'Mensalão': quem sabe, sabe. Não é Kassab?
A candidata à prefeitura de São Paulo Marta Suplicy (PT), logo após participar do debate da Rede Globo, na noite de sexta-feira (24), disse que desconsiderou as provocações feitas por Gilberto Kassab, que tentava associar sua imagem ao episódio do “men
Publicado 25/10/2008 14:00
“O mensalão começou em Minas Gerais com o pessoal do PSDB, partido que é parceiro dele. Não tive nada com o mensalão”, disse.
O assunto surgiu na campanha porque Kassab sabe que a mídia criou um clima para impedir um debate sério a respeito.
Seria perda de tempo — e possivelmente teria um efeito contrário — Marta explicar o que é de fato o “mensalão”.
A mídia fez da candidata refém também nesta questão.
O preço a pagar é o uso do tema por Kassab para mentir impunemente na campanha.
A questão principal é: qual é de fato a origem do dinheiro que irrigou o “mensalão”?
Esta questão é completamente ignorada pela mídia torpe.
Se a versão petista de que 55 milhões de reais vieram de empréstimos obtidos em instituições financeiras não vale, como diz a mídia torpe, é preciso pôr outra no lugar.
A tese do Ministério Público e da CPI dos Correios de que dinheiro dos cofres públicos alimentou o esquema precisa ser provada.
Além do suposto — repita-se, suposto — desvio de cerca de 10 milhões de reais das contas da Visanet, empresa da qual o Banco do Brasil detém 33% de participação, nada mais é explicado.
A mídia e o procurador-geral da República — um se confunde com o outro — poderiam dar uma olhada com mais vagar nas denúncias segundo as quais mais de 150 milhões de reais foram despejados pelas operadoras de telefonia Telemig Celular e Amazônia Celular, empresas administradas pelo banqueiro Daniel Dantas, nas agências SMP&B e DNA, de Marcos Valério.
O caso das duas empresas é semelhante ao da Visanet: não existem notas fiscais suficientes para atestar todos os gastos.
A Polícia Federal (PF) apreendeu uma série de notas fiscais frias em nome das duas operadoras.
Os federais conseguiram impedir que as notas fossem queimadas por determinação do publicitário.
Pode ser o fio da meada para identificar como seu deu o fluxo de dinheiro das companhias controladas por Dantas para as contas do publicitário mineiro.
A mídia e o procurador-geral poderiam também dar uma olhada no relatório do deputado Osmar Serraglio para ver por qual motivo ele sugeriu o indiciamento de Dantas nos instantes finais dos seus trabalhos — apesar da farta documentação sobre seu papel no esquema.
Uma fonte pode ser o disco rígido capturado pela PF no escritório do banqueiro.
Durante a CPI dos Correios, a então ministra Ellen Gracie — depois presidente do STF — proibiu o acesso dos parlamentares ao conteúdo da principal peça do computador de Dantas sob a alegação de que o requerimento do então deputado Jamil Murad (PCdoB-SP) precisava ser melhor fundamentado.
Suspeitava-se que ali estaria os detalhes de um fundo, sediado nas Ilhas Cayman, que aplicava dinheiro de doleiros acusados de operar no esquema de Dantas.
Vale rememorar o despacho da juíza:
“As transações das empresas de publicidade DNA e SMP&B não se deram com o Banco Opportunity, mas com algumas das controladas pelo chamado Grupo Opportunity (dirigido por Dantas). Todas essas empresas (Brasil Telecom, Telemig e Amazônia Celular) têm personalidade jurídica própria, inconfundível com a de sua entidade controladora, muito embora os nomes em suas diretorias se repitam com freqüência e sejam ligados por laços de parentesco ou afinidade ao primeiro impetrante (Dantas)”.
Outro caminho para investigar a origem do “mensalão” seria seguir os rastros deixados por Marcos Valério e o ex-tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri, quando eles estiveram em Lisboa no começo de 2005.
Segundo o detonador do “mensalão”, Roberto Jefferson, a viagem teve o objetivo de tentar arrancar dinheiro do presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa.
Por trás da operação estava o banco de Dantas, que pretendia vender a Telemig Celular para a Portugal Telecom.
Em depoimento à CPI, tanto Marcos Valério quanto o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, confessaram encontros com representantes do Opportunity.
O objetivo seria “aparar as arestas” do banqueiro com o governo.
O motivo real era o esquema de irrigação subterrânea de campanhas eleitorais arquitetado pelos tucanos.
