Fernando Haddad – A educação como valor social

O ministro Fernando Haddad disse que transformar a educação em um valor social é um trabalho semelhante ao processo de construção do Estado Nacional

Ele é considerado por políticos do governo e da oposição como uma figura séria e competente. O senador Cristóvam Buarque (PDT), dissidente do PT, bate palmas para a sua atuação. Jarbas Passarinho, por exemplo, tece elogios às conquistas da área educacional brasileira. O atual ministro da Educação, Fernando Haddad, formado em Direito e com doutorado em Filosofia, tem conseguido unir esforços e pessoas independente de partido político para executar a difícil missão de transformar a educação brasileira.


 


Haddad é autor ou co-autor das principais propostas educacionais do governo Lula, como a Reforma Universitária, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o Programa Universidade para Todos (Prouni) . Idéias não faltam. Outro exemplo: os tradicionais centros de educação tecnológica, os Cefets, tiveram o número de vagas ampliado. Anunciou também o convênio com o Sistema S para a integração do ensino médio com os cursos profissionalizantes. Significa que os futuros operários vão freqüentar a escola e o Senai de forma integrada. “É uma oportunidade que o Lula não teve”, lembrou o ministro em entrevista. “Isso vai qualificar o trabalhador”.


 


Ele começou no governo Lula como assessor do ex-ministro do Planejamento, Guido Mantega. Em um ano, pulou para secretário-executivo da Educação e depois assumiu a pasta, quando Tarso Genro saiu para presidir o PT. Mestre em Economia, começou como analista de investimentos do Unibanco. Sua veia econômica serviu para arrumar verbas para seus projetos – algo em que seus dois antecessores neste Governo, Cristóvam Buarque e Tarso Genro, tinham grande dificuldade.


 


Em entrevista ao O POVO, em seu gabinete em Brasília, o ministro diz que é preciso transformar a educação em um valor social. “Num valor que a família mais humilde abrace como uma causa sua. Isso vai exigir intensa mobilização, transparência e divulgação dos resultados. Enfim, é um trabalho semelhante ao processo de construção do Estado Nacional”. E acrescenta: “Assim como a democracia é um valor que é cultuado hoje, vamos fazer com que a educação seja um valor cultuado por todos os cidadãos.”


 


As crianças passaram a freqüentar a escola, mas a evasão continua sendo elevada. O que fazer para melhorar o rendimento escolar?



O Nordeste foi muito descuidado pelo Governo Federal. Durante décadas. O Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) que foi alardeado como solução dos problemas de financiamento da educação, representou um avanço, mas não conseguiu equacionar o problema das oportunidades educacionais do País. A complementação média da União ao antigo fundo, nos 10 anos de sua vigência, foi de apenas R$ 500 milhões. Enquanto o novo fundo, o Fundeb, que atinge da creche ao ensino médio, passará a R$ 5 bilhões a partir de 1º de janeiro de 2009 e este ano já foram investidos R$ 3,2 bilhões da complementação. Essa medida vai permitir que o investimento por aluno no Nordeste se aproxime muito da média nacional, porque a educação do Nordeste, um dos problemas que ela enfrenta, um de seus gargalos, é a questão do financiamento. Isso apenas a título de transferência obrigatória. Há também um esforço do MEC em atender os municípios com os mais baixos Idebs (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do País. Fortaleza é um município prioritário. Então, no que diz respeito a transferências voluntárias, ela é pactuada com a União. Elas envolvem desde investimento na infra-estrutura, no que diz respeito a espaço físico da escola até – o que nos parece mais importante – a formação dos professores. Todos os professores dos municípios que aderiram aos projetos do MEC estão recebendo formação continuada para melhorar a prática pedagógica em sala de aula.


 


Por que é tão difícil alfabetizar? O que falta aos nossos professores e às nossas escolas?



