da “meia-lua”.



O dilema do MAS é mais simples, já que tem em Evo o seu firme candidato. A direita está “em cima do muro”, “desagregada”, “confundida” e “humilhada”. O comandante tem o comando e o caminho. E o caminho é o do povo.



* Argentino de Santa Fé; o texto, tomado de http://la-opinion-argentina.blogspot.com, é o 13º e mais recente (22 de outubro) da série O comandante tem o comando, que se concentra na Bolívia, com incursões por outros países latino-americanos; visite o endereço acima (em espanhol) para ver, em especial o 12º artigo – Evo e o bastão –, que faz o balanço e a defesa do acordo desta semana