Coisas que embranquecem os cabelos de Obama
A imprensa americana registra – deu até no site do New York Times – que os cabelos de Barack Obama estão embranquecendo visivelmente. Diz que isso ocorre com todos os presidentes, mas que o embranquecimento de Obama está sendo mais rápido. Um
Publicado 09/03/2009 17:12
A crise mundial capitalista, de dimensão sem precedentes e com seu centro em Wall Street, tem consumido o grosso da agenda e das energias de Obama. Neste front, ele conseguiu aprovar no último dia 17 o seu pacote de US$ 787 bilhões, em socorro basicamente aos bancos e empresas, porém contendo medidas antidesemprego e mais verbas para as Food Stamps (Vale Alimentação, uma espécie de Fome Zero americano, que existe desde a 2ª Guerra).
Bem mais ambiciosas foram as mudanças no projeto de orçamento US$ 3,55 trilhão anunciado a seguir. Ele revoga as isenções fiscais dadas pela administração anterior: prevê que as grandes empresas e os americanos com maior renda pagarão quase US$ 2 trilhões a mais de impostos nos próximos dez anos. A folga de caixa irá para um fundo de reserva de US$ 634 bilhões, destinado à saúde pública, um antigo tabu nos EUA, numa ''reforma global do sistema de saúde''. Isto representou uma guinada no que vinha sendo feito desde o governo Ronald Reagan (1981-1989).
Mesmo assim, a economia americana continuou derretendo. Todos os indicadores são negativos. A General Motors, ex-maior grupo capitalista do mundo, admite que pode pedir falência. E entrou em debate a alternativa, categoricamente descartada pela Casa Branca, de estatizar os dois ex-maiores bancos do mundo, Citigroup e Bank of America, para que não quebrem (hoje, os três maiores bancos do ranking mundial são chineses e estatais…).
''Governo bipartidário'' fracassou
No flanco político, fracassou a tentativa inicial de ''governo bipartidário'', ou seja, apoiado tanto pelo Partido Democrata como pelo Republicano. De nada adiantaram as conversas de Obama com o senador John McCain, seu rival na eleição de novembro; nem os apelos em nome da gravidade da crise; nem as concessões na montagem da equipe. Os republicanos têm votado em bloco contra as iniciativas da nova administração, que acusam de …''socialista''.
Isso não põe em xeque a governabilidade, pois os democratas têm razoável maioria nas duas casas do Congresso. Mas submete a uma guerra de desgaste a imagem de Barack Obama.
A popularidade presidencial já baixou de 82% na hora da posse para 68% em fevereiro (números do Gallup). Isso era previsível, dado o tratamento de superstar que Obama recebeu da mídia ao se eleger. Mas exigirá monitoramento no futuro, ainda mais em um país em recessão pesada, sob risco de depressão e deflação. As fraturas sociais e políticas americanas, que a campanha eleitoral deixou entrever e o pós-campanha voltou a encobrir, podem reemergir.
Política externa no piloto automático
Num quadro interno tão difícil e tão minado, a política externa ficou relegada ao piloto automático. Ela foi o ponto de partida da campanha do candidato Obama (que projetou-se inicialmente como crítico da Guerra do Iraque), mas certamente não foi o ponto de partida do presidente Obama e sa secretária de Estado Hillary Clinton.
Houve dois anúncios, simbólicos e feitos no primeiro dia: que o campo ilegal de prisioneiros em Guantânamo será desativado ainda este ano; e que os EUA deixarão de usar torturas.
Afora isso, o calendário de retirada das tropas do Iraque – cuja invasão completa seis anos do próximo dia 20 – nada acrescenta ao que já tinha sido arrancado, pelo governo de Bagdá, do ocupante anterior da Casa Branca: o prazo para o embarque do último soldado permanece o mesmo, no distante dezembro de 2011.
Em contraste, Obama decidiu enviar mais 17 mil soldados ao Afeganistão, junto com o general David Petraeus, que comandava as tropas no Iraque. O discurso afegão da nova administração é dúbio: acena com a possibilidade de diálogo com o Talebã, principal alvo da ocupação, mas também com uma intensificação da ação militar.
No Oriente Médio stricto sensu, onde avulta a chaga aberta do problema palestino, o único movimento de certo vulto foi a visita de uma delegação de primeiro escalão dos EUA à Síria, ainda em curso, após quatro anos de congelamento diplomático decidido por Bush. Os resultados da conversação parecem moderadamente alentadores mas não entusiasmantes, nem muito menos de curto prazo.
No curto prazo o que há é a declaração de Hillary, de que os EUA apoiarão qualquer governo que assuma em Israel. Isto quando vai se configurando que o governo será uma coalizão da direita (Likud) com a ultradireita (Israel Beteinur), que deixará a paz e os direitos humanos ainda mais longe no horizonte.
Cabelos brancos & Cia
Desde a posse Franklin Delano Roosevelt (1933), os americanos têm uma fixação nos 100 primeiros dias de seus governos. É certo que a segunda-feira em que escrevo estas linhas (9) é apenas o 49º dia do governo Obama. E o próprio presidente disse que acha melhor olhar para os 1.000 dias e não os 100.
Já se pode extrair alguma conclusão destas sete semanas? Não muitas.
Que os cabelos de Barack Obama estão embranquecendo mais depressa que os de seus antecessores.
Que a política externa permanece em compasso de espera, numa fila que a crise econômica furou inapelavelmente.
Que na política econômica há, sim, novidades de certo vulto em relação às administrações das últimas três décadas (inclusive a do democrata Bill Clinton).
Que em conjunto, para quem se elegeu à sombra de uma palavra mágica, ''Mudança'', ainda há muita mudança por entregar, na dependência da pressão que ele sofra por parte da opinião pública dos EUA e do mundo.
Que os cabelos de Barack Obama continuarão a embranquecer mais depressa que os de seus antecessores.