A fusão do Unibanco com o Itaú: a ponta do iceberg
A fusão dos bancos Unibanco e Itaú é um desses acontecimentos que têm múltiplas conseqüências. As conversas começaram 15 meses antes do anúncio do negócio, mas foram aceleradas pelos desdobramentos da crise financeira internacional. Unibanco e Itaú com
Publicado 06/11/2008 20:00
O negócio fez parte da compra do banco holandês ABN Amro pelo consórcio formado pelos bancos Royal Bank of Scotland, Fortis e Santander – a maior aquisição da história do setor bancário mundial. No negócio, o Santander ficou com as unidades italiana e brasileira do ABN, o que deu ao Santander fôlego necessário para disputar de igual para igual o mercado brasileiro com os principais bancos locais (Itaú, Bradesco e Banco do Brasil).
Por isso, a reação que começou com a união entre Unibanco e Itaú leva outros bancos a iniciar processos de fusões e aquisições. O Banco do Brasil, por exemplo, negocia a compra de metade do Banco Votorantim, da família Ermírio de Moraes. No mês passado, uma medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva permitiu que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal comprassem bancos privados. Já o Bradesco, que comprou 60 bancos nos últimos 15 anos, ficou pressionado para divulgar uma aquisição de peso. O Bradesco não vai deixar isso barato. Ou seja: o impacto mais importante virá com as próximas operações que agora irão se acelerar.
A primeira questão que precisa ser observada neste processo é o efeito da sobreposição de agências e pessoal. Os banqueiros dizem que o crescimento previsto para os próximos anos vai absorver parte dos funcionários que eventualmente ficará sem função e será remanejada para outras áreas.
As demissões, de uma forma ou outra, são inevitáveis
É uma equação difícil. Uma das principais medidas anunciadas pelos presidentes do Unibanco e Itaú, Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal, respectivamente, é o processo de internacionalização do gigante recém-nascido, que deve começar pela América Latina – eles citaram como alguns alvos o México, a Colômbia, o Peru e o Chile. O Itaú já possui agências em países do Mercosul, como Argentina, Uruguai e Chile. Também atua como private banking (banco voltado para pessoas de alta renda) em vários países da América Latina, Estados Unidos e Europa.
É inegável que a fusão cria um banco brasileiro com fôlego para crescer em toda a América Latina. Com a união, Itaú e Unibanco passam a contar com cerca de 4.800 agências e postos de atendimento e 14,5 milhões de clientes de conta corrente — um total que representa 18% da rede bancária e 18% do mercado bancário brasileiro. Mas a pergunta é inevitável: como remanejar o funcionário “que eventualmente ficará sem função” para estas áreas?
As demissões, de uma forma ou outra, serão inevitáveis. Processos de fusão normalmente implicam em redução de postos de trabalho, o que pode chegar a até 40% em se tratando do setor bancário, com áreas comuns como a alta administração, o marketing, setores de informática, além de agências com áreas de atuação em distâncias muito pequenas. E isso é muita gente — só o Unibanco e o Itaú empregam cerca de 105 mil pessoas.
O exemplar caso da venda do Banespa ao Santander
O Brasil conhece bem esta experiência. O início da atual década registrou a maior aquisição de um banco público no Brasil, com a venda do Banespa para o banco espanhol Santander. O processo de reestruturação implementado no sistema financeiro na década de 90 provocou uma perda expressiva de ocupações no setor — as fusões e aquisições que proliferaram naquela década, em conjunto com as inovações tecnológicas, resultaram em um enxugamento intenso dos empregos como forma de reduzir os gastos totais, e, em particular, as despesas de pessoal. A privatização do Banespa é um caso emblemático.
O banco passou por dois processos de enxugamento de postos de trabalho. O primeiro foi anterior à venda, no período entre 1992 a 1999, e resultou na eliminação de 17.052 empregos. Em 2001, ano seguinte à oficialização da compra do Banespa pelo Santander, o novo dono do banco lançou um programa de demissão voluntária que contou com a adesão de 8.300 funcionários. Essa opção de gestão constava do relatório de administração do Santander-Banespa de 2001.
Nele, os administradores do banco justificaram os desligamentos com a necessidade de adequação da estrutura de custos e enfoque na nova estratégia de atuação – ou seja, demissões de funcionários antigos para contratar funcionários novos com salários inferiores. Em 2002, o Banespa atingiu o menor estoque de emprego da sua história – contando com 13.722 funcionários. No ano seguinte, o Santander iniciou novas contratações e fechou o ano de 2006 com 23.355 funcionários, superando o número que havia no ano da privatização, que era de 22.235.
