Coco de umbigada e resistência: o exemplo que vem de Olinda
Bairro de Guadalupe, Olinda. Pode-se dizer, ainda: periferia do Sítio Histórico, patrimônio da humanidade. O lugar é endereço para uma manifestação ancestral que encontra respaldo numa cada vez mais popular festa de rua. O Terreiro da Umbigada, propriedad
Publicado 06/04/2009 21:19
De lá para cá, as atividades do lugar se projetaram de várias formas — não só através da festas, mas sobretudo pelos serviços prestados à comunidade: do aprendizado da percussão à construção de sites e pesquisa na web. O coco de umbigada, que deu origem a tudo, era uma brincadeira curtida por várias gerações da família de Quinho. Na casa dele e de Beth, que estão juntos há 17 anos, ela renasceu e tomou fôlego.
Primeiro, nas festas da casa: aniversário, batizado, Natal, sem contar no São João, período em que o coco tradicionalmente é realizado. Depois, cresceu e saiu do núcleo familiar. Da casa para o beco. Do beco para o largo da igreja de Guadalupe. De lá, para a rua em frente da casa onde funciona o Ponto de Cultura Terreiro da Umbigada.
Uma investida policial sofrida pelo grupo, no mês de fevereiro, causou revolta, segundo Beth de Oxum, em toda comunidade ligada à cultura popular — tanto de Olinda quanto do Recife. O assunto fez parte de várias discussões na internet e ainda gera debates e protestos na web. “Foi armada uma operação de guerra contra nós, mas que estava desarticulada com instâncias superiores por isso não deu certo”, diz.
“Fazemos o coco há mais de 10 anos e afirmamos que esta brincadeira vem da matriz afro-indígena, tem uma origem ancestral, não se origina dos palcos, nem das produtoras. Promovemos pertencimento com a cultura do coco na comunidade”, conta Beth, que se diz vítima do preconceito. Ela relata que, durante a ação policial, ouviu de um deles que seu grupo estava forjando uma ligação com o MinC.
“Eles disseram que o Ministério da Cultura não apoiaria ninguém que tem cabelos desses”, lembra. Beth e sua família — formada ainda pelas crianças Oxaguiam, Ialodê, Maira e Inayê — sustentam longas cabeleiras rastafáris, parecidas com as do ex-ministro da Cultura Gilberto Gil.
Caso de polícia
A marcação policial à sambada do coco de Guadalupe tem histórico. Tiros teriam sido disparados, para cima, por um policial, na festa de dezembro. Em janeiro, para evitar que o evento causasse mais problemas, Beth articulou-se com a Secretaria de Cultura de Olinda, Fundarpe e Ministério da Cultura.
A primeira festa de 2009 ocorreu sem problemas. Na sambada do sábado 7 de fevereiro, o Coco de Umbigadinha (formado pelos filhos de Beth e outras crianças da comunidade) estava comemorando o Prêmio Ludicidade, dado pelo Ministério da Cultura aos Pontos de Cultura que desenvolvem ações voltadas ao público juvenil.
Perto das 21 horas, o show não havia começado, Beth e demais integrantes do Umbigadinha viram chegar mais de 40 policiais, em dez viaturas das policias civil e militar. Eles alegavam que Beth estaria infrigindo a lei do sono e teria de acompanhá-los até a delegacia.
Beth ligou para Márcia Souto, secretária de Cultura de Olinda, que entrou em contato com o secretário de Controle Urbano, João Luiz. Este, em poucos minutos, chegou à Rua Guadalupe. A esta altura, os policiais já haviam recolhido os instrumentos das crianças que estavam no palco e o equipamento de som, parte dele, doado pelo MinC.
João Luiz conseguiu, na delegacia de Casa Caiada (Olinda), explicar que o grupo tinha a autorização da Prefeitura e da Fundarpe para realizar o evento. Na mesma madrugada, resgatou os instrumentos, inclusive uma alfaia centenária, que deu origem à história do coco de terreiro.
Procurado pelo Diário de Pernambuco, o setor de comunicação da Polícia Militar disse desconhecer o assunto e preferiu não comentar. Beth afirma que prefere seguir pela cultura da paz. “Essa história não acabou nem vai acabar com meu caso. É intolerância com nossa brincadeira, com nossa religiosidade. Depende de um processo de compreensão da sociedade.”
Fonte: Diário de Pernambuco