Na Procuradoria-Geral da República, Delúbio Soares disse que foi apresentado ao publicitário por “amigos de Minas” — incluindo o então deputado federal Virgílio Guimarães (PT), atualmente aliado do governador tucano nas eleições para a prefeitura de Belo Horizonte.
Eles teriam lhe orientado a procurar Marcos Valério por causa da sua “experiência na captação de recursos para campanhas eleitorais, como fizera na de 1998, na eleição do então governador Eduardo Azeredo e do deputado Aécio Neves (ambos do PSDB)”.
A mídia poderia, a partir daí, ver como o esquema nasceu e propor o corte do mal pela raiz.
Documentos que chegaram à CPI dos Correios apontaram a transferência de pelo menos 1,9 milhão de reais da SMPB para campanhas de mais de 80 candidatos mineiros em 1998 — a maioria ligada ao então candidato tucano a governador, Eduardo Azeredo.
Aparece inclusive o nome do deputado Roberto Brant (DEM-MG), ex-ministro da Previdência de Fernando Henrique Cardoso (FHC), como beneficiário do esquema.
Diante dos fatos, o PSDB mineiro lançou nota denunciando a existência de uma “articulação nacional” (não deu detalhes sobre a conspiração) e criticou o “clima de denuncismo”.
Ao tomar conhecimento da profundidade do buraco, FHC se saiu com essa:
“Precisamos investigar tudo, mas sem perder o foco de que a crise é hoje. O que aconteceu no passado, no meu governo, é coisa da história.”
Bem, uma das características mais marcantes do ex-presidente neoliberal é a sua capacidade de dizer bobagens.
Há informações de que o esquema do PSDB existe desde o início dos anos 90 e tem outras ramificações.
Entre janeiro e maio de 2004, por exemplo, a agência do Banco Rural em Brasília fez pagamentos em espécie no total de 7,9 milhões de reais ao Instituto de Desenvolvimento, Assistência Técnica e Qualidade em Transporte, órgão vinculado à Confederação Nacional dos Transportes (CNT), presidida por Clésio Andrade — vice-governador de Aécio Neves.
O dinheiro seria usado em campanhas para prefeitos e vereadores mineiros.
Detalhe: Andrade foi sócio de Marcos Valério na SMPB e na DNA.
Não seria exagero também pedir à mídia que revisitasse a veiculação do chamado Dossiê Cayman e a suspeita de que alguns tucanos teriam uma conta milionária no exterior.
Poderia ainda vasculhar a “Lista de Furnas” — uma relação de 156 candidatos supostamente beneficiados pelo “caixa dois” de 40 milhões de reais da estatal.
Serio o caso de ir mais fundo e analisar os escândalos que proliferaram na “era FHC”, um se sobrepondo ao outro.
Compra de votos da reeleição, “caixa dois” da campanha presidencial, fitas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)…
Era como se a realidade desejasse impor uma máxima inversa à do corvo de Allan Poe: “Sempre mais”.
Poderia ainda verificar as acusações contra Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil e apontado como um dos arrecadadores de recursos para campanhas eleitorais do PSDB — que foi flagrado dizendo que atuava no “limite da irresponsabilidade” no processo de privatização do sistema Telebrás.
O grampo do BNDES talvez seja o exemplo mais evidente para se estabelecer a conexão de todos esses escândalos tucanos com o “mensalão”.
O caso, que trouxe ao nível da superfície o palavrório utilizado nos subterrâneos da privatização das telefônicas, pode explicar muita coisa.
Soube-se que “o maior negócio da República”, tramado por Luiz Carlos Mendonça de Barros — então do Ministério das Comunicações — e André Lara Resende — então da presidência do BNDES —, fora trançado numa atmosfera de alto risco (“no limite da irresponsabilidade”), em meio a um linguajar raso (“se der m…, estamos juntos”) e com pitadas de truculência (“temos de fazer os italianos na marra”).
Soube-se ainda que FHC, quando consultado sobre as “vantagens” da negociata destinada a favorecer o Opportunity, assentiu dizendo:
“Não tenha dúvida, não tenha dúvida.”
Parece não haver de fato dúvida de que na campanha presidencial de 2002 muito dinheiro passou por debaixo da mesa.
Nada comparável, porém, ao trânsito de envelopes das duas eleições que levaram FHC à Presidência da República.
Essa história mostra em cada capítulo porque o “mensalão” ainda não é entendido por muita gente.
E por isso é usado de forma canalha como tem feito Kassab e a mídia.