A negociata do Banestado envolvendo o Itaú
Outro exemplo com impacto negativo no emprego é do Banestado, no Paraná, alvo de CPIs inconclusas. Privatizado no mesmo ano do Banespa, o banco sofreu com o banditismo neoliberal. Por meio dele, ocorreram diversos crimes — como gestão temerária, fraude contábil, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O Banestado, um dos principais bancos estaduais, foi “vendido” ao Itaú por R$1,6 bilhão e este recebeu em créditos tributários do Estado do Paraná R$1,8 bilhão. Ou seja: não só o Itaú não desembolsou um único centavo como ganhou R$ 200 milhões de brinde.
O Estado do Paraná ainda ficou com uma dívida de R$ 5 bilhões junto à União devido ao processo de “saneamento” do banco. Essa dívida custa ao povo paranaense aproximadamente R$ 48 milhões ao mês por 20 anos. Após a privatização, cerca de 12 mil trabalhadores do banco perderam seus empregos. A maior parte das cidades paranaenses, pequenas e com economia agrícola, ficaram sem agência bancária e sem acesso a financiamentos.
Há ainda as fusões do Banco Nacional com o Unibanco, em 1995, e a incorporação do Bamerindus pelo HSBC, em 1997 — um negócio ainda considerado escuso. No primeiro exemplo, entre 1994 e 1995 (ano da aquisição do Nacional), o quadro de funcionários do Unibanco aumentou de 17.034 para 28.543. Nos anos seguintes, esse número começou a cair até alcançar o mínimo de 17.390 funcionários — uma redução de 39,1%.
O Bamerindus experimentou um processo semelhante ao do Banespa — ou seja, demissões de funcionários antigos para contratar funcionários novos com salários inferiores. Nesse caso, o enxugamento antecedeu a venda para o HSBC, em 1997. Entre 1994 e 1996, o quadro de pessoal do Bamerindus caiu de 30.434 funcionários para 22.950.
O setor bancário tem altos segredos
No ano da compra, o HSBC, que contava com apenas 474 funcionários, chegou ao final do ano com 23.756 funcionários. Nos anos seguintes, iniciou-se um processo de enxugamento, e alcançou o mínimo de 18.845 funcionários em 1999. Hoje, o HSBC, que não possuía operações no Brasil, passa por um processo de enxugamento acentuado de pessoal — não só reduzindo em número como substituindo os ex-funcionários do Bamerindus por novos trabalhadores, com salários muito menores.
Apesar do contexto diferenciado, a privatização do Banespa guarda semelhanças com as fusões e aquisições dos bancos Nacional, com o Unibanco, e do Bamerindus, com o HSBC em termos de ajuste de custos com redução do quadro de funcionários. A aquisição do ABN Amro Real pelo Santander também trouxe fortes impactos sobre o emprego. Na Holanda, os novos donos estimaram uma redução em 13 mil postos. No Brasil, o banco previu uma redução em torno de 1.500 bancários. Juntos, os dois bancos somam 54.399 funcionários.
Este cenário contrasta com os números apresentados pelos lucros dos bancos, que fazem as pessoas pensarem que basta colocar uma placa com os dizeres “aqui é um banco” para chover dinheiro. Na verdade, o setor bancário tem altos segredos — por isso, não é possível entender tudo o que se passa em suas entranhas.
A CPI dos Bancos abortada por FHC
Henry Ford, aquele industrial norte-americano que revolucionou a linha de produção no começo do século 20, certa vez disse que se o povo entendesse como funciona o setor financeiro haveria uma revolução antes de amanhã cedinho. “É de especial importância que ninguém se desconcerte com o fraudulento ar de mistério que cerca todas as questões relacionadas a bancos e dinheiro”, disse certa vez o economista John Kenneth Galbraith.
No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), o senador José Sarney (PMDB-AC) chegou a propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o sistema financeiro. Mas sua iniciativa esbarrou na firme decisão do Palácio do Planalto de impedir que ela fosse instalada. No entanto, é um assunto que continua na ordem do dia.
Seria interessante, por exemplo, saber o que a Justiça poderia fazer com os envolvidos nos casos que se arrastam desde o começo dos anos 80, como os do Comind, do Auxiliar, do Maisonnave e do Sulbrasileiro — que até agora nada sofreram. Seria, igualmente, importante esclarecer a origem e o destino dos mais de US$ 20 bilhões que o governo FHC liberou ao Proer, salvando bancos mal administrados e com operações obscuras em carteira.
