Comunistas cearenses debatem a crise capitalista

Na última sexta-feira, dia  5, a Fundação Maurício Grabois, promoveu, em Fortaleza, um debate sobre a crise do capitalismo. Tendo como expositor o jornalista e economista Dilermando Toni, e debatedores o médico e militante da esquerda socia

 


Dilermando Toni iniciou sua exposição ressaltando que há menos de vinte anos o debate mundial era sobre a crise do socialismo, a derrocada da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, o que simbolizou o fim de uma era importante para a humanidade. Porém observou que naquela época dizia-se que o capitalismo se estabeleceria em definitivo, o mundo viveria em paz e prosperidade e ousou-se até afirma que a história teria chegado ao fim. A realidade atual, porém desfez o “sonho dourado” do capitalismo que se apresenta em crise profunda.


 


Segundo o expositor a crise abalará profundamente a atual ordem econômica, financeira e geopolítica, ainda hegemonizada pelos Estados Unidos, porém despertará, entre os trabalhadores e as forças avançadas uma reação para impedir que o ônus recaia sobre suas costas. Para Dilermano a crise também “despertará interesse entre as diferenças entre os Estados Unidos e a China, trazendo mais para perto a necessidade de se buscar uma alternativa avançada ao capitalismo, estimulando a luta pelo socialismo”.


 


Em seguida o jornalista apresentou um rico histórico da crise atual que tem origem na crise imobiliária que explodiu em agosto de 2007, os Estados Unidos, o coração do capitalismo e principal beneficiário da proclamada “Nova Ordem Mundial” que teria surgido com a queda da URSS e a prevalecência do modelo neoliberal. Para Toni, a partir da crise imobiliária “foram crescendo os sinais de que o setor financeiro, incluídos os bancos, poderia ser seriamente afetado e que a crise poderia provocar uma desaceleração na economia dos Estados Unidos, com repercussões na Europa. A situação criada revelava uma saturação entre um setor da economia real e a economia financeira, em grande parte fictícia e especulativa”. Após um sofrido ano com a crise imobiliária, uma dívida superior a 600 bilhões de dólares quebrou o tradicional banco de investimentos norte-americano, Lehman Brothers e colocou em xeque o sistema financeiro dos Estados Unidos, onde fecharam todos os bancos de investimentos. Estava instalada uma crise financeira de âmbito mundial. “Dessa forma, o sistema de crédito, fundamental para o funcionamento do capitalismo financeirizado, neoliberal, paralisa-se, afetando negativamente a economia real, principalmente os países de capitalismo desenvolvido”, concluiu Dilermando Toni.


 


Alto custo e fracasso neoliberal


 


Na tentativa de salvar o sistema, o estado norte-americano, contradizendo todos os dogmas neoliberais, tem intercedido fortemente na economia e gasto valores inimagináveis até então. Até o momento a crise já teria consumido 3,1 trilhões de dólares, mas já há compromissos assumidos que somam mais US$ 5,3 trilhões e há possibilidades de serem gastos US$ 1,4 trilhão, o que somaria um total de 10 trilhões de dólares. Só para se ter uma idéia do significado desses valores, o Plano Marshall, que ajudou a reconstruir a Europa depois da Segunda Guerra Mundial, custou US$ 115 bilhões, a própria guerra custou US$ 3,6 trilhões e em 50 anos, todas os gastos com pesquisas da NASA consumiram US$ 851 bilhões.


 


Afora isso, a recessão tem efeitos devastadores sobre os Estados Unidos. No último mês de setembro a produção industrial teve a sua queda mais acentuada em 34 anos e no setor imobiliário a construção de moradias teve sua queda mais acentuada em 50 anos e o preço dos imóveis caiu 21%. Símbolos da pujança norte-americana, as três grandes fabricantes de automóveis, GM, Ford e Crysler, circulam entre a Casa Branca e o Congresso Nacional, de pires na mão em busca de uma salvação que custaria a bagatela de US$ 32 bilhões. O mais grave é o risco eu correm os trabalhadores ameaçados pelo espectro real do desemprego cujo índice chegou a raros 6,5%, e já consumiu 240 mil postos de trabalho em outubro, mais de 350 mil em novembro e poderá somar um total de 2 milhões ao final do ano.


 


Dilermando Toni observou ainda que a crise, surgida nos Estados Unidos, se espalha para os países desenvolvidos da Europa e para o Japão, atingindo “países em desenvolvimento devido ao patamar elevado de interdependência econômica do mundo atual”. Neste cenário, conclui que se trata de uma crise financeira e produtiva do capitalismo mundial, de grandes proporções e com forte indício de que tenderá a se agravar em 2009. Trata-se, porém do fracasso do neoliberalismo enquanto padrão ou modelo institucional de acumulação marcado pela desregulamentação financeira, as privatizações, a livre circulação de capitais e a especulação em confronto com a produção real e a melhoria das condições de vida da maioria do povo e dos trabalhadores.


 


Causa no capitalismo e saída no socialismo


 


Em sua exposição, o assessor da Presidência Nacional do PCdoB deixou claro que, diferente do que se tenta passar as crises não são “falta de regras de fiscalização e controle dos riscos envolvidos nas movimentações do capital financeiro ou das chamadas inovações financeiras” elas da natureza do capitalismo e suas causas são objetivas, muito além desta ou daquela  “política econômica adotada e eventuais deslizes de seus executores que podem, isto sim, acelerar ou retardar os processos objetivos”. Para Toni, “os limites para o desenvolvimento do capital estão em seu contraditório processo de acumulação. Nos tempos atuais as características particulares destas crises devem ser buscadas na exacerbação da financeirização do capitalismo moderno. Não há no sistema produtivo capitalista condições para extrair a massa de mais-valia suficiente para satisfazer as expectativas estratosféricas de lucros embutidas nos papéis do mercado futuro”.


