Fortaleza recebe a mais completa exposição de Antonio Bandeira
Mais de 200 objetos entre quadros, desenhos, fotografias, correspondências, fragmentos do livro autobiográfico, filme e peças de uso pessoal de Antonio Bandeira são reunidos em mostra no Espaço Cultural Unifor
Publicado 28/10/2008 11:02 | Editado 04/03/2020 16:36
Toda a singularidade e a delicadeza da arte de Antonio Bandeira (1922-1967) — um dos expoentes máximos do abstracionismo lírico no Brasil, uma das correntes da arte abstrata, surgida no bojo das vanguardas européias, na primeira metade do século XX — podem ser vistas e sentidas no Espaço Cultural da Universidade de Fortaleza (Unifor), da Fundação Edson Queiroz. A abertura da exposição ´Antonio Bandeira´ acontece hoje, às 20h, para convidados, ficando aberta à visitação pública a partir de amanhã, permanecendo em cartaz até o dia 22 de fevereiro de 2009. A mostra reúne quase 200 objetos do pintor cearense, entre telas, desenhos, fotografias, correspondências, fragmentos do livro autobiográfico, filme e peças de uso pessoal.
Com a curadoria de Max Perlingeiro, a exposição destaca a importância da obra de Bandeira no panorama artístico mundial. Além de expor as facetas deste artista que parecia brincar com as cores, a mostra revela as experimentações que fazia com materiais como papel jornal, juta e isopor, assinalando que a versatilidade foi a marca registrada da arte de Bandeira.
O pintor saiu de Fortaleza, em 1946, aos 23 anos, para conquistar, inicialmente, o Rio de Janeiro acompanhado do pintor suíço, Jean-Pierre Chabloz. Lá ele ganhou bolsa de estudo do governo francês, seguindo para sua primeira temporada em Paris onde ficou até 1951. Quando volta ao País, tem a satisfação de perceber que a arte abstrata estava sendo um pouco aceita pelo público e críticos.
A exposição ressalta bem o traço versátil e inquieto do pintor, que morreu aos 45 anos em Paris. Também recria um ambiente dedicado aos seus objetos pessoais. A forma como a exposição foi montada, sugere um passeio pela obra e a vida do pintor cearense, cuja produção artística foi curta, apenas 20 anos. A mostra ´Antonio Bandeira´ é bastante interativa, tanto pelo uso de recursos tecnológicos, quanto pela própria disposição das obras no Centro Cultural Unifor.
A luz e a climatização proporcionam uma atmosfera intimista, favorecendo uma mística entre obra/espectador/artista. É naquele espaço que o público cearense verá as únicas imagens em movimento conhecidas do pintor cearense, nascido em Fortaleza, em 1922, cujo primeiro contato com a pintura foi através da professora Mundica, que utilizava como método de ensino de arte a cópia, ou seja, o figurativo.
Na adolescência, Bandeira conheceu outros jovens que também gostavam de arte. No final da década de 1930, existia uma geração de artistas em Fortaleza que começava a abraçar uma nova estética. Antonio Bandeira integrou, em 1941, a diretoria da primeira entidade de Artes Plásticas de Fortaleza chamada Centro Cultural de Belas Artes. O Centro Cultural de Belas Artes realizou três edições do Salão Cearense de Pintura e Bandeira foi premiado no terceiro, em 1944, ano em que o Centro foi fechado sendo criada em agosto, a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP).
Bandeira participou da primeira exposição promovida pela entidade com 20 trabalhos. Em 1944 o adido cultural da embaixada francesa no Brasil, Raymond Warnier, esteve em Fortaleza, conhecendo o pintor suíço Jean-Pierre Chabloz que havia chegado aqui há um ano. O adido cultural conheceu obras de alguns artistas cearenses inclusive as do jovem Bandeira. No começo de 1945, ele viaja para o Rio de Janeiro onde fica um ano. Em 1946 ganha bolsa do governo francês onde constrói sua carreira.
Interação
Randal Martins Pompeu, vice-reitor de Extensão da Universidade de Fortaleza , da Fundação Edson Queiroz e responsável pelo projeto Espaço Cultural, destaca a importância da mostra. ´Estamos resgatando os valores do Ceará´, disse. Uma das razões para a consolidação do Espaço no circuito cultural da cidade é justamente o Projeto Arte Educação. Desta vez, a exposição Antonio Bandeira pretende ir além das visitas guiadas. Será criada uma exposição paralela, numa sala que funciona dentro do Espaço, dedicado às crianças. O Projeto Arte Educação consiste em visitas guiadas de alunos da rede de ensino público. A Unifor disponibiliza ônibus para as escolas públicas, explica Randal Pompeu, enfatizando que, assim, o Espaço democratiza a arte.