A extensa ficha criminal do setor bancário
Um exemplo escandaloso é o do Nacional. Os responsáveis pelo banco — entre eles uma nora de FHC — divulgaram seguidos atestados falsificados de saúde de uma instituição que na verdade estava mortinha havia dez anos. Faz muito tempo que no Brasil qualquer pessoa com algum conhecimento do setor sabe que entre as muitas maneiras de aferir o estado de um banco não consta, decididamente, o exame do balanço.
Os números grandiosos solenemente empilhados acima da assinatura de circunspectos banqueiros e com a rubrica de bem pagos auditores têm mentido compulsivamente. O que realmente espanta é que, com tantas possibilidades legais de montar balanços maravilhosamente mentirosos, os bancos recorrem ao gangsterismo contábil tão fartamente noticiado. Há algo de podre nessa história.
Além da extensa ficha criminal do setor — no Brasil, criou-se a categoria de banqueiros riquíssimos que deixaram para trás um rastro de bancos quebrados —, chama a atenção que o lucro recorde dos bancos destoa da realidade da economia nacional. Isso tem explicações. Somam-se ao Proer, às privatizações e ao processo de fusões e aquisições práticas abusivas como a cartelização dos serviços. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) disse que há desconfiança de que os bancos brasileiros agem como um cartel na hora de estabelecer o preço de tarifas.
Solidez para enfrentar crise financeira
O setor também é conhecido pela capacidade de tirar proveitos das crises. Mesmo com a moeda nacional sofrendo uma forte desvalorização na época da hiperinflação — e em boa parte por conta disso —, os agentes financeiros encontraram no chamado “floating” (mercado financeiro) uma forma de alcançar grandes lucros. Com a “estabilidade”, o mecanismo foi aperfeiçoado.
A Selic — taxa que remunera cerca de 50% dos títulos públicos —, do Banco Central (BC), funciona como um juroduto para os bancos. Além disso, o juro médio bancário brasileiro é o maior do mundo, segundo levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo a partir de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). O problema é que este setor desempenha um papel-chave na economia. Talvez por isso o BC e o Ministério da Fazenda saudaram a fusão do Unibanco com o Itaú com entusiasmo.
Juntos, os dois bancos também terão mais solidez para enfrentar a crise financeira internacional e a escassez do crédito. O BC enxerga no negócio potencial para fortalecer o sistema financeiro nacional. O consumidor, entretanto — além dos trabalhadores bancários —, será a maior vítima da concentração do mercado bancário. Essa fusão e outras que provavelmente devem ocorrer nos próximos meses vão levar à diminuição da concorrência e poderão ter impacto nas tarifas, no atendimento e na qualidade dos serviços.
Crise vai provocar fusões em todo o mundo
Há alguns anos, o sistema financeiro brasileiro já foi considerado um “oligopólio” até mesmo pelos “ortodoxos” economistas do FMI. No ano passado, o governo tomou atitudes no sentido de limitar a cobrança e o reajuste de tarifas e para tornar mais fácil para os correntistas a troca da uma instituição por outra. O temor é de que a consolidação bancária possa comprometer esse movimento de aumento do poder do consumidor em seu relacionamento com a instituição financeira.
A fusão entre Itaú e Unibanco não representa, por si só, uma ameaça ao consumidor. Juntos, os bancos terão menos de 20% do mercado brasileiro — logo, estarão longe de uma posição de domínio monopolista. Se forem considerados os dez maiores bancos, no entanto, a fatia de mercado chegaria a 85%. O principal problema do setor bancário brasileiro a ser atacado pelo governo não é o baixo número de instituição financeiras de porte, mas a dificuldade para que os clientes transfiram contas correntes, empréstimos e outros serviços de uma instituição para outra.
Segundo o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, a atual crise financeira vai provocar fusões bancárias por toda a Europa. A Comissão Européia vai propor ao Conselho de Ministros de Economia e Finanças da União Européia (UE) medidas para evitar que as autoridades nacionais impeçam o controlo de bancos por entidades de outro país. O comissário para o mercado interior, Charlie McCrevy, apresentou os principais obstáculos a estas operações e analisa propostas formais para eliminar totalmente barreiras existentes. Nos Estados Unidos, o fenômeno também é forte.
