Banco Central chinês propõe o fim da “era do dólar”
O Banco do Povo da China (o banco central chinês) formulou um volumoso conjunto de propostas para uma reforma financeira internacional. E seu presidente, Zhou Xiaochuan, expressou energicamente seu desejo de por fim à época do dólar. Não se trata de uma a
Publicado 27/03/2009 20:58
“Em janeiro de 2009, a China possuía papéis do Tesouro dos Estados Unidos no valor de US$ 739 bilhões, contra US$ 535 bilhões em junho de 2008. No entanto, o governo americano colocou a demanda da economia interna acima dos interesses de seus credores, o que fez a China se preocupar com uma possível inflação do dólar que ela iria pagar caro.”
“Ações sensatas na crise”
“Como diz Zhou Xiaochuan, pode-se ampliar a emissão de direitos especiais de sque (SDR na sigla em inglês) do Fundo Monetário Internacional para criar uma supermoeda de reserva. O SDR é um tipo de ativo de reserva internacional. Para tornar a proposta realizável e aceitável por mais países, Zhou propôs que se amplie o uso do SDR e se autorize o FMI a administrar parte das reservas dos países com superávits. Este é im bom plano”, diz o Financial Times.
“A China adotou ações sensatas na crise em curso visando ampliar a demanda interna com gastos estatais. Pequim deseja desempenhar o mesmo papel no reestabelecimento da ordem financeira mundial. Este conceito de orientar-se para o exterior merece acolhida”, diz ainda o jornal britânico.
O site do Diário do Povo reproduziu estes trechos do Financial Times, inclusive nas suas versões em línguas estrangeiras. O órgão do Partido Comunista da China não faz seus próprios comentários.
“Observações” para novas normas mundiais
O mesmo Banco do Povo da China, com a responsabilidade que possui na terceira maior economia do mundo, publicou em seu site um texto intitulado Reforma do quadro de regulação financeira Internacional: algumas observações. Assinado pelo Instituto de Pesquisa em Finanças e Bancos do BPCh, o documento não se refere ao fim do padrão-dólar. Mas usa termos contundentes tanto no diagnóstico como na receita da reforma.
Veja os trechos principais:
“Em meio à atual crise financeira, a necessidade de uma reforma de monta no sistema financeiro mundial e de um quadro de estabilidade financeira mundial têm sido cada vez mais reconhecida. Governantes e organizações internacionais têm feito grandes esforços para melhorar o sistema financeiro internacional, incluindo nele a regulamentação e supervisão financeiras.
Todos estes esforços contribuirão para afastar a crise atual e riscos futuros. No entanto, também observamos que várias questões sobre a regulação financeira não receberam atenção suficiente. Nesta nota, gostaríamos de explorar estes temas e fornecer sugestões relevantes.
1. Problemas da regulação financeira expostos pela crise
A atual crise financeira originou-se da crise do subprime nos Estados Unidos e rapidamente disseminou-se pelo resto do mundo através de produtos, instituições e mercados financeiros. O galopante propagação da crise demonstra que as questões da filosofia, da eficácia e da cooperação internacional quanto à regulação financeira devem ser resolvidas, que regulação e supervisão eficazes formam a mais poderosa força exterior para conter riscos no setor financeiro.
1.1. Filosofia da regulação: excesso de confiança na autoregulação dos agentes do mercado
Em termos de filosofia da regulamentação financeira, alguns países desenvolvidos têm confiado e,m excesso na autoregulação do mercado, acreditando na “a menor regulação é a melhor regulação”. De fato, as instituições financeiras envolvidas nas quebras da Enron e da WorldCom, nas crises de liquidez envolvendo certas instituições financeiras, na fase inicial da crise atual, deviam ter compelido os controladores a melhorar sua supervisão.
No entanto, as autoridades falharam na prática dessas tão necessárias ações sistemáticas. Uma das mais importantes razões pdesta omissão é a convicção de que o mercado pode corrigir a si próprio, o que levou à ignorar as vulnerabilidades do setor financeiro, derivadas da natureza das instituições financeiras, que busca o lucro. A evolução da crise demonstrou que, devido à natureza lucro-propulsionada dos agentes mercantis, as forças do mercado, sem controle, levam a bolhas e em última instância a desastrosos ajustes de contas sob a forma de crises financeiras como a atual, devastando as finanças globais e a economia do mundo.
