O que fica da Bienal?

Encerrada na última sexta-feira, 21, a 8ª edição da Bienal Internacional do Livro do Ceará permitiu um diálogo entre países de língua portuguesa e espanhola

Fim da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, cuja última atividade foi o lançamento ainda na sexta-feira, 21, do livro Nunca subestime uma mulherzinha, da cantora e líder do Pato Fu, Fernanda Takai, no Centro de Convenções. Hora de rever os dez dias de evento e refletir sobre a proposta que norteou as mesas de debates: a aventura cultural da mestiçagem. Nas últimas quarta, quinta e sexta-feira, o Vida & Arte conversou com os curadores, escritores, expositores, editores e também com o público que circulou por pavimentos sempre cheios de livros e estudantes. O resultado é um mosaico de opiniões que refletem as diferentes variáveis da equação.


 


“O Borges dizia que a América Latina é uma ficção, que não há uma integração tão grande entre nós. Mas é possível chegar a isso”, palavra do ensaísta, poeta e professor de criação literária, o brasileiro Rodrigo Petrônio. Ao menos no campo da teoria, essa possibilidade é partilhada por grande parte dos escritores presentes à Bienal. Para o cubano Alex Pausides, organizador do Festival Internacional de Poesia de Havana e ganhador de vários prêmios, ainda que as barreiras entre países latino-americanos sejam consideráveis e a língua em si constitua um fator de desagregação, o momento atual é favorável a esse afã, que, em termos históricos, remonta ao sonho de Simon Bolívar (1783-1830). “A América está vivendo um processo integrador nos âmbitos político e econômico. E, nesse sentido, a integração feita a partir da cultura é mais duradoura, mais profunda. Porque a integração cultural inclui todas as demais coisas.” Ainda segundo Pausides, embora tenha havido um descompasso entre o público que freqüentou a Bienal e o que acompanhou as discussões, a iniciativa de organizar um evento desse porte dedicado às matrizes culturais hispânica e portuguesa deve ser reconhecida e festejada. “Essa bienal é uma tentativa incrível de conseguir isso.”


 


Finalista do Prêmio Jabuti 2006, o poeta Rodrigo Petrônio vai além: “O que me chamou a atenção nesta bienal de Fortaleza foi justamente essa ousadia de chamar os autores desconhecidos. A Bienal quebrou esse protocolo. Promoveu esse encontro mais preocupado com a leitura e literatura e não ficou tão vinculada a essa premência do público e do mercado editorial”.


 


Editor da revista Continente Multicultural e um dos convidados da Bienal deste ano, o pernambucano Marco Polo Guimarães tem opinião distinta. No contexto da América Latina, o Brasil é um bloco de terra à deriva, insular. Nossa literatura não cultiva as mesmas temáticas nem caminha lado a lado com a produção em língua espanhola. “Há quem afirme que o Brasil não faz parte da América Latina, ou seja, a América Latina, de fato, seria só a hispânica. Tem uma certa lógica. Nosso modernismo foi diferente do deles. Não participamos do boom da literatura latino-americana na Europa, nos anos 70.” Adiante, Guimarães pondera: como estabelecer estreitas relações entre esses países quando, mesmo no Brasil, as unidades federativas pouco se entendem? “Somos um país continental onde há inclusive falta de contato maior entre os Estados. Como então nos interessarmos pelos países vizinhos? Acho que, infelizmente, a realidade indica que cada um está preocupado mesmo é com seu umbigo. Eventos como a Bienal do Ceará criam momentos de intercâmbio muito interessantes, mas que dificilmente terão continuidade.”


 


Embora reconheça não haver ainda distanciamento suficiente para que a 8ª Bienal do Ceará seja avaliada, o poeta Floriano Martins, um dos curadores do evento, garante estar plenamente satisfeito. Para ele, a Bienal cumpriu o seu papel de ser o “palco inicial para compreensão, disponibilidade e discussão de inúmeros aspectos ligados à mestiçagem” e, mesmo enfrentando alguns reveses, “o passo fundamental foi dado: o Ceará encontra-se em definitivo inserido no mapa cultural da América Latina”. Em resposta às perguntas enviadas por O POVO via e-mail, o poeta reuniu alguns depoimentos de convidados da Bienal, como o poeta surrealista Cláudio Willer, que edita, ao lado de Floriano, a revista virtual Agulha, e o jornalista Eduardo Sales de Lima, do jornal Brasil de Fato, presente na Ilha dos Continentes.


 


Menos internacional, o intercâmbio vivido por estudantes da Escola Raimundo Nogueira, de Horizonte, é também um dado a ser levado em conta. Guiados por Wandel Varela, professor de informática da instituição, a turma de 36 estudantes circulava de olhos atentos quando se deparou com o paraibano Paulo Cavalcante trepado em dois tocos de umburana, “exatamente para chamar a atenção”. Ali, na entrada do Espaço Jovem Moreira Campos, Jociléia Vieira, 17, e Carina Matos de Melo, 18, trocavam impressões com o escritor, que, sem convite, danou-se da Paraíba de mala e cuia. Por meio de conhecidos, Paulo arranjou para que pudesse estar na Bienal, de pé sobre pedaços de madeira ao longo do expediente de dez horas, a uma altura de 2,12 metros, vendo, contente, quem ia e quem vinha. Nesse vai e vem, as meninas, que também escrevem para o jornal do colégio, se chegaram. Depois delas, outras fizeram fotos. Paciente, Paulo fazia pose. Ao fim de cada sessão, comentava: “Se cada foto tirada fosse um livro vendido, eu tava era rico”.