 


Dilermando chamou atenção para as circunstâncias particulares em que a crise ocorre e que terão influencia nos resultados econômicos e políticos. Diz ele que  há um mercado mundial único, altamente integrado, mas ressalta que a chamada periferia do sistema enfrenta a crise numa situação bem diferente de outras situações. Para Toni “agora estão ali estão os principais atores que podem diminuir o efeito destruidor da crise, atuando como contra-tendência à devastação emanada dos países capitalistas centrais. O fato de terem alcançado certo nível de desenvolvimento, de ali se situarem importantes fontes de matérias-primas e de energia, de terem conquistado um patamar de menos vulnerabilidade diante dos ricos, cria a possibilidade de que eles construam parcerias e adotem políticas de desenvolvimento efetivo, configurando-se em uma alternativa, com força de pressão considerável”. Entre esses países destaca-se a China, que “optou por um outro sistema político e econômico o qual, apesar de ainda embrionário, torna visíveis as diferenças entre o capitalismo e o socialismo”,  mas também estão a Rússia, a Índia e o próprio Brasil.


 


Prevendo um ambiente internacional mais tenso – o imperialismo já recorreu a guerra em outro momentos de crise – , Dilermando imagina que o capitalismo deverá buscar a “uma maior regulação do sistema financeiro, coibindo em certa medida a especulação desenfreada em que se meteu o setor e obrigando-o a voltar-se mais para o financiamento da acumulação na economia produtiva, como já se pode assistir em várias ocasiões precedentes semelhantes”.


 


Do ponta de vista geopolítico  “o quadro poderá acelerar a transição da unipolaridade dos Estados Unidos para um quadro de multipolaridade, basta ver outras ocasiões no último século, em  particular os desdobramentos da  crise de 29/33 e a Segunda Grande Guerra. “Desta emergiu um mundo bipolar, hegemonizado pelas potências vencedoras. Com a derrota do socialismo e o fim da URSS passou-se a um mundo unipolar cada vez mais contestado. A crise centrada nos EUA joga água no moinho desta tendência”, concluiu o expositor.


 


Crítica e autocrítica


 


Após a exposição detalhada do jornalista Dilermando Toni, seguiram os comentários de Valton Miranda que, inicialmente, destacou a necessidade de se evitar uma análise reducionista e determinista da atual crise. Para Miranda não se pode considerar que o socialismo surgirá inevitavelmente da crise do capitalismo pois isso seria incorrer no mesmo erro dos que determinaram o “fim da história”. Para ele “o marxismo não é um instrumento bíblico no caminho da verdade” e por isso deve-se fazer uma crítica profunda ao capitalismo, – “um gigante de joelhos, mas que não está morto, pode surgir das cinzas” –  mas também os marxistas devem fazer autocrítica. Na sua ótica a esquerda, com uma visão absolutista da política,  “entrou em conluio com o sistema e substituiu o debate e as saídas econômicas pelos manejos da política, pelas conquistas eleitorais”.


 


Com uma visão severa, Valton acredita que a experiência socialista em cerca de 30 países não foi muito além do que chamou de “medidas beneficientes”, com uma prática e uma teoria no compasso do capitalismo e que os intelectuais foram incapazes de fazer uma crítica mais profunda da experiência. Neste sentido considera que o socialismo não surgirá “das coisas postas”, mas acredita que o novo regime terá fôlego para ressurgir com sangue novo. Miranda aposta na recuperação da esperança e insiste na necessidade de um maior aprofundamento do estudo do marxismo, assim como na necessidade do movimento social retomar seu protagonismo e não servir de massa de manobra para processos políticos eleitorais. Para ele, este é o caminho para se enfrentar e superar a crise do capitalismo tendo como perspectiva o socialismo.


 


Debate necessário


 


O Presidente estadual do PCdoB, Carlos Augusto Diógenes, o Patinhas, elogiou a iniciativa da seção cearense da Fundação Maurício Grabois ressaltando que tais iniciativas servem para que se discuta, de forma aberta, temas fundamentais para o desenvolvimento da luta progressista no Brasil. Patinhas ressaltou que os comunistas se sentem muito a vontade em debater  profundamente assuntos polêmicos, inclusive questões relevantes colocadas por Valton Miranda, que ainda estão em debate desde a crise do socialismo, há mais de vinte anos.


 


O dirigente do PCdoB observou que em 1991, após o fracasso da experiência socialista, o quadro era de hegemonia capitalista, crise da ideologia socialista e crise de identidade dos comunistas, quando partidos comunistas em todo o mundo chegaram a mudar de nome e abandonar definitivamente a luta. Em 2008 o capitalismo vive um crise profunda e os comunistas precisam dar uma resposta especialmente para os trabalhadores. Para tanto é necessário estudar e debater a crise capitalista, procurar entendê-la. Patinhas destacou que é um momento de afirmação dos comunistas. “É uma ocasião para respirar mais forte, ressuscitar o socialismo como alternativa ao capitalismo, unir forças, chamar todos os marxistas para um debate, sem determinismo, sem modelo único”, afirmou o presidente do PCdoB no Ceará, que segundo ele, fará todo o esforço possível para atingir tais objetivos.


 


 


 


De Fortaleza,
Inácio Carvalho