A quebra do banco britânico Barings
Mas, assim como no Brasil, no chamado Primeiro Mundo os escândalos bancários são de arrepiar os cabelos. Existem dados indicando que nos Estados Unidos, por exemplo, as operações de fusões e aquisições de empresas dos início dos anos 90 para cá atingiram cerca de US$ 355 bilhões, o que significa um novo recorde histórico. O setor financeiro, verdadeiro centro de gravidade do sistema capitalista atual, foi o que registrou maior número de fusões, respondendo por 20% do valor das operações, seguido pelos setores de telecomunicações e de informática.
Em todos os lugares, essa onda de fusões é explicada como uma busca desenfreada por parte desses trustes financeiros de melhorar sua posição relativa no mercado, reduzir custos (sobretudo pelo corte de funcionários) e aumentar seu poder de interferência nas operações financeiras globais. Mas há também uma manobra, com apoio das autoridades, visando a criação de uma espécie de instituição “salva-vidas” no cenário de crescente crise do sistema financeiro mundial.
Ao lado desse crescente processo de fusões, outro fenômeno que manteve o sistema financeiro nas manchetes foi um onda de falências e escândalos — a começar pela quebra de um dos mais antigos bancos comerciais da City de Londres, o Barings. Instituição mais que centenária, e de cuja solidez ninguém duvidava — era, por exemplo, o agente financeiro da Coroa Britânica —, o banco quebrou em virtude de operações nos mercados futuros (derivados) realizadas por sua sucursal de Cingapura. O Banco da Inglaterra interveio e negociou a absorção do Barings pelo banco holandês ING Bank.
Destempero de um banqueiro norte-americano
Mas a falência deixou um rol de dúvidas. Um relatório divulgado em outubro de 1995 em Cingapura perguntava por que o Banco da Inglaterra, apesar de saber de fato, não havia impedido que o Barings excedesse seu limite de exposição legal, afirmando que o colapso havia sido causado por “inconpetência institucional”. Essa foi uma das mais fortes acusações feitas às autoridades encarregadas de fiscalizar a situação dos bancos, abrindo uma discussão sobre se realmente alguém controla as ações dos grandes bancos, em escala internacional. Agora já está provado que não controla.
Um exemplo disso foi o destempero do presidente do banco norte-americano Wachovia, Robert K. Steel, que seis dias antes de o Lehman Brothers — quarto maior banco de investimento do mundo — deixar de existir disse que o sistema financeiro estava “indo na direção certa”. “Estou tremendamente confiante de que estamos indo na direção certa porque temos a força necessária para seguir progredindo. Não vejo nada que nos impeça de ser otimistas em relação ao nosso negócio no longo prazo.”, afirmou ele no dia 9 de setembro, no Hotel Hilton de Nova York, em uma palestra na “Conferência Lehman Brothers de Finanças Globais”. Passaram-se outras duas semanas e o próprio Wachovia, quarto maior banco de varejo dos Estados Unidos, era vendido ao Citi. Dali em diante, o efeito dominó levou o sistema financeiro mundial às cordas.
É preciso temer o próprio medo
A soberba do falastrão Steel dá bem a medida de como os líderes deste mundo fictício vêem a realidade. O episódio é quase uma caricatura do momento atual da economia mundial — em que previsões caem no ridículo logo após serem professadas, várias das mais tradicionais instituições financeiras soçobram em série e os mercados financeiros oscilam do céu ao inferno ao sabor de ventos tão intensos quanto imprevisíveis.
Quando os congressistas norte-americanos brecaram, numa primeira votação, o pacote de US$ 700 bilhões proposto pelo governo do presidente George W. Bush para socorrer bancos, por exemplo, o mundo financeiro ruiu: só nos Estados Unidos, o equivalente a US$ 1 trilhão em valor de mercado de empresas listadas na bolsa de Nova York virou pó em um único dia. Os efeitos se espalharam pelo mundo com ondas que se propagam no espaço. Por aqui, a Bovespa teve a maior queda da década. De lá para cá, a tormenta ganhou velocidade e intensidade.
Já se sabia que o sol não brilharia para sempre no mundo da ciranda financeira e que, cedo ou tarde, os anos dourados das altas rodas da economia fictícia global teriam de acabar. O que não se sabe é como terminará esta tempestade, que deixou a economia mundial às escuras. Como disse o ex-presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, responsável por governar os Estados Unidos quando a Grande Depressão dos anos 30 atingiu o seu auge, é preciso temer o próprio medo. Instituições abarrotadas de títulos podres — e, portanto, à beira da falência — pela a bolha do subprime socorridas pela capitalização dos Estados são sinal evidente de que todos os países devem pôr as barbas de molho.