1.2. O sistema regulatório deve avançar a tempo para não ficar atrás das inovações financeiras
A evolução da crise financeira provou que inovações financeiras criaram novas fontes de riscos sistêmicos, como as operações OTC (Over The Counter) eos “parabancos”. Estas entidades, às voltas com problemas internos e ligadas a instituições financeiras tradicionais, são propensas a provocar riscos sistêmicos. Os conglomerados financeiros estavam na sua maior parte envolvidos com produtos financeiros não-convencionais e negócios concebidos para contornar normas, o que criou uma outra fonte de riscos sistêmicos.
A atual crise mostou claramente que o modelo predominante de regulação se atrasou em relação às inovações da atividade das finanças. De acordo com o atual modelo regulador, só são reguladas as instituições financeiras que lidam com depósitos e produtos financeiros convencionais com vínculos externos evidentes; enquanto entidades “parabancárias” e operações OTC sofrem pouca ou nenhuma supervisão.
Além disso, instituições financeiras de diferentes tipos ou domiciliadas em diferentes jurisdições, e com diferentes produtos, estão sujeitas a diferentes normas e sistemas de regulação. E mais: a falta de coordenação entre as autoridades reguladoras limitou as possibilidades de arbitragem reguladoa. Como resultado, as instituições financeiras conseguem contornar normas rigorosas e maximizar resultados anormais. A excistência de diferentes tipos de arbitragem estimulou o rápido desenvolvimento de entidades “parabancárias” e operações OTC, permitindo ainda que os fundos hedge desfrutassem do tratamento de centros financeiros offshore (extraterritoriais).
O rápido desenvolvimento do mercado financeiro e da economia real durante a última década levou os líderes de algumas grandes economias a acreditar que a estrutura reguladora existente era eficaz. Poucas medidas foram tomadas para reforçar o quadro regulatório acompanhando o ritmo da emergência de novos produtos, instituições e mercados. Desde a eclosão da crise, exemplos têm revelado que a falta de coordenação entre as agências reguladoras e de comunicações entre reguladores, bancos centrais e ministros das finanças emperrou em alguns países desenvolvidos os esforços para socorrer instituições financeiras e estabilizar mercados.
1.3. Ainda falta implantar cooperação reguladora internacional eficaz
Devido à falta de normas reguladoras coerentes e de uma plataforma efetiva de intercâmbio de informações, os reguladores não têm um bom domínio das atividades transfronteiras das instituições financeiras internacionalmente ativas. Em particular, falta informação sobre os fluxos internacionais de capitais. As organizações internacionais relevantes opreocupavam-se com a fiscalização macroeconómica, especialmente das políticas cambiais de economias emergentes. Seu trabalho quanto ao controle do fluxo internacional de capitais é insuficiente. Até agora, ainda não temos uma compreensão satisfatória sobre os canais e mecanismos de fluxos transnacionais de fundos, especialmente os fluxos de e para as economias emergentes, e como esses fluxos se modificam em tempos desfavoráveis.
Para reforçar a cooperação internacional em matéria de regulação financeira, o Fórum de Estabilidade Financeira identificou 30 grandes instituições financeiras internacionais cujos conselhos diretores deviam ser postos sob supervisão. No devido momento, devemos avaliar o quanto esses conselhos foram eficazes e satisfatórios no reforço internacional de supervisão das instituições financeiras transnacionais. O FMI também deveria incluir a regulação e fiscalização dos fluxos internacionais de capitais enquanto uma parte importante do seu “sistema de alerta precoce”.
2. Questões que merecem especial atenção na reforma do sistema de regulação financeira
2.1. A reforma começa com a autocrítica
Um antigo filósofo chinês disse certa vez que “devíamos nos autoexaminar três vezes por dia”. Isso expressa a importância que a filosofia oriental atribui à autocrítica para melhorar as pessoas. Este espírito é extremamente necessário quando se analisa as causas e se tira lições da crise atual. Só olhando para dentro, com esse espírito, podemos tirar as lições certas e evitar os pontos cegos. Apenas depois de se aprendider as devidas lições é possível começar reformas de longo alcance. Ultimamente aconteceram umas tantas trocas de acusações, com uns taxando a outros de responsáveis pelas dificuldades em curso. Essa impenitência não ajuda a analisar as falhas existentes no sistema de regulação financeira.
Na verdade, a impenitência é um fator-chave que levou à crise. Antes dela, prevalecia a complacência. Embora a estrutura reguladora dos EUA fosse um complexo mosaico de agências e jurisdições fragmentadas, alguns pensavam que ela funcionava muito bem. Apesar de alguns esforços feitos para resolver problemas, a maioria relutava em levar a sério os os problemas, com a desculpa de que “se não quebrou, não conserte”. O custo da espera para que o sistema quebrasse foi tremendo. Neste contexto, devámos começar por uma atitude de autocrítica ao abordar os desafios da reforma da regulação financeira.
