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Futebol feminino sofre grande preconceito na Turquia

Em um recente domingo frio e cinzento, dois times da primeira divisão turca de futebol entraram entusiasticamente em campo em um pequeno estádio nos arredores de Istambul. Os turcos são fanáticos por futebol, com os estádios recebendo dezenas de milhar

O clima provavelmente não foi o responsável pelo público irrisório; provavelmente foi quem estava jogando. Os dois times fazem parte da nova divisão de futebol feminino da Turquia, e apesar dos turcos serem fanáticos por futebol, há uma profunda ambivalência nesta sociedade socialmente conservadora, predominantemente muçulmana, em relação à prática do esporte pelas mulheres.



Na metade da primeira temporada com 18 rodadas, a liga recebeu uma combinação de indiferença, curiosidade e ocasional hostilidade.



“O futebol é visto como um esporte masculino na Turquia”, disse Nurper Ozbar, 30 anos, a técnica do Marmara Universitesispor, o time que lidera a segunda divisão da liga, que também conta com duas divisões jovens.



“Homens já vieram assistir nossos treinos e gritar para nossas jogadoras: 'O que vocês estão fazendo aqui? Vocês deviam estar em casa cozinhando!'”, disse Nurper, uma das poucas mulheres que ocupam o cargo de técnico na Turquia e a única em Istambul. “Levará tempo para mudar isso.”



A Turquia possui fortes ligas profissionais de basquete e vôlei feminino. Mas o futebol, em grande parte, permanece uma zona apenas masculina. Em um país com 70 milhões de habitantes, apenas 798 mulheres e meninas estão registradas como jogadoras na Federação Turca de Futebol. Em comparação, cerca de 230 mil jogadores do sexo masculino estão registrados na federação.



Para as jogadoras da liga feminina, o simples chegar até uma equipe pode ser um desafio monumental. Deniz Bicer, uma meio-campista da Gazi Universitesispor, a única equipe feminina da capital turca, Ancara, tem que viajar quase duas horas para chegar até o treinamento.



“No meu bairro, por ser considerado um esporte masculino, há uma pressão sobre mim e minha família para que eu não jogue futebol”, disse Bicer, 18 anos, após a vitória por 3 a 1 do Gazi sobre o Kartalspor.



“As pessoas ficam me dizendo que este é um esporte masculino, que eu devia me interessar por outros esportes, mas o futebol é minha paixão”, ela disse.



A nova liga é a segunda tentativa da Turquia de estabelecer o futebol feminino. Uma liga amadora com cerca de duas dúzias de equipes existiu na Turquia por uma década, até ser extinta em 2002 em meio a alegações de gestão fraudulenta e rumores de casos entre as jogadoras — algo particularmente escandaloso neste país.



Desta vez, a federação turca parece disposta a promover a idéia do futebol feminino entre uma nação cética.



“Muito do nosso trabalho é de relações públicas, para convencer as famílias de que meninas podem jogar futebol”, disse Erden Or, 33 anos, o dirigente de desenvolvimento do futebol feminino da federação.



“Algumas pessoas acreditam que jogar futebol pode prejudicar a constituição da menina e torná-la masculinizada”, disse Or.



“Elas acreditam que é um jogo masculino, de forma que temos que lhes dar provas de que podem jogar futebol sem problemas”, acrescentou Or, cuja esposa o repreende por brincar de futebol com a filha de 3 anos do casal.



Or tem promovido debates em diferentes cidades de toda a Turquia com a presença de técnicos e jogadoras, repondendo perguntas de pais preocupados e professores de educação física resistentes. Quando ele descobre uma garota cujos pais se recusam a deixá-la jogar futebol, disse Or, ele telefona para eles para ajudar a tranquilizá-los.



“Se ela quiser jogar, eu telefono diretamente para os pais, como um pai que faz perguntas sobre uma noiva”, ele disse.



Vender o futebol feminino também exige embonecá-lo. Um dos novos logotipos da liga exibe uma bela mão feminina com longas unhas pintadas de vermelho segurando uma bola de futebol. O plano de fundo da tela de computador de Or é uma foto de uma chuteira com salto alto.



Apesar do esforço de Or e alguma ajuda financeira da federação turca, a sobrevivência é difícil para a maioria dos times da nova liga. A imprensa praticamente a ignora e é difícil encontrar patrocinadores. O Kartalspor perdeu uma partida por não comparecimento há poucas semanas, porque a equipe não tinha dinheiro para a viagem de seis horas para Izmir.



“Nós recebemos muito apoio moral, mas não muito apoio financeiro”, disse Ozbar, a treinadora da Marmara Universitesispor. “Nós não temos patrocinador, de forma que pago nossas despesas do meu bolso.”



Ela acrescentou: “Nossas jogadoras não olham para isto como uma profissão, porque ainda não conseguem ganhar dinheiro com isto. Não dá para imaginar uma carreira no futebol”.



Mas há alguns sinais esperançosos para a liga. Apesar das equipes da primeira divisão tenderem a vir de cidades mais liberais, equipes femininas estão surgindo em locais improváveis, incluindo Hakkari, uma cidade na região predominantemente curda e conservadora no sudeste.



Em Sakarya, vizinha de Istambul, a série de vitórias da equipe feminina local levou um público de verdade aos seus jogos.



“Na Turquia, o maior poder é o sucesso”, disse Sinan Panta, 41 anos, o presidente da equipe Sakarya Yenikent Gunesspor Kulubu, que atualmente lidera a primeira divisão feminina com 10 vitórias, 1 empate e 1 derrota. “No nosso primeiro jogo, havia 100 pessoas. À medida que vencíamos, nós passamos a receber entre 2.500 e 3 mil torcedores em nossos jogos.”



Para a próxima temporada, Panta disse que reuniu dinheiro suficiente para trazer uma jogadora nigeriana, a meio-campista Onome Ebi, que jogou pela seleção de seu país nas Olimpíadas de 2008.



“As pessoas aqui inicialmente não gostaram da idéia de que mulheres pudessem jogar futebol, mas nós superamos essa idéia”, disse Panta, um ex-jogador profissional. “Nós atingimos nossa meta: nós fizemos Sakarya aceitar o futebol feminino. Nós tivemos sucesso em um local conservador.”



No jogo entre Kartalspor e Gazi Universitesispor, uma mistura de homens e meninos curiosos estava presente no estádio, uma estrutura de cimento fria e inacabada com vista para uma estrada movimentada. Lá estava Selmin Odabas, a mãe da jogadora chamada Selin, uma atacante veloz de 20 anos do time da casa.



“No início, nós não queríamos que nossa filha jogasse”, disse Selmin. “Nós temíamos que afetaria sua postura, sua personalidade, até mesmo sua orientação sexual. Nós a colocamos no vôlei, no atletismo, mas nada pôde detê-la.”



À medida que a técnica de Selin melhorava – ela foi convocada para a seleção nacional – a postura deles mudou, disse Selmin.



Ela apontou para um homem magro que, perto dali, gritava palavras de incentivo para as jogadoras do Kartalspor e xingava as adversárias.



“Agora o pai dela é um torcedor fanático”, ela disse.