Mercado competitivo ficou para trás
Com esta extensa ficha criminal, mais os inevitáveis prejuízos aos bancários e aos consumidores — ale, obviamente, do potencial de camuflar a real dimensão da crise financeira mundial —, pode parecer difícil entender por que uma operação como esta fusão do Unibanco com o Itaú é tão elogiada pelas autoridades. A resposta pode ser a razão por que o poder se associa a certos fatores e não a outros. Antes este fator foi a propriedade da terra, depois a indústria. Hoje, o setor financeiro tem um peso gigantesco sobre as ações do Estado. Nos meados do século 19, Karl Marx trouxe o assunto para a discussão econômica.
A produção, diz ele em O Capital, é dominada por aqueles que controlam e oferecem o capital, por “um número constantemente menor de magnatas do capital que usurpam e monopolizam todas as vantagens deste processo de transformação”. A autoridade destes magnatas domina a sociedade e estabelecem o seu tom moral. Controlam também o Estado, que se torna uma comissão executiva a serviço da vontade das classes que eles representam. O poder no atual estágio de desenvolvimento histórico é refém dos principais controladores do capital. A noção do mercado competitivo ficou para trás — sobrevive apenas nos manuais dos neoliberais xiitas.
O poder dos proprietários foi deslocado para os administradores dentro da grande sociedade anônima moderna. Dessa maneira, o poder sobre a economia passou para os principais controladores do capital. E assim também aconteceu com o a autoridade do Estado — a sugestão de que os Estados Unidos são dirigidos de Wall Street não é exagerada. Ela pode parecer um senso comum, mas, como deixou escrito Ruy Barbosa, o senso comum é o menos comum dos sensos.
Diálogo com João Roberto Marinho
No Brasil, vimos isso claramente quando Antonio Palocci comandou a transição, na área econômica, da gestão de FHC para a do governo Luis Inácio Lula da Silva. Primeiro ele foi buscar um banqueiro de renome internacional para comandar o BC. Depois bateu o pé até convencer Lula a fazer o anúncio por escrito dos compromissos da ''era FHC'' com o setor financeiro — “reformas” estruturais, metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário —, num documento chamado ''Carta ao Povo Brasileiro''.
No seu livro Sobre cigarras e formigas, Palocci revela que para preparar o documento “dialogou” com “diversos empresários e formadores de opinião, entre os quais alguns proprietários de comunicação. “Um deles foi João Roberto Marinho, das Organizações Globo”, escreve. “Estamos com um problema sério nesta eleição. Há uma percepção de crise econômica e estamos preocupados com isso”, disse Palocci a Marinho, segundo o livro. “A crise é muito maior do que vocês estão pensando. Há muita insegurança sobre o futuro e, por isso, acho muito bom vocês fazerem, sim, um manifesto”, respondeu Marinho.
Doses cavalares de recursos públicos
Já no governo, Palocci, segundo a revista norte-americana Newsweek, se transformou na ''âncora” que segurava “o investidor estrangeiro no Brasil''. A reportagem mostrou que havia consenso entre os ''investidores'' dos Estados Unidos sobre a capacidade de Palocci manter a economia em situação ''estável''. ''Que surjam novos Paloccis'', disse a revista. Desde então, muita água já passou por baixo da ponte mas o Brasil ainda paga um alto preço pela a arquitetura da equipe econômica feita por Palocci — cuja expressão máxima é a política monetária comandada pelo presidente BC, Henrique Meirelles.
O Brasil sem dúvida está mais vulnerável ao vendaval financeiro do que outros países da América Latina que optaram por caminhos inovadores para administrar a economia. E, por isso, se apega às fusões do setor bancário como uma possível tábua de salvação — a alternativa poderia ser a injeção de novas doses cavalares de recursos públicos no setor financeiro, como ocorre na maioria dos países que ainda não superaram os principais efeitos da tormenta neoliberal. Mas o assunto está na ordem do dia. E ele pode ser muito bem traduzido pela palavra de ordem “Fora, Meirelles!”.
* Jornalista, autor dos livros Maurício Grabois – Uma Vida de Combates e Testamento de Luta – A Vida de Carlos Danielli, e do blog www.outroladodanoticia.com.br