Dalai-lama quer reencarnar sem desencarnar
Os 50 anos do levante contra a reforma democrática e econômica conduzida pela China na Região Autônoma do Tibete estão aí. Boatos de monges revoltosos sendo duramente reprimidos pelo Exército Popular de Libertação da China já saltam nos noticiários onl
Publicado 09/03/2009 19:56
O dalai-lama é o posto mais alto da hierarquia budista tibetana. Segundo os cânones dessa religião, ele desencarna e reencarna. Alguns sábios monges budistas são encarregados de encontrar seu novo corpo, reencarnado em algum menino, por meio de sonhos e sinais, para novamenter trazê-lo ao cargo de dalai-lama.
Por isso existe um hiato de poder quando o dalai-lama desencarna e ''perde-se'' na multidão. Até que os responsáveis o reencontrem em meio às crianças dos outros senhores feudais, o posto fica vacante.
Assim que encontram o reencarnado, este pode indicar um monge que conduzirá o feudo até que tenha 18 anos, idade suficiente para governar. A coisa sucedeu assim por 14 encarnações do dalai-lama.
Com iPod pode?
Agora querem mudar tudo. As regras do jogo já não servem mais para a ''comunidade tibetana no exílio'', que vê com medo a próxima desencarnação do dalai-lama. Para isso, seus líderes, inclusive o próprio a desencarnar, estudam uma alteração nas regras do jogo. O medo é de a China encontrar um dalai-lama antes dos sábios tibetanos exilados. O medo é o de perder o principal emulador da separação do Tibete da China.
A primeira mudança na regra foi o dalai-lama dizer que vai reencarnar fora da China. A segunda é em escolher ''democraticamente'' o dalai-lama, via eleição. Claro que o colégio eleitoral é a ''comunidade tibetana no exílio''. Já têm até um candidato. Ele deixou a China há nove anos e é um karmapa-lama, o terceiro na hierarquia. Está pronto para assumir o posto, com 24 anos de idade. Adepto das novas tecnologias, ouve música em seu iPod, fala inglês e mandarim e é até reconhecido pelo governo chinês como o 17º karmapa-lama.
A bonitona princesa Yabshi Pan Rinzinwangmo, filha do panchen-lama, o segundo na hierarquia, é apontada também como candidata a dalai-lama. Seria a primeira vez que os budistas teriam uma dalai-lama, ''reencarnado'' em uma mulher por meio de voto ''popular''. Mas… espere aí, o dalai-lama ainda não desencarnou. Tais elocubrações estão dividindo os budistas separatistas.
Qual é a do dalai-lama?
Prêmio Nobel da Paz em 1989, o atual dalai-lama já foi um servidor do governo americano. Os contribuintes americanos, no auge da guerra fria, não sabiam que tinham o papa do budismo tibetano em sua folha de pagamentos. Claro que foi de forma secreta, mas com a divulgação de alguns arquivos, em 1990, soube-se que Tenzin Gyatso ganhou pouco mais de 180 mil dólares anuais para promover-se e promover a separação do Tibete da China.
Já seus “assessores para assuntos de separação”, como podem ser descritas as classes dominantes que o acompanharam a Dharamsala, ganharam 1,7 milhões de dólares anuais.
Diante do fracasso dos planos de fazer o Tibete ''desencarnar'' da China, os Estados Unidos resolveram gastar seus dólares com fogos de artifício mais vistosos. A ''contribuição'' anual ao dalai-lama cessou durante o governo Gerald Ford, na década de 1970, em uma mudança da estratégia de abordagem da guerra fria.
Em 1954, o 14º quarto dalai-lama Tenzin Giatso participou da primeira Assembléia Nacional Popular da China, que elaborou a Constituição da República Popular, tendo sido eleito como um dos vice-presidentes do Comitê Permanente dessa Assembléia.
Na ocasião, pronunciou um discurso afirmando: ''Os rumores de que o Partido Comunista da China e o governo popular central arruinariam a religião do Tibete, foram refutados. O povo tibetano tem gozado de liberdade em suas crenças religiosas''.
Em 1956, o dalai-lama assumiu a presidência do comitê provisório encarregado de organizar a região autônoma do Tibete. As relações entre os governos central e local estavam, portanto, normalizadas.
O conflito ressurgiu quando se cogitou em promover a reforma democrática do Tibete, separando a religião do Estado, abolindo a servidão rural e a escravidão doméstica, e redistribuindo a propriedade das terras e dos rebanhos, monopolizada pela aristocracia civil e pelos mosteiros.
Em seguida, levado às pressas em uma liteira conduzida por servos, Tenzin Gyatso e sua ''entourage'' instalam-se em Dharamsala, na vizinha Índia. É aí que entram os dólares americanos. A torneira, que se fechara com Gerald Ford, é reaberta por Reagan, por meio da recém-criada National Endowment for Democracy, um dos braços modernos da CIA, construída para ''exportar a democracia'' americana para os rincões mais distantes do mundo.
O dalai e seu mentor nazista
O filme ''Sete anos no Tibete'', estrelado por Brad Pitt e aclamado como um libelo pró-independência do território himalaio esconde na verdade uma das passagens mais obscuras da vida de Tenzin Gyatso.
O livro de mesmo nome foi publicado em 1953 pelo austríaco Heinrich Harrer e retrata o período passado pelo autor ao lado do 14º dalai-lama, quando este contava apenas 11 anos. O livro foi traduzido para 43 idiomas.
Após o lançamento do filme em 1997, um jornal alemão revelou que Harrer fazia parte das SS nazistas — tropas de elite de Hitler — desde 1933 e que foi bem acolhido na corte de Tenzin graças às boas relações entre a aristocracia do Tibete e alguns hierarcas nazistas.
Tenzin visitou seu amigo Harrer quatro anos antes de sua morte, e quando seu mentor nazista finalmente faleceu, o monge tibetano reconheceu sua influência escrevendo: ''Heirich Harrer foi meu amigo pessoal e aprendi muitas coisas com ele, particularmente sobre a Europa. Sentimos que perdemos um leal amigo do ocidente.''
Em 2003, o ''líder espiritual'' budista passou 18 dias nos Estados Unidos, onde se encontrou com o então presidente do país, George W. Bush e o então secretário de Estado, Colin Powell. Os EUA tinham recentemente estabelecido o Tibetan Policy Act, uma lei que regularizava a ajuda aos separatistas, em 2002.
A Casa Branca não divulgou o teor das conversas, mas, a julgar pelas declarações posteriores do dalai-lama, um dos resultados da visita foi sua incorporação à política de guerras preventivas, aspecto central da estratégia agressiva do imperialismo americano levada a cabo na administração Bush.
''É muito cedo para dizer se a guerra no Iraque foi um erro'', afirmou, para acrescentar em seguida sua convicção de que é necessário ''reprimir o terrorismo'', sem explicar o que queria dizer com ''reprimir''. Hoje o dalai-lama tem dificuldades cada vez maiores para explicar o que quer dizer, por exemplo, com ''reencarnar''.