A proficiência em leitura melhorou entre 2005 e 2007 em todo o País. Oitenta por cento dos municípios cumpriram as metas estabelecidas pelo Plano de Desenvolvimento da Educação, com o Pró-Letramento, que é um programa de formação de professores de anos iniciais do fundamental. De fato, alfabetizar crianças não é uma tarefa trivial. É preciso um conhecimento técnico específico para que a alfabetização se dê de uma maneira adequada. Os indicadores melhoram a cada ano, mas na região Nordeste ainda temos um problema grave a enfrentar. O contigente de jovens analfabetos é grande. A título de comparação: enquanto a média de analfabetismo no Brasil, nas outras quatro regiões para a faixa etária de 15 a 29 anos, é 2,6%, no Nordeste é de 12,5%. Quase cinco vezes a média nacional.


 


Mas como qualificar melhor estes professores para melhorar os índices?


Nós já estamos fazendo. Estamos fazendo com o programa Pró-Letramento. Mas qual a tese que nós advogamos? Nós entendemos que a nossa legislação estava equivocada e o PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) altera o quadro. Em que medida? Na medida em que compromete a universidade pública a formar o professor da escola pública. Hoje, se você visitar a escola pública, a maioria dos professores é formada em escolas particulares. Regra geral: sem tradição na formação de professores. Queremos reverter este quadro: queremos que os professores da universidade pública assumam o compromisso da formação do professor da escola pública. Isso se dá pelos programas de expansão do acesso à educação superior patrocinados pelo Governo Federal. Foi anunciado que as vagas nas universidades públicas vão dobrar, sendo que grande parte da expansão se dá em licenciaturas. E inclusive em cursos noturnos. Além disso, da expansão da educação pública, aprovamos o piso nacional do magistério. Isso vai atrair mais jovens para seguir carreira e vamos aprovar até o fim do ano as diretrizes de carreira.


 


Com essas medidas, o senhor acredita que a falta de professores será suprida?



Queremos reverter o quadro da escola pública em que a maioria dos docentes é formada em instituições sem tradição na área de formação.


 


O senhor não acha que a falta de vagas em determinados cursos leva os jovens a escolherem as licenciaturas porque seriam cursos em que a concorrência é mais baixa que nas universidades públicas?



Não é esta a verdade. Nós passamos por um momento em que o professor foi muito desvalorizado no País. Hoje estamos recuperando este prejuízo enorme que foi desconsiderar o magistério, uma carreira estratégica para o desenvolvimento do País. Então, o Congresso deu uma demonstração de grandeza ao aprovar o piso nacional e vai dar outra demonstração de grandeza ao aprovar o Sistema Nacional de Formação dos Professores, cujo objetivo é aumentar a proporção de professores em serviço na escola pública formados em instituições públicas de ensino superior.


 


Governos anteriores até tentaram incentivar as licenciaturas com descontos em universidades particulares? Qual a diferença deste projeto para o de outros governos?


 
A diferença é que você tem duas leis, uma já aprovada e outra por aprovar que garante o piso e as diretrizes do Plano de Carreiras. A outra grande diferença é que a universidade pública está assumindo o compromisso com a formação do magistério das escolas públicas. A universidade pública tem de assumir o compromisso com a educação básica pública do País. E assumiu. No âmbito dos institutos federais.


 


O que torna hoje uma escola mais eficaz no Brasil?



A grande mudança da escola pública passa por quatro eixos estruturantes. Primeiro, a melhoria do financiamento, que já está ocorrendo. O Ministério da Educação que tinha um orçamento de R$ 20 bilhões em 2003 e terá um orçamento de R$ 48 bilhões em 2009. Em segundo lugar, melhorar a gestão. A gestão educacional precisa ser mais democrática e mais eficiente do ponto de vista do investimento que é feito, mais participativa. A escola precisa deixar de ser estatal e se tornar mais pública. Em terceiro lugar, formação de professores. As universidades públicas têm de assumir as tarefas de formação dos professores. E isso vai mudar radicalmente o quadro. Em quarto lugar, avaliações periódicas, transparentes que organizam currículo e permitem o acompanhamento de escola por escola no País. Que é o que tem sido feito com o Ideb.


