Inácio Arruda: “A questão central é estabelecer políticas públicas em educação”
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) realizou nesta quarta-feira (18) audiência pública para discutir o projeto de lei da Câmara 180/08, que tramita na comissão e prevê a adoção de política de cotas sociais e raciais para ingresso nas univ
Publicado 19/03/2009 09:42 | Editado 04/03/2020 16:35
Metade das vagas reservadas (25% do total) deve ser preenchida por estudantes oriundos de famílias com renda per capita de até 1,5 salários mínimos. A outra metade é reservada a alunos negros, pardos e indígenas. O projeto se encontra na pauta da CCJ e ainda precisa passar pela Comissão de Direitos Humanos e pela Comissão de Educação para então ser apreciado pelo Plenário do Senado. Se receber alguma emenda no Senado, precisa retornar à Câmara, sua casa de origem, para dar parecer sobre as modificações recebidas.
O texto em análise prevê que as vagas por etnia devem ser preenchidas de acordo com a proporção de cada grupo na população do estado onde se localiza a instituição de ensino federal, em conformidade com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As universidades públicas selecionarão os alunos do ensino médio em escolas públicas tendo como base o coeficiente de rendimento, conseguido por meio de média aritmética das notas ou menções obtidas no período, considerando-se o currículo comum a ser estabelecido pelo Ministério da Educação. As cotas deverão ser respeitadas em cada curso e turno das universidades. A seleção para as vagas fora das cotas continuaria a seguir o padrão do vestibular até a definitiva extinção desse sistema de provas.
De acordo com o texto do projeto, as universidades terão o prazo de quatro anos para o cumprimento das regras, implementando no mínimo 25% da reserva de vagas determinada pela proposta a cada ano. O texto faculta às instituições privadas de ensino superior o mesmo regime de cotas em seus exames de ingresso. O projeto agora na CCJ prevê a revisão do sistema de cotas dentro de dez anos.
Ao se pronunciar sobre a proposta, o Senador Inácio Arruda disse que a oportunidade de se debater o assunto já é um grande passo, mesmo que seja necessário o retorno da matéria à Câmara dos Deputados para seu aperfeiçoamento, e que a questão central é estabelecer políticas públicas em educação que diminuam as diferenças: “A discriminação que existe no Brasil se deu em razão da história de formação do nosso país, contra as nações nativas e contra os negros que vieram para cá. Porém, todos têm capacidade enorme e tendo oportunidades, vão demonstrar isso objetivamente”, observou o parlamentar.
Ele citou a existência, na prática, de uma disparidade brutal entre escolas públicas e privadas: “Hoje existe uma reserva de vagas inversa, na medida em que os estudantes que conseguem ingressar nas universidades públicas são os que podem pagar, enquanto os que não podem pagar vão para universidades particulares”. O Senador relembrou o exemplo da criação de mecanismos como o ProUni e o ReUni, para expandir vagas nos cursos universitários e ampliar a estrutura das universidades, que igualmente geraram polêmica.
Palavra de especialistas
Durante a audiência pública desta quarta-feira, o juiz federal, coordenador e professor do Educafro (Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes), William Douglas afirmou que os estudantes pobres do país são discriminados, mas os pobres negros são muito mais discriminados ainda. O professor manifestou-se favorável à aprovação do projeto e disse ter sido inicialmente contrário a esse mecanismo, mas mudou de opinião em decorrência do convívio que teve com adolescentes pobres e negros que não conseguiam ser bem-sucedidos nos estudos e no campo profissional por serem negros. Ele pediu a aprovação do projeto, ainda que o texto contenha imperfeições: “Tratar os desiguais desigualmente é justo e não é inconstitucional. Se o Senado aprovar esse projeto estará fazendo uma grande ação pelo país. Vamos dar dez anos para esses meninos e meninas. É tudo de que eles precisam e é isso que eu peço”, afirmou William Douglas.
Outro apoiador da proposição, o procurador de Justiça Augusto Werneck, integrante do Movimento dos Promotores de Justiça do Brasil, disse que, em sua opinião, a política de cotas deveria perdurar não apenas por dez anos, mas pelo tempo de uma geração, ou seja, por pelo menos 25 anos. Esse é o período mínimo necessário, defendeu ele, para que o país faça a reparação devida aos descendentes dos dez milhões de negros que entraram no Brasil nos 300 anos em que perdurou a escravidão. Ele garantiu que a política de cotas é constitucional e atende aos critérios de razoabilidade, servindo ainda para tornar visível um fato social que não pode mais ser negado: o de que o negro é discriminado.
Já o professor Demétrio Magnoli condenou o projeto alegando que a proposta significa fazer o que a história do país não conseguiu: que as pessoas, da forma como já acontece nos Estados Unidos, se definam pela raça, segundo ele uma mitologia que não tem amparo nem na ciência genética nem na própria história.
Do ponto de vista genético, observou, os brasileiros possuem ascendentes de todos os grupos étnicos. Os defensores das cotas também estão negando que, no período da escravidão, nações africanas vendiam negros de outros grupos e que, no país, muitos negros também se tornaram proprietários de escravos: “Há uma mitologia extraordinária para ocultar jogo político que não tem nada a ver como o século dezenove”, afirmou.
Para o representante da organização não-governamental (ONG) Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o projeto em discussão permite a prática da diversidade e do convívio social efetivo e real entre os alunos no âmbito do sistema educacional. Ele acredita que a política vai fazer com que os alunos da classe média possam voltar para as escolas públicas. Daniel Cara aproveitou para citar relatório emitido em 2008 pela Universidade de Brasília (UnB) com os resultados obtidos pela primeira turma de cotistas – os que ingressaram em 2004 na universidade. De acordo com o relatório, o desempenho desses alunos foi pontuado em 3,9 (em uma gradação de 0 a 5), acima da média da instituição, que é de 3,8. O documento indica também que apenas 1% dos 378 alunos que ingressaram na UnB pela política de cotas naquele ano abandonou seus cursos.
Wellington do Carmo Faria, da Coordenação Nacional do Movimento dos Sem Universidade (MSU), também destacou o caráter suprapartidário do projeto de reserva de vagas e apontou como principal característica da proposta a possibilidade de propiciar o equilíbrio entre as classes sociais e as raças no Brasil. Para ele, a segurança pública também vai melhorar se esse equilíbrio na sociedade for melhorado.
Falando em nome do Fórum da Educação Indígena, Rosani Fernandes Kaingang, mestranda de Direito, defendeu a proposta, declarando ser uma das beneficiárias de uma ação afirmativa. Para ela, é justo que exista algum tipo de política que reduza a situação de exclusão em que vivem alguns grupos, como é o caso dos indígenas: “Se o Estado é plural e ético, tem que pensar em critérios diferentes para acesso a essas pessoas tão excluídas. Essa seria uma forma de esses grupos firmarem sua identidade. Isto é justo, adequado e eficiente”, afirmou.
Fonte: Assessoria de imprensa do Senador Inácio Arruda