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A guerrilha musical de Fidel: uma banda na Sierra Maestra

Dois repórteres da Brasil de Fato — Igor Ojeda e Tatiana Merlino — foram a Bartolomé Masó, em Cuba, para lembrar a história da banda Quinteto Rebelde. Em plena Sierra Maestra, esse grupo musical cubano tocava para desmoralizar os inimigos e alegr

Eugenio estava aterrorizado. Sua barriga, seu corpo inteiro, tremiam. Via-se em uma trincheira, em pleno combate. Balas e bombas voavam de um lado para o outro, e o barulho da batalha era ensurdecedor. A certa altura, um morteiro cai em uma área próxima. Alguém ao lado provoca os adversários: “Isso é um morteirinho! Afinem a pontaria!”.


 


A “súplica” parece ter sido ouvida. Logo em seguida, outro morteiro cai dentro da trincheira. A explosão é tão grande que levanta Eugenio do chão e o joga longe. Outro combatente exclama: “Andem, andem!”. Eugenio sai correndo. Quando pára, reclama de uma dor no peito. Os homens a seu lado riem e atenuam: “Menos mal que você não caiu nas mãos do inimigo para ver como seria a coisa!”.


 


Com sua família, Eugenio participava do combate de Santo Domingo, na Sierra Maestra, em Cuba, em meados de 1958, um dos períodos mais decisivos da guerra entre o Exército Rebelde, de Fidel Castro, e as forças do ditador Fulgencio Batista. Mas, ao contrário de seus companheiros, não carregavam pistolas nem fuzis.


 


Na verdade, as armas que levavam nas mãos eram instrumentos musicais: violão, maraca, marimba, clavicórdio, bongô. Eugenio e sua família formavam o Quinteto Rebelde, grupo musical idealizado por Fidel que, desde 1957, contribuía com a revolução entretendo a guerrilha nas montanhas do oriente cubano.


 


Semianalfabeto, Eugenio tinha então 16 anos, e era o mais jovem dos músicos. Na época, mal entendia as motivações da insurreição armada à qual servia. Hoje, mais de meio século depois, aos 67 anos, é capaz de conversar com propriedade sobre os mais diversos assuntos. Fala com a naturalidade com que abre sua casa à reportagem, como quem recebe a visita de um amigo antigo. Extrovertido, gesticula, faz caretas, vira os olhos, sorri, gargalha e conta os detalhes da história que viveu. E não foi uma história qualquer.


 


Encontro com os rebeldes


 


Tudo começou em 1957, quando seu pai, Osvaldo Medina Parra, comprou um pedaço de terra na Sierra Maestra para viver com a esposa e os dez filhos. “Quando chegamos, na primeira semana já conhecemos os rebeldes. Tinham nos dito que havia um bandido na serra, que se chamava Fidel Castro”, lembra. O pai, que era então membro do Partido Ortodoxo — de caráter progressista —, já conhecia o Movimento 26 de Julho, organização criada pelo líder revolucionário.


 


Mas o primeiro contato foi com um desertor do Exército Rebelde que bateu à porta da casa da família pedindo ajuda. O homem havia levado uma surra e estava urinando sangue. “Chegou à minha mãe e disse que se não o atendesse, ele lhe daria um tiro ali mesmo, porque estava muito doente. Ela correu e lhe deu um par de sapatos e uma muda de roupas do meu pai.” O homem deixou o fuzil ali mesmo e partiu.


 


Duas horas depois, os rebeldes apareceram. Seguindo o rastro do homem, chegaram à casa dos Medina, e a mãe informou que ele já havia partido. “Ele se foi. Aqui está o fuzil e sua muda de roupa. Venham que vou fazer um café para vocês”, disse ela.


 


Foi então que os rebeldes viram os instrumentos pendurados na casa da família e perguntaram: “Quem é músico aqui?”. Nós, responderam os Medina. “Então toquem um pouquinho.” “Quando tocamos, nos disseram: 'olhem, não sabíamos que aqui na Sierra havia pessoas que pudessem tocar como vocês'. Então, depois de 15 dias, o Fidel passou por lá e mandou nos buscar”, lembra Eugenio.


 


Sua família criava porcos, galinhas, bovinos e plantava tubérculos. Na ocasião que recebeu o jornalista estadunidense Herbert Matthews, do New York Times — que apresentaria o guerrilheiro à opinião pública dos Estados Unidos —, Castro mandou buscar, com os Medina, carne e música. “Então, nos levaram para tocar pela primeira vez, para o jornalista e para todos os rebeldes. Estavam lá Fidel, Raúl, Camilo Cienfuegos. Nesse dia o Che não foi porque estava doente.”


 


Músicas de luta


 


Algum tempo depois, em 24 de fevereiro de 1958, para rebater “as mentiras que diziam quando davam notícias”, os guerrilheiros decidem criar um novo instrumento contra a ditadura de Batista. Surgia a famosa Rádio Rebelde.


 


Passado uns meses, os locutores da nova estação reivindicam a Fidel que, entre a veiculação das notícias, deveriam colocar música. “E que não seja de um músico ou cantor daqueles que há em Havana, porque aqui há uma revolução e os homens estão morrendo. Aqui, os filhos de Medina é que vão tocar.” A família de Eugenio foi chamada, então, para fazer um programa dominical.


 


“Estávamos um pouco assustados. Nós nunca havíamos cantado com microfone nem nada. Aí, chega um momento em que lembram que era preciso que o grupo tivesse um nome. Depois de algumas sugestões, o técnico da estação, Eduardo Fernández, disse: 'vocês são cinco, e são rebeldes, então vão se chamar Quinteto Rebelde!”.


 


Depois do primeiro programa, no dia 14 de maio, Fidel chamou o velho Medina. “O programa foi muito bom, mas é preciso que cantem música revolucionária, que tentem criar algo que os soldados do Batista escutem e fiquem desmoralizados e, ao mesmo tempo, que deixe o Exército Rebelde alegre.”


 


A demanda, no começo, foi um problema para a família: “Um analfabeto não pode fazer música. É impossível. Ainda que não seja compositor, se tem conhecimento cultural, pode fazer uma canção, mas não criar um número musical. Mesmo assim, nós criamos canções que diziam o que queríamos dizer, criamos nós mesmos, com a ajuda dos locutores da rádio. E daí surgiram Hay que Cuidar a Fidel, Que Venga la Ofensiva, Respeto a Che Guevara…”. Esta última, possivelmente representando o primeiro registro do nome do revolucionário argentino em uma música.