Assembléia do MA homenageia desaparecidos, mortos e torturados da Ditadura Militar
Durante ato foi concedido o título de cidadão maranhense ao filósofo e jornalista português Alípio de Freitas. Ato homenageou também perseguidos pela Ditadura Militar, entre eles o Secretário de Organização do PCdoB/MA, Etelvino Oliveira.
Publicado 18/02/2009 16:39 | Editado 04/03/2020 16:48
“Esta solenidade de concessão de Título de Cidadão Maranhense ao filósofo e jornalista português Alípio de Freitas, pela Assembléia Legislativa do Maranhão, tem, dentro de si, a marca do tempo. Esta cerimônia não é apenas uma homenagem justa e merecida a alguém, ela é o reconhecimento da história construída por aqueles e aquelas que viveram os sonhos e as utopias de uma geração, enfrentando, audaciosamente, os mais diversos obstáculos, contra toda sorte de tirania, opressão e injustiça social.”
Com estas palavras a deputada Helena Heluy deu início a uma sessão histórica na Assembléia Legislativa que também homenageou Manoel da Conceição Santos, fundador nacional do Partido dos Trabalhadores, Etelvino de Oliveira Nunes, Secretário de Organização Política do PC do B, além dos familiares de Augusto José do Nascimento.
Helena “socializou”, “em nome do Parlamento, num gesto de partilha, esta homenagem àqueles e aquelas que me acostumei a admirar pelo enfrentamento que souberam fazer, em seus espaços de resistência, aos títeres, aos déspotas, aos carrascos que mancharam a história deste país”.
A deputada citou, nominalmente, Rui Frazão Soares (desaparecido) Hubert Macedo e João Rocha; os cassados Sálvio Dino, Benedito Buzar e Ricardo Bogéa (deputados estaduais); os deputados federais Neiva Moreira, Cid Carvalho e Renato Archer – também cassados; Maria Nazaré de Castro Gomes Pedrosa – nossa eterna tesoureira da União Nacional dos Estudantes, atingida em seu mandato pelo golpe militar, obrigando-a a uma clandestinidade Brasil afora; José Mário Machado Santos, liderança universitária e política inconfundível e insubstituível, vereador à Câmara de São Luís, também cassado; Nagib Jorge Neto e Nonato Cruz, lideranças estudantis secundaristas maranhenses e em nível nacional; os suplentes de deputado estadual Bandeira Tribuzzi, (economista, poeta, professor e jornalista) Vera Cruz Santana, jornalista e liderança sindical; Joaquim Mochel, William Moreira Lima e tantos e muitos outros agredidos e violentados em seus direitos políticos. Helena fez um destaque especial para a médica Maria José Aragão, “síntese da essência maior da bravura e da coerência militantes”.
Na mesma sessão, a presidente da Comissão dos Mortos e Desaparecidos, Vera Rota, representando na solenidade o ministro Paulo Vanucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, fez o lançamento do livro “Direito à Verdade e à Memória”. O livro traz a história de cada preso político durante o regime militar.
Ao final do discurso, Helena disse que “não podemos deixar de conhecer, por medo, a história recente de nosso país, principalmente no que diz respeito às duas ditaduras do século passado. E desejou que o Brasil avance, efetivamente, na consolidação do respeito aos Direitos Humanos, como expressão maior do respeito à dignidade de todos e de todas.
Perseguidor de Utopias – Falando em seguida, o filósofo português Alípio Cristiano de Freitas declarou que a perseguição da utopia é um trabalho permanente que começa onde a gente mora. Em sua visão, a democracia nasce de baixo para cima, ou seja, nenhum país é democrata apenas porque elege um Congresso e um presidente da República. Sonhando com uma cidade onde não há muros, o novo maranhense declarou que foi em São Luís que aprendeu a amar o povo.
Para ele é necessário que as pessoas não desistam, não se reformem, nem se aposentem. “A luta dos que acreditam num mundo melhor tem de continuar, pois a maioria das pessoas está fora dessa luta”. E encerrou o seu discurso com estas palavras: “em qualquer lugar onde eu esteja, viajo a serviço da idéia de construir um mundo novo; enquanto eu tiver um sopro de vida este será o meu propósito, pois quero continuar sendo um perseguidor de utopias, um construtor desse novo mundo. “
Perfil do agraciado – Alípio Cristiano de Freitas é português, natural de Bragança, Trás–os-Montes, onde cursou Filosofia e Teologia no Seminário Maior de São José. O sacerdote chegou ao Brasil em 1957 para trabalhar na cidade de São Luís, no Maranhão. Aqui foi professor de História Antiga e Medieval e História da Filosofia. Foi vigário da paróquia recém-criada no bairro Matadouro, hoje envolvendo floresta e Fé em Deus, entre os anos de 1959 e 1962.
Em 1957, com a crise da fábrica Camboa, o então padre Alípio de Freitas iniciou uma ativa e permanente presença nos bairros conhecidos como suburbanos, estimulando a criação de associações de moradores, formação de núcleos de jovens trabalhadores e um projeto de escolas populares. Integrou as Ligas Camponesas, sendo eleito para a Secretaria Executiva da Frente de Mobilização Popular. O padre se desligou da hierarquia da Igreja Católica, embora sem se afastar dos valores cristãos que sempre nortearam sua vida.
Como dirigente das Ligas Camponesas, foi preso pelo golpe militar de 31 de março de 1964, mas pediu asilo no México, seguindo daí para Cuba. Retornou ao Brasil clandestinamente e participou da “guerra revolucionária” cujo objetivo era derrubar a Ditadura Militar e restabelecer a democracia. Preso em maio de 1970, foi conduzido ao DOI-CODI do Rio, onde sobreviveu à tortura depois de peregrinar por presídios como Ilha Grande, Tiradentes, Penitenciária de São Paulo, Carandiru, Brasília, Fortaleza de Santa Cruz, Bangu e Lemos de Brito. O ex-sacerdote, que não quer reparações do Estado brasileiro, fundaria em 1993, a Casa do Brasil de Lisboa.
Direito à Memória e à Verdade – A representante do ministro Paulo Vanucchi, Vera Rota, disse ser de grande importância que em cada casa legislativa desse país, cada escola, cada instituição, no nosso dia a dia, lembremos estes momentos da história do Brasil. “Lembrar e contar os acontecimentos da nossa história é uma forma de garantir o futuro e a consolidação da democracia”, afirmou.
Ela acha que jogar luz no período de sombras e abrir todas as informações sobre violações de Direitos Humanos ocorridas no último ciclo ditatorial, são imperativos urgentes de uma Nação que reivindica, com legitimidade, novo status no cenário internacional e nos mecanismos dirigentes da ONU. Segundo Vera Rota, o projeto Direito à Memória e à Verdade, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, tem o objetivo de recuperar e divulgar o que aconteceu nesse período da vida republicana brasileira.
Além do lançamento do livro “Direito à Memória e à Verdade”, a campanha de mesmo nome prevê ainda uma exposição fotográfica, ainda sem data marcada para São Luís.