Para sociólogo, neoliberalismo destruiu consciência coletiva
No último dia do seminário “Desvendar o Brasil”, que aconteceu em São Paulo entre os dias 3 e 5, Giovanni Alves, professor de sociologia da Unesp foi categórico: “temos um processo perverso de desconstrução da consciência coletiva, destruída pelo neoliber
Publicado 06/04/2009 11:33
Para Alves, “a luta pelo socialismo é também uma luta moral – mas não moralista – porque exige a participação de sujeitos capazes de construir essa nova sociedade”. O professor destacou que é preciso formar adequadamente, para além dos muros da escola, cidadãos críticos e conscientes da necessidade de se mudar estruturalmente a sociedade.
Ligando esta questão à classe trabalhadora, base imprescindível para uma transformação profunda da sociedade, Alves disse que “na vida cotidiana, a máquina do capital tenta desefetivar o proletariado. A grande luta de classes hoje é pela formação de uma consciência de classe entre os trabalhadores”. Só assim, acredita, “será possível construir o socialismo do século 21”.
Partindo do legado marxista, o palestrante tratou das teorias da exploração e do estranhamento. A primeira delas “explica a dinâmica estrutural de produção e acumulação de valor, finalidade intrínseca do sistema de controle sócio-metabólico do capital”. O segundo conceito diz respeito à desefetivação do homem “a partir das relações sociais e práxis histórica constitutiva do trabalho estranhado e da vida social estranhada subjacente à produção do capital”.
A situação criada pelo capitalismo implica, segundo colocou o professor, “numa separação histórica ou alienação primordial que origina o proletariado e que marca o destino de homens e mulheres”. Tal separação histórica ou alienação, explicou, tende a ser reiterada de forma sistêmica no tempo histórico presente resultando, entre outros fatores, na precariedade salarial.
Esse conjunto de aspectos que caracterizam os trabalhadores de todo o mundo, a “condição de proletariedade”, abriu um “campo de possibilidades concretas para a constituição da classe social do proletariado propriamente dita”, explicou Alves. Para ele, mudar os rumos do capitalismo para a construção do socialismo depende de “mediações concretas – com instituições sociais, políticas ou culturais – capazes de produzir um tipo específico de consciência social: a consciência de classe”.
Ainda durante sua apresentação, o professor defendeu que “o PCdoB é um dos maiores e mais importantes partidos comunistas do Ocidente e tem grande responsabilidade e compromisso com essa discussão e com a elaboração teórica renovada”.
Radiografia
Adalberto Moreira Cardoso, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), procurou radiografar as principais mudanças no perfil social do país desde 1940 até 2000, ano do último Censo do IBGE, como forma de compreender melhor a realidade com a qual a esquerda precisa lidar para a construção de um novo projeto nacional. “O PIB cresceu 22 vezes em 60 anos; porém, o PIB per capita foi multiplicado apenas cinco vezes. Se a população não tivesse crescido, o PIB per capita hoje seria equivalente ao da Espanha”, constatou.
Num período de 50 anos, o país deixou de ser majoritariamente agropecuário – em 1950 o setor era responsável por 25,08% da economia e em 2000 essa participação caiu para 5,6% – enquanto no mesmo período o setor de serviços passou de 49% para 66%. A indústria não sofreu grandes mudanças: saiu de 24,96% para 27,73%, mas teve seu pico entre os anos 70 e 80. Cardoso demonstrou que, apesar de ter havido mudanças, houve também certa inércia na economia brasileira. “Com o fraco desempenho dos anos 80, a indústria – que até então tinha 44% de participação – caiu para praticamente os mesmos índices dos anos 1940 e 1950”.
Tais mudanças transformaram a geografia do país, que passou de agrário para urbano, levando ao inchaço das cidades e ao aumento das carências sociais até hoje não solucionadas. Neste sentido, os salários também sofreram alterações consideráveis. “No período Vargas, o mínimo foi valorizado, depois foi depreciado durante o período militar e hoje, embora tenha havido aumentos sucessivos, equivale ao que era nos anos 1940”, disse o