Para especialista, marketing eleitoral não nega política

Em epóca de eleições pipocam críticas à comercialização de ideologias e à transformação de candidatos em produtos, prontos para atender as necessidades da clientela. Ou melhor, eleitorado. Culpa, dizem, do marketing eleitoral.


 


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Terra Magazine tenta entender esse fênomeno que transforma a corrida eleitoral num amontoado de slogans, “encenações” e frases de efeito. Para isso, conversa com o professor Jorge Almeida, do departamento de Ciência Política da UFBA (Universidade Federal da Bahia).



– (O marketing eleitoral) são técnicas que podem ser usadas com objetivos diferentes. Quer dizer, se o candidato quiser desideologizar uma campanha, ele faz. Se ele quiser dar mais conteúdo (ideológico), ele dá também – analisa Almeida.



Autor dos livros Marketing político: hegemonia e contra-hegemonia e Como vota o brasileiro, o professor discorre sobre as contradições e tensões envolvendo o uso de técnicas de marketing eleitoral, e rejeita a noção de que o instituto seja culpado pela despolitização observada nas campanhas eleitorais:



– O problema do candidato fazer demagogia, mentir ou manipular não é do marketing, é do candidato e do partido.



Confira a entrevista com o professor Jorge Almeida:


 


Em que medida o marketing político ajuda a estabelecer um candidato bem-sucedido? E qual o impacto no esvaziamento do discurso ideológico dos candidatos?
Jorge Almeida – O marketing político é um conjunto de técnicas que podem ser utilizadas no processo eleitoral. Eu diria que é um conjunto de técnicas que nenhum partido ou candidato que pretenda ganhar a eleição em grandes centros pode prescindir de usar. Em resumo, quais são essas técnicas: pesquisas, para identificar o cenário político existente, e não apenas as chamadas pesquisas de opinião. Um segundo elemento importante é o planejamento estratégico de um processo de campanha, em médio e longo prazo para poder definir o conjunto de tarefas que devem ser desenvolvidas, não só do ponto de vista da propaganda. O marketing não é só propaganda; a parte comunicacional é apenas um de seus elementos. O planejamento supõe organização de campanha, busca de recursos, alianças, definição do programa de alianças do candidato e às vezes até mesmo a própria definição de (quem será) o candidato. Depois você tem as ações de campanha propriamente ditas, de ordem política, incluindo aí a comunicação. Grande parte das pessoas acha que o marketing é só que é feito na televisão, sendo que aquilo é a síntese do discurso do candidato.



Essas técnicas acabam perpassando toda a campanha?
Exatamente. Nesse sentido, são técnicas que podem ser usadas com objetivos diferentes. Quer dizer, se o candidato quiser desideologizar uma campanha, ele faz. Se ele quiser dar mais conteúdo (ideológico), ele dá também. O problema do candidato fazer demagogia, mentir ou manipular não é do marketing, é do candidato e do partido.



Não existe uma contradição entre a utilização do marketing político na campanha e a transmissão de um discurso mais ideologizado, vamos dizer assim?
Não vejo nenhuma contradição. Aliás, a minha tese de doutorado é exatamente sobre isso. Ela mostra que o marketing político pode ser usado tanto no sentido de reproduzir idéias, conceitos e concepções práticas conservadores a respeito da sociedade como também trazer novas idéias, contestar o senso comum, trazer novas propostas e construir projetos transformadores.