2.2. Introduzir multiplicadores anticíclicos para reforçar o mecanismo anticíclico
Empregar os elementos procíclicos do capital existente é uma condição essencial para se melhorar a qualidade do capital e prevenir crises financeiras graves. A crise em curso expôs vulnerabilidades na adequação dos requisitos dos bancos quanto às seguintes áreas: a) o Acordo de Basileia 2 não se adequa a operações de risco com complexos produtos de crédito; b) a exigência de capital mínimo e a qualidade do capital não se mostraram uma barreira adequada durante a crise; c) a prociclicidade da adequação do capital amplificou volatilidades; d) existem diferenças entre os requisitos ao capital em distintas instituições financeiras.
Atualmente, alguns países e algumas organizações internacionais se esforçam para expandir a cobertura dos requisitos feitos ao capital, inclusive definindo exigências de títulos apoiados em ativos, não expostos ao risco de exposição em atividades comerciais, a melhoria da qualidade dos ativos de Nível 1, o reforço da coerência global dos requisitos mínimos de capital. Além disso, como um complemento que adeque o raio de ação do capital a uma conveniente gama de fundos próprios, um adequado indicador de potência desempenharia um papel no prudente marco regulatório, já que o novo indicador poderia tanto medir um risco potencialmente excessivo como atenuar as flutuações cíclicas.
Ao abordar a vulnerabilidade dos fundos existentes, especialmente o ciclo do capital com cobertura, as autoridades responsáveis pela estabilidade financeira global necessitam desenvolver multiplicadores anticíclicos, em um esforço para conter os elementos procíclicos. Se uma economia experimenta uma mudança inusitada ou um sistema econômico requer um ajuste anticíclico extraordinário e medidas específicas de estabilização, as autoridades podem considerar a emissão índices trimestrais de prosperidade e estabilidade. Tais índices podem então ser usados pelas instituições financeiras e os supervisores para se multiplicarem em aferidores de risco calculando o alcance do capital. Desta forma, o risco ponderado do requisito de adequação do capital, assim como outros critérios, como o IRB, pode refletir melhor os requisitos anticíclicos da estabilidade financeira.
Especificamente, com um conjunto de índices de prosperidade em vigência, multiplicadores anticíclicos podem derivar daí. Muitos indicadores existentes, ligados a ciclos econômicos, sentimentos de investidores e consumidores, podem servir de base para esses índices de prosperidade. Durante os períodos de boom, aumentam os preços dos ativos, predomina a exuberância no mercado, e os índices de prosperidade são elevados; e vice-versa durante a desaceleração econômica.
Ao derivar multiplicadores anticíclicos de índices de prosperidade, devemos levar em consideração fatores como o tipo de produto, da indústria e do país de risco. Então, os multiplicadores podem ser usados para inibir os fatores procíclicos, inclusive fatores de risco, possibilidade de insolvência e outros. Isso ajudaria não só a mitigar os elementos procíclicos, mas também melhorar a qualidade do capital, aperfeiçoar a gestão de garantias e usar probabilidades ajustadas pelo padrão dos multiplicadores para gerir os riscos em produtos de crédito complexos.
2.3. As agências reguladoras devem ser dotadas de pessoas com adequada experiência no mercado
Algumas agências reguladoras não têm profissionais suficientes com a devida experiência e, portanto, carecem de conhecimento sobre a evolução do mercado, especialmente os impactos sistêmicos de inovações financeiras. Como resultado, alguns supervisores fecharam os olhos e não foram sensíveis aos problemas derivados de produtos como os CDOs e derivados, tais como os CDs, e a sombra do sistema bancário refletida em atividades off-balance, inclusive a avaliação crítica das metodologias usadas nos produtos estruturados. Para aumentar sua capacidade, as agências reguladoras poderiam promover sistemática e frequentemente o intercâmbio de pessoal com a indústria, o que permitirá que as agências reguladoras atentem para a evolução industrial e fazer um melhor trabalho de supervisão preventiva.
2.4. Reforçar a fiscalização dos serviços e agências de classificação de crédito
Os rankings feitos pelas principais agências internacionais tornaram-se produtos dos serviços financeiros internacionais. Em muitos países, diversas normas exigiram decisões de gestão e práticas de gestão de risco para qure os instrumentos financeiros das agências de classificação atingissem certo padrão.
