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Presidentes latinos falam sobre a identidade dos movimentos

Ponto alto das comemorações de seus 25 anos, o ato organizado pelo MST, “Diálogo sobre a integração popular de nossa América”, reuniu 1200 pessoas, 60 organizações e quatro presidentes latinos, nesta quinta (29). Realizado em Belém — em meio ao Fórum Soci

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, brincou com as diferenças etárias entre seus colegas e sintetizou o espírito do encontro. “Vejo aqui um índio boliviano (Evo Morales), um pastor paraguaio (Fernando Lugo), um economista equatoriano (Rafael Correa), e eu, um soldado, como o cubano Fidel. Sim, Fidel está aqui, ele é como parte de todos nós. Mas nós não somos presidentes. Somos tipos que andam por aí e, embora não queiram, seguiremos andando por aí. Creio que todos os dias existirão mais tipos como nós.”


 


Chávez fez um histórico das décadas de resistência dos movimentos sociais ao neoliberalismo. “Sempre o denunciaram, mesmo quando poucos podiam ouvir, e agora o neoliberalismo se revelou em uma grave crise. É hora de fortalecermos ainda mais nossas organizações. Precisamos propor, agir juntos. O momento é de desenvolvermos a Alba (Alternativa Boliviana para as Américas) e tantos outros sonhos que só com o apoio de povo será possível de se realizar.”


 


Para Evo, a participação e a integração popular estão relacionadas à aprendizagem. “Desde que cheguei aqui, fiquei olhando as gentes que passavam nas ruas, as pessoas em suas casas. Vi então neste Fórum inúmeras outras pessoas que admiro dos mais diversos lugares do mundo. Agora estou diante de vocês e posso afirmar que aqui estão os professores que me fizeram presidente.”


 


O papel decisivo que a população boliviana jogou para a recente aprovação de sua Constituição, a luta incessante pela garantia de bens naturais essenciais — como terra e água —, foram temas lembrados por Evo. “Direitos humanos não podem ser negócios privados, mas sim um direito público.” Diante de uma grande plateia ligada às pastorais e ao estudo da Teologia da Libertação, Evo defendeu: “um outro mundo é possível, assim como também é possível uma nova religião.”


 


Socialismo e participação


 


A reconquista da dignidade do povo Paraguaio foi o principal tema explorado por Lugo. “Qual a dimensão de nossas fronteiras? Se temos fé na América Latina, as fronteiras não deverão ser maiores do que a integração. Ela não pode ser um tratado leonino, como o que vigora sobre Itaipu, mas sim baseado na transparência e no desenvolvimento de igual para igual.”


 


Correa falou das iniciativas em defesa da Amazônia e problematizou as dificuldades da integração entre o Estado e a sociedade. “Não temos medo de dizer a verdade: há uma distância imensa entre o que o povo precisa e o que o Estado oferece. Para diminuir essa distância é que o Estado precisa agir em coletivo com a sociedade organizada. Por esse caminho podemos chegar ao socialismo, que é o verdadeiro resgate da sociedade.”


 


Todos os presidentes, cada qual a sua maneira, lembrou da importância dos movimentos populares para as grandes vitórias eleitorais que se deram nos últimos anos no continente. Além dos chefes de Estado, também a Marcha Mundial das Mulheres, a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), o movimento Jubileu (do Haiti), e o anfitrião MST compuseram a mesa.  


 


Questão de correlação de forças


 


O último orador, João Pedro Stédile, do MST, proferiu seu discurso em espanhol e preferiu falar sobre correlação de forças à refletir sobre o papel dos movimentos nas eleições. “Aqui não se trata de um comício, de um convite, do protagonismo desta ou daquela parcela da sociedade, mas sim de um processo latino americano de integração pela libertação dos povos”, afirmou Stédile.


 


“Se trata de uma luta de classes que se dá pela co-relação de forças. Da força que o povo pode acumular e não de discursos. O povo participa das eleições para acumular força pela conquista da unidade popular. Não é pelas eleições que se enfrentará o capital. Por isso queremos a Alba, porque é um instrumento fundamental neste processo de integração, de acumulação de forças por mudanças profundas na sociedade”, disse a liderança.


 


Presença sentida no inédito encontro em um FSM foi a ausência do presidente Luis Inácio Lula da Silva. “Não convidamos o presidente Lula porque o Brasil está fora da Alba. Não se trata de um problema político ou de retaliação. Nós não fomos convidados para o ato de Lula com estes mesmos presidentes e compreendemos, porque o ato não incluiu os movimentos sociais. Assim como aqui não caberia países fora da Alba”, explicou ao Vermelho João Paulo, da coordenação nacional do MST.


 


Cantoria presidencial


 


Segundo João Paulo, o ato comemorativo aos 25 anos do MST foi de todos os movimentos. “Recentemente, fizemos uma mobilização de comemoração dos 25 anos no Rio Grande do Sul. Esse capítulo de hoje nos deixa muito feliz. Entendemos que essa não é apenas uma atividade do MST, mas de todos aqueles movimentos que se solidarizam e saúdam a nossa luta.” 


 


Em clima de festa, os quatro presidentes encerraram o ato quebrando protocolos e cantando a canção Hasta siempre comandante Che Guevara, de Carlos Puebla.  Leda Guevara, a filha de Ernesto Che Guevara, que estava em meio ao público, foi chamada por Chávez para subir ao palco e se juntar a cantoria, pedido que foi prontamente atendido.


 


Após a apresentação inusitada, os presidentes seguiram em comitiva para o Hangar, onde ocorreu um ato com o presidente Lula e que teve como tema central o enfrentamento à crise econômica pelos governos dos países latinos. O Fórum segue até 1º de fevereiro e ocorre paralelo ao Fórum Econômico de Davos, na Suíça, onde a elite econômica mundial está reunida.


 


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– Recado do FSM ao mundo: Unidade, Integração e Socialismo 


 


Fotos: Manuel Messina 


 


De Belém,
Carla Santos