Mulheres: Atuação política como uma extensão da casa
Por dificuldade em encontrar espaço em determinados grupos na Câmara, na Assembleia ou no Congresso Nacional, algumas mulheres tendem a migrar para comissões cujos temas estão ligados a direitos humanos, infância ou adolescência
Publicado 08/03/2009 11:05 | Editado 04/03/2020 16:35
Elas cuidam da casa, dos filhos, do bem estar da família e, quando saem para o trabalho, continuam tratando dos mesmos assuntos. Basta olhar para a composição de comissões técnicas do Legislativo brasileiro para perceber que, apesar de já estarem conseguindo furar o bloqueio em rodas de conversas masculinas, ainda é grande a polarização dos temas no parlamento. Na Assembléia Legislativa do Ceará, a única comissão que reúne entre titulares as três deputadas – de um total de 41 membros da Casa – é a de “Criança e Adolescente”, presidida por Rachel Marques (PT). Também é delas o grupo empenhado em discutir “Juventude”, sob o comando da deputada Lívia Arruda (PMDB). A única exceção é Ana Paula Cruz (PMDB), presidente da comissão de “Fiscalização e Controle”, composta por uma maioria de homens.
Na Câmara de Fortaleza, três das quatro vereadoras eleitas em 2008 também estão juntas na comissão de “Defesa dos Direitos Humanos, da Mulher, da Juventude, da Criança e do Idoso”: Leda Moreira (PSL), Eliane Novais (PSB) e Eliana Gomes (PCdoB). Com origem nos movimentos sociais femininos, Eliana conta que, quando chegou à Casa como suplente, ainda em 2007, ouviu “pequenas gracinhas” de alguns colegas. “Eles diziam: ‘Ah, agora só vamos ouvir falar de Maria da Penha’. Eu reagia, pedia seriedade, explicava que essa não é uma luta só minha”, lembra.
Já a senadora Patrícia Saboya (PDT), reconhecida por sua atuação parlamentar na área da infância e adolescência, relata que nunca sofreu preconceito por causa disso. Pelo contrário: ela diz que costuma ser procurada por companheiros de bancada para dar opinião em decisões que envolvem o tema. “Dentro de um leque de opções, eu consegui ser respeitada num assunto com o qual eu me identifico. Agora, é fato: quando se fala em economia, por exemplo, fica mais difícil se enturmar com eles”, reconhece.
Embora destaque que não há regras no que se refere à acomodação feminina nos núcleos parlamentares, a psicóloga mineira Betânia Diniz, autora do livro Identidade Feminina e a Inserção no Mundo do Poder, explica que fatores históricos justificam a preferência delas – e a repulsa deles – por determinados tópicos. “É impossível não citar a formação das mulheres e o longo período em que elas foram mantidas longe da esfera pública”, ressalta.
Durante pesquisa acadêmica realizada em 2006, a professora Marlise Matos, da Universidade Federal de Minas Gerais, constatou, em entrevistas com parlamentares, que muitas só conseguiam ganhar visibilidade quando se dedicavam a temas como saúde, educação e família. “Elas têm medo de ser desqualificadas, sentem-se constrangidas. Conversei com mulheres que relataram que, enquanto elas falavam na Tribuna, ninguém prestava atenção”, conta.
Alternativas
Apesar das dificuldades, as duas especialistas concordam que, quanto maior o nível de educação formal das parlamentares, mais chances elas têm de ascender em novos temas. Elas lembraram, no entanto, que outro fator definitivo para o bom posicionamento das mulheres no Legislativo independe de questões de gênero: força partidária e articulação política. “Há vários casos de mulheres que conseguem se impor em determinadas comissões por divisões de poderes acertadas entre os partidos”, ressalta Marlise.