Não há uma redução da mensagem política-ideológica quando ela é transmitida por meio dessas ferramentas?
Quem reduz isso não é o marketing, é o candidato. No segundo turno, os candidatos têm dez minutos (de tempo na televisão). Dá tempo de fazer um discurso ideológico, fazer o que quiser. Mas é evidente que o candidato que, no primeiro turno, tem um minuto de televisão terá mais dificuldade para fazer isso. Ele vai ter outros instrumentos também de campanha, mas na televisão… Não existe nada que possa dizer que é o marketing que obriga alguém a fazer um discurso sem conteúdo ideológico. O que obriga é o candidato e seu partido, sua coligação. Aqui em Salvador tem um candidato do PSOL (Hilton Coelho) que só teve 4% dos votos. Dizem que ele não fez marketing, mas na minha opinião fez. Não fez muito elaborado por falta de dinheiro, mas fez. Mas o jingle era fortemente ideológico, e foi o mais cantado na campanha todo, todo mundo cantou o jingle. Não foi pelo fato de o jingle ser anti-capitalista e falar de socialismo, mas foi o jingle mais cantado. Não é a ferramenta de marketing que impede isso. Isso é fundamentalmente político. A tendência é essa, porque os marqueteiros acham que só ganha a eleição quem não fizer discurso ideológico. Mas também não existe discurso que não seja ideológico. Por exemplo, a campanha da Marta Suplicy ter um comercial questionando o casamento de Kassab. Foi conservador e homofóbico, mas teve um discurso ideológico. Foi uma opção de marketing de disputar um eleitorado supostamente conservador. Quem fez esse discurso foi o mesmo marqueteiro da campanha de Lula em 2006…



João Santana…
Que no segundo turno dessa eleição resolveu entrar enfaticamente no combate às privatizações. O que é um discurso político e ideológico.



Conseguiu pautar o debate à época…
Na verdade, nunca se pautou, porque todas as pesquisas feitas no Brasil mostravam que o povo sempre foi contra as privatizações, por mais que toda a mídia tentasse defender as privatizações. Sabendo disso, ele (João Santana) resolveu enfatizar a questão das privatizações. Mas isso é discurso político e ideológico, utilizado como ferramenta de marketing. Apesar de Lula ter feito algumas privatizações, (o discurso) colava negativamente em Alckmin, porque o PSDB era muito mais privatizante, e isso deu resultado eleitoral. Agora ele deve ter pensado a mesma coisa sobre o Kassab, que iria render votos, mas foi um tiro no pé. O que eu quero dizer é que foram opções políticas.



O marketing nunca é desvinculado da ideologia e da política?
Não é. É impossível separar o marketing (da política e da ideologia). E despolitização também é uma opção política.



Há também a crítica de que os candidatos estão se tornando produtos e que há uma mercantilização do discurso político…
Isso também é difícil porque as pessoas não são sabonete, nem chocolate, que você vai e molda o produto. As pessoas têm suas vidas, passado, posicionamentos, relações… Muitas vezes também o candidato rejeita a imagem que se quer construir dele.



O senhor mencionou as pesquisas de marketing. Esse método não acaba igualando as propostas, já que parte do que as pessoas querem ouvir, e não do que os candidatos têm a oferecer?
Isso ocorre. Mas quem é que vai decidir o que vai fazer? Quem decide se vai adaptar o seu programa para se adaptar ao que supostamente é a vontade popular não é o marqueteiro, é o candidato em última instância. Porque as coisas importantes o marqueteiro não faz sem a aprovação do candidato. Esse risco existe, mas não está intrínseco nas pesquisas. Agora é claro que a pesquisa pode te ajudar a descobrir que tipo de argumento é melhor para defender mudar a opinião das pessoas, quais as palavras… Nessas coisas as pesquisas ajudam também, e não só para aceitar o que parece ser a vontade popular.



Parece haver uma tensão permanente entre a necessidade de atingir o maior número possível de eleitores e a necessidade de afirmar um programa político. Isso existe?
Existe, o marketing provoca essa tensão. Mas antes de existir o marketing, já existia a demagogia (risos). Não é à toa que as palavras democracia e demagogia surgiram juntas. Na Grécia antiga não existia pesquisa de opinião. Mas já existiam os chamados sofistas, que eram uma espécie de marqueteiro da época. Eles faziam o quê? Treinavam os líderes na arte da oratória e da retórica, bem como a manipular os discursos e conteúdos. Isso é um problema da política. Platão já criticava o fato de os políticos mudarem o discurso para adular o leitor. É a mesma coisa. Então, de fato, há uma tensão, mas ela não foi criada pelo marketing.



Fonte: Terra Magazine / Diego Salmen