 


Alguns especialistas criticam as avaliações feitas pelo Governo Federal, porque, depois, as análises não são aplicadas em melhorias nas escolas. Como fazer com que o resultado desses índices ajude os gestores a melhorar a qualidade de ensino?



Precisamos conciliar formação com avaliação. É dessa combinação que vamos progredir no aprendizado.


 


Mas como aprimorar os modelos pedagógicos nas escolas?


 
Os programas têm de respeitar a diversidade da região. Há uma base comum a ser apropriada por todos os professores. Sobretudo a que diz respeito a Matemática e Leitura, há uma base comum. Práticas pedagógicas que podem ser utilizadas quase de caráter universal, mas é preciso que tenham módulos específicos que respeitem a diversidade regional.


 


Como o senhor avalia alternativas como a educação integral?



É a velha questão do financiamento associada a um outro problema, que é a falta de um modelo pedagógico integral. Estamos trabalhando nas duas frentes ensinando fórmulas de ampliação da jornada ou ampliação do tempo em que a criança fica sob a responsabilidade da escola. Pagamos três per capita de merendas para que as crianças permaneçam na escolas. Os modelos são diversos. Mas é uma iniciativa de mantê-la na escola.


 


Com a formação integral, os índices e a aprendizagem melhorariam?



Sempre digo que não tem bala de prata na educação. Nâo existe um remédio para todos. Não existe uma panacéia para todos os males que atingem a área de educação. Nós temos de trabalhar em várias frentes… Programas de formação continuada vão ajudar. Bibliotecas nas escolas também vão ajudar. Escola em tempo integral também vai ajudar. Tenho de atuar por atacado. Por exemplo, um jeito de melhorar muito o desempenho das crianças é ampliar o acesso na educação. A educação tem de ser prioridade nacional. Se tentar remediar, você não vai alcançar os resultados desejados.


 


Por muito tempo, o discurso foi o da universalização de vagas. No entanto, só o acesso à educação não trouxe resultado esperado. O que falta para melhorar a qualidade de ensino no País?



Trabalhamos muito tempo de maneira fragmentada a educação, sem a visão holística do processo educativo. Que vai da creche à pós-graduação. O que nós temos de permitir é que a cada cidadão seja dado o direito de um passo a mais no seu itinerário formativo. Desde o jovem adulto que não passou por um processo de alfabetização. Portanto, não sabe ler e escrever. Até o graduado que almeja uma pós-graduação. O papel do Estado é oferecer a todos e a cada um passos adicionais no seu itinerário formativo. Então, essa é a visão sistêmica e holística que estamos advogando. Antes, você tinha uma visão fragmentada, que, por falta de recursos e de prioridade, visava rebocar os vários buracos que existiam no edifício, no nosso precário edifício educacional. Trata-se realmente de reconstruir o sistema. Da creche à pós.


 


Podemos esperar um novo perfil de profissional dentro do modelo educativo adotado pelo MEC? 


Nós estamos tendo algum avanço no ensino fundamental. A reforma do ensino médio vai gerar resultados de médio e curto prazos. Tanto a expansão de escolas técnicas como o Brasil Profissionalizante aportam R$ 900 milhões. A reforma do sistema S que obriga a reservar dois terços dos seus recursos para a educação é indispensável para a reforma educacional. Além da forte democratização do ensino superior: Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) , Prouni, Universidade Aberta do Brasil, os institutos federais que vão oferecer e a reformulação feita no Sistema S.


A educação entrou definitivamente na pauta da sociedade? Se não, o que ainda falta?


 
Eu entendo que as classes dirigentes do País, que nunca foram muito atentas para o tema, passaram a considerar a agenda educação como elemento estratégico para o desenvolvimento social-econômico do País. Agora, trata-se de transformá-la em um valor social. Num valor que a família mais humilde abrace como uma causa sua. Isso vai exigir intensa mobilização, transparência e divulgação dos resultados. Enfim, é um trabalho semelhante ao processo de construção do Estado Nacional. Assim como a democracia é um valor que é cultuado hoje, vamos fazer com que a educação seja um valor cultuado por todos os cidadãos. Isso começa com setores mais conscientes, mais politizados da sociedade. Nós só vamos transformar em uma agenda concreta na hora em que todos, sem exceção, tenham a percepção que a educação é importante para o desenvolvimento do País.


