Câmeras politizadas: o cinema que leva reflexões ao público
“Entramos, de novo, numa era política. Durante muito tempo, se achou que a resposta para tudo estava no mercado. Agora se sabe que não. Se a política voltou à sociedade, é natural que surja com mais força no cinema.” O diagnóstico de Marco Bechis, dire
Publicado 27/10/2008 16:45
Bechis, nascido no Chile, crescido entre São Paulo e Buenos Aires e radicado na Itália, autor de um cinema engajado (Garaje Olimpo trata da ditadura argentina), associou-se à Gullane Filmes, do Brasil, para contar a história dos índios guarani-kaiowá, de Mato Grosso do Sul. Fez um filme marcante. Dos índios que representam a si à complexidade da disputa com os fazendeiros, Terra Vermelha se quer político. Mas se quer, sobretudo, cinema. “Sempre penso primeiro em como dizer, e não no que dizer.”
Parece ser essa a trilha percorrida pelo cinema político nestes anos 2000. Cada vez mais, os filmes que se propõem a trazer à tona uma tese fazem isso por meio de narrativas elaboradas. Da Itália, co-produtora de Terra Vermelha, vêm outros dois exemplos dessa linhagem. Gomorra, sobre a máfia napolitana, constrói-se nos moldes do “entretenimento inteligente”, com lances de espionagem e ação. Il Divo, de Paolo Sorrentino, a despeito de ser calcado em informações históricas, transforma o ex-ministro Giulio Andreotti num personagem daqueles que só a ficção parece capaz de forjar.
Nos Estados Unidos, bancado pelo bilionário Jeff Skoll, produtor de Syriana e Boa Noite e Boa Sorte, o documentarista Errol Morris fez, a sua maneira enfática, um manifesto político. Procedimento Operacional Padrão ouve os soldados que torturaram os iraquianos em Abu Ghraib. Dá voz a discursos chocantes pela passividade. A guerra está incorporada também ao musical CSNY/Déjà Vu, nascido das apresentações da banda de Neil Young, que gritou contra a “cortina de fumaça” criada para disfarçar combates no Iraque e Afeganistão.
Leon Cakoff, o diretor da mostra, diz que, em princípio, todo filme é político. “Falar em política, em qualquer parte, lembra palanque e maus políticos. Mas o cinema é o mais sutil dos palanques”, define. Após refletir sobre títulos presentes a esta edição, Cakoff observa: “Os cineastas têm passado seu recado com técnicas de roteiro, personagens e conflitos. Esses filmes não são nem didáticos nem ideológicos, são a busca de uma verdade”. De uma verdade com nuances que a mídia, em geral, não parece disposta a ver.