Roqueiros protestam contra uso de músicas para torturar
Saindo de uma caixa de som em sua minúscula cela no Iraque, o rock virulento do Nine Inch Nails atinge o prisioneiro Nº 200.343 como um cacetete sônico. “Tinto como o sangue em seus dentes”, rosna em alto volume o vocalista Trent Reznor.
Publicado 14/12/2008 20:16
A tortura sonora chega a durar dias, semanas e até meses no centro de detenção militar no Iraque, com AC/DC, Queen, Pantera. Donald Vance, de Chicago, conta ter se tornado um suicida.
A tática ficou comum durante a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque e Afeganistão.
O general Ricardo Sanchez, comandante do exército no Iraque, autorizou a prática em 2003, como uma forma de “criar medo, desorientar e prolongar o choque.”
Agora, os detentos não são os únicos a reclamar — os músicos estão se unindo para pedir ao exército norte-americano que pare de usar suas músicas como arma.
Uma campanha lançada na semana passada inclui grupos como Massive Attack e roqueiros como Tom Morello, do Rage Against the Machine e Audioslave.
A ação consiste em promover minutos de silêncio durante shows e festivais, segundo explica a advogada Chloe Davies, que representa diversos detentos do campo de concentração da base ilegal de Guantânamo e é uma das organizadoras da iniciativa.
“Sugiro que prendam George W. Bush numa cela e o torturem com Rage Against the Machine”, disse Morello em um de seus shows.
Vance, que foi preso por relatar a venda ilegal de armas, estava acostumado ao rock ‘n’ roll.
Mas, para muitos detentos que cresceram no Afeganistão, os violentos interrogatórios do exército norte-americano marcaram sua primeira experiência com o gênero.
Muitos não resistiram.
Binyam Mohammed, hoje prisioneiro em Guantánamo Bay, diz que alguns companheiros de cela acabavam gritando e batendo as cabeças contra as paredes.
“Tocaram música alta por 20 dias”, conta Vance, citando Eminem e Dr. Dre.
“Também tive de ouvir hard rock sem parar. Muitos perderam a cabeça. Perdi as contas de quantas vezes ouvi ‘We will rock you’ do Queen. Você perde a capacidade de formular os próprios pensamentos num ambiente como esse”, disse.
O produtor e compositor da trilha de “Vila Sésamo” ficou horrorizado ao descobrir que suas músicas eram usadas para tortura nas prisões.
O porta-voz do centro de detenção de Guntánamo não forneceu detalhes de quando e como a música foi usada na prisão.
Agentes do FBI que trabalham no local citaram diversos casos em que os detentos foram torturados com música, dizendo terem sido informados de que aquela era uma prática comum.
Algumas sessões alternavam 16 horas de música e luzes com quatro horas de silêncio e escuridão.
Na hora da tortura, até música para criança faz parte do “set list”.
Christopher Cerf, compositor da trilha de “Vila Sésamo”, diz ter ficado horrorizado quando descobriu que as músicas do programa infantil foram usadas em interrogatórios.
“Eu não ia querer que minha música fosse parte disso”, disse.