Uma vez que esses índices estão dados, as instituições financeiras não precisam se preocupar com os riscos inerentes a tais produtos. No entanto, as classificações são apenas indicadores da possibilidade de inadimplência, baseados em dados históricos, o que nunca foi garantia de coisa alguma para o futuro. O modelo de negócio do rankeado pagando por serviços fez pesar sobre as classificações conflitos de interesse, e as principais agências irresponsavelmente deram altas classificações a muitos produtos antes da crise. Quando esta sobreveio, a reversão das condições de mercado obrigou as agências a derrubar a classificação de muitos produtos financeiros, o que levou a enormes desvalorizações de ativos e exacerbou a gravidade da crise.
Nossa opinião é que as instituições financeiras devem analisar os riscos com independência, e não simplesmente delegar a obrigação às agências de classificação. Quando são necessárias afeirções externas, deve-se fazer estudos internos e independentes, como um complemento. Normas devem incentivar as instituições financeiras a aumentar sua capacidade de aferição interna para reduzir a dependência das classificações externas. Além disso, os bancos centrais e reguladores devem limitar o uso da classificações externas a 50% do volume de negócios, pelo menos para as instituições financeiras importantes. Ao passo que estas devem atualizar sua capacidade de jormular juízo interno independente sobre riscos de crédito.
A atual crise também mostrou que a regulamentação nacional das agências de classificação é insuficiente, sendo preciso uma cooperação internacional para regular tais atividades. Faz sentido que a Iosco (Organizações Internacionais de Comissões de Valores),o Banco de Pagamentos Internacionais (BPI) e o Fórum de Estabilidade Financeira (FSF) coordenem o estabelecimento de normas e sua aplicação.
Uma entidade deve ser designada para assumir a responsabilidade de implementar as regras. O foco deve ser o de identificar problemas na indústria de classificação, identificar conflitos de interesse entre os avaliadores e os clientes, melhorar a independência, a imparcialidade e transparência de tais atividades. Esse órgão deve rever periodicamente o histórico das grandes agências e avaliar o padrão e as falhas estatísticas em diferentes classificações. Em particular, seria preciso fazer revisões na esfera da classificação de economias emergentes. Os resultados desses exames regulares devem ser públicos, para que os participantes no mercado possam formar suas próprias opiniões e fazer melhor uso dos rankings de risco de crédito.
Em caso de graves problemas identificados, a entidade designada deve tomar medidas corretivas, inclusive, entre outras, a punição das agências problemáticas, a divulgação das áreas problemáticas, censuras em particular ou públicas. Com base nas conclusões da entidade, as autoridades reguladoras nacionais ptambém odem impor medidas punitivas, incluisive o banimento das agências problemáticas.
2.5. Promover a padrões mais elevados de governança empresarial
Há abundantes evidências de que os conselhos de administração em algumas importantes empresas financeiras dos EUA se portaram como um “clube de cavalheiros”, que referendava todas as principais decisões da diretoria. Muitas vezes, os diretores independentes, não executivos (INEDs) não tinham qualificação ou formação na área de serviços financeiros. Como resultado, o conselho é incapaz de fornecer a orientação estratégica das operações da empresa e apoio na gestão de riscos e controle interno. Também houve casos de instituições “grandes demais para quebrar” em que os profissionais de gestão de risco eram ligados aos empresários. Isso levou à falta de controle efetivo e mecanismos de balança, à tolerância de riscos excessivos visando o ganho de curto prazo.
A gestão era motivada por barômetros de curto prazo, tais como os resultados trimestrais e bónus de fim de ano. O estrutura procíclica, que premia resultados de curto prazo, não ajuda a conter a agressividade em relação a riscos. Além disso, as decisões de planejamento sucessório e nomeação do presidente da empresa às vezes não se fixaram em candidatos com qualificações e méritos suficientes, mas em fatores não consistentes com os interesses dos acionistas e a viabilidade da empresa no longo prazo.
A regulação deve impor padrões mais elevados de governaça em instituições financeiras importantes e ativas no plano internacional. No mínimo, a maioria dos seus executivos deve ser financeiramente qualificada e poder formular orientações de gestão em áreas como o posicionamento estratégico da empresa no mercado, o equilíbrio entre expansão e qualidade do crescimento empresarial, inovações financeiras, planejamento sucessório etc.
O relatório anual dessas empresas deve divulgar a atividade dos diretores no que diz respeito às questões da empresa, dentro e fora das reuniões, de modo que os investidores possam avaliar a eficácia da administração no desempenho das suas funções. Em alguns países, isto também pode ajudar a abolir a prática da mesma pessoa deter tanto o cargo de presidente do conselho como o de diretorprincipal, em especial nas instituições financeiras de importância sistêmica.”
Fonte: Diário do Povo Online e site do Banco do Povo da China