Inédito
Dentre as peças do artista, expostas pela primeira vez, estão as pinturas realizadas pelo jovem Bandeira ainda em Fortaleza, antes de seguir para Paris. Nas primeiras telas é possível perceber a sua paixão pela pintura de Van Gogh. Através da exposição, percorremos toda a trajetória da vida e da obra do artista. Ao chegar em Paris, em 1946, entra em contato com os estudos acadêmicos de pintura. Ele estuda as formas do corpo humano. A mostra retrata este momento
A partir do final dos anos 1940, Bandeira começa a modificar um pouco a sua pintura. No entanto, é preciso deixar claro: Bandeira nunca se interessou totalmente pelo figurativo. A mostra constitui um verdadeiro passeio pelo o que alguns críticos chamam de ´gramática transfiguradora´ de Bandeira, reunindo 102 obras em pintura e desenhos, grande parte inéditas. Além de 50 a 60 objetos pessoais.
De maneira didática, a exposição apresenta as obras produzidas em Fortaleza (1942 a 1945); obras realizadas no Rio de Janeiro (1945 a 1946); coleção de desenhos produzidos na Academia de La Grande Chaumière, em 1946, Paysage Désolée, de 1955. O famoso tríptico ´Sol e Paisagem Azul´, de Paris, 1966; uma rara pintura sobre papel feita em Toscana, Itália; obras pintadas em Londres e a sua grande produção de abstratos feitos em Paris, no período de 1964 e 1967, incluindo últimos trabalhos encontrados no seu ateliê, em Paris, como cinco aquarelas e o último quadro que deixou no cavalete, antes de morrer.
Num constante vai-e-vem entre a figuração/abstração e vice-versa, as obras de Bandeira parecem dialogar com o público. As experimentações, o uso do azul, uma de suas cores prediletas, além do vermelho.
Poeta
Antonio Bandeira era dono de uma obra simples, delicada. Além de pintor, desenhista, gravador, também transitou pela poesia. O difícil era reconhecer quanto o artista usava a linguagem vocabular, ou seja, usava as palavras para dialogar com o espectador, ou quando lançava mão à linguagem plástica, provocando, sobretudo os olhos e a imaginação do público. Bandeira fazia poesia com as cores criando o que os críticos chamavam de uma ´gramática transfiguradora´ ou arte pura, que saía das mãos do ´pintor de impulso´.
Como eram impulsivas as suas criações que transitavam entre a abstração e a figuração com a mestria de um artista que se deixou guiar pela lirismo, cuja inspiração era a natureza. Boêmio, Bandeira adorava a noite, mas produzia com uma voracidade de quem tinha pressa, por isso mesmo, o pintor cearense não teve medo de sair mundo afora em busca, também do reconhecimento e do sucesso, mas, antes de tudo, para realizar a sua vontade de aprender. Como mesmo deixou claro, em inúmeras entrevistas, quando estava em Paris, que tinha muito a aprender.
Quem, sabe, Bandeira tivesse muito mais a fazer tanto pela arte quanto pelo seu tempo. Paradoxal, impulsivo, alegre, amante da noite e, sobretudo, da vida e da natureza. Mesmo numa época em que a arte vivia um momento de mudança de modelos — saía do figurativo para a abstração —, Bandeira demonstrou sua íntima relação com a natureza.
Pintou uma cidade cheia de luz, vida, economizando na forma e exagerando no sentimento. Do mesmo modo, criou, a sua maneira, uma noite na qual era possível enxergar pontos infinitos de luz, além de sugerir uma magia que os amantes da noite e do se perder no mundo poderiam captar. Desta forma, Bandeira não precisou usar palavras para fazer poesia, precisou apenas de sentimentos e criatividade. Em Bandeira, é possível identificar uma ´poética da abstração´. Seria Bandeira abstrato? Não sabemos se abstrato, mas sem medo de errar, é possível afirmar que sua pintura é lírica.
Mais informações:
Exposição: Antonio Bandeira, no Espaço Cultural Unifor ( Av. Wasghinton Soares, 1321, Bairro Edson Queiroz). De 28 de outubro de 2008 a 22 de fevereiro de 2009. Das 10h às 20h, de terça-feira a domingo. Entrada franca. As visitas guiadas devem ser agendadas pelo fone: 3277 3319