 



E-Mais


 


O Fundef foi implantado no Brasil pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996, mas só começou a vigorar em 1998. Seu prazo de duração era de 10 anos, e expirou em 2006. A partir do mês de janeiro de 2007 saiu de cena o Fundef e entrou o Fundeb, que assim como seu antecessor, se caracteriza como um Fundo de natureza contábil, formado por recursos dos próprios estados e municípios, além de uma parcela de recursos federais, cuja finalidade é promover o financiamento da educação básica pública brasileira.


 


O Fundo tem a duração de 14 anos (2007-2020), com o intuito de atender os alunos da educação infantil, do ensino fundamental e médio e da educação de jovens e adultos.  Sua implantação foi programada de maneira gradativa nos três primeiros anos.


 


O Programa Universidade para Todos (Prouni) tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior. Criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005, ele oferece, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas instituições de ensino que aderem ao Programa.


 


O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) tem com um dos objetivos dotar as universidades federais das condições necessárias para ampliação do acesso e permanência de estudantes na educação superior. São objetivos ainda o aumento da qualidade dos cursos e o melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos. A meta é alcançar gradualmente ao longo dos cinco anos de duração desse programa, uma taxa de conclusão média de 90% nos cursos de graduação presenciais e uma relação de 18 alunos por professor. O governo prevê a liberação de R$ 2 bilhões para serem distribuídos entre as universidades que aderirem ao programa.


 


Nos primeiros vestibulares de 2009, as universidades federais vão oferecer mais 44 mil vagas. O aumento da oferta é resultado do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Segundo Fernando Haddad, em comparação a 2003, o número de vagas dobrou. Até 2012, o investimento previsto para o Reuni é de R$ 2 bilhões. O aumento é de 100% das vagas ofertadas passando de 113 mil em 2003 para 227 mil para 2009.


 


Decreto amplia a gratuidade e o número de vagas em cursos técnicos de formação inicial e continuada de quatro entidades do Sistema S. Os cursos serão destinados a alunos e trabalhadores de baixa renda, empregados e desempregados. A oferta de cursos gratuitos será ampliada de forma gradual até 2014. No Senai e no Senac a gratuidade alcançará 66,6% dos cursos em 2014, e no Sesi e Sesc, 33,3%. De acordo com o decreto, o valor total aplicado pelas entidades em vagas gratuitas deve alcançar R$ 4,8 bilhões em 2014. Este ano, a receita das entidades – que se origina de descontos de 2,5% da folha de pagamento das empresas dos setores de comércio, da indústria e dos transportes – chegará a R$ 8 bilhões.


 


Perfil


 


FERNANDO HADDAD
Data de nascimento: 25 de janeiro de 1963
Local: São Paulo
Formação: Bacharel em Direito, pela Universidade de São Paulo, 1985; especialização em Direito Civil e em Economia Política; mestre em Economia, Universidade de São Paulo, 1990. Doutor em Filosofia, Universidade de São Paulo, 1996
Funções: Professor de Teoria Política Contemporânea no Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo; analista de investimento do Unibanco; consultor da Fundação de Pesquisas Econômicas (Fipe); chefe de Gabinete da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de São Paulo, secretário-executivo do Ministério da Educação e ministro da Educação, nomeado em 2005.



NÚMEROS


134 – Mil jovens de 15 a 29 anos são analfabetos no Ceará, segundo o IBGE. O percentual de analfabetos (15 anos ou mais) é de 11% em Fortaleza.


 


LIVROS


O Sistema Soviético, Scritta Editorial – São Paulo 1992;


Em Defesa do Socialismo, Vozes, Petrópolis – 1998;


Desorganizando o consenso, Vozes, Petrópolis – 1998;


Sindicatos, cooperativas e socialismo, Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo – 2003.


Trabalho e linguagem, Azogue Editorial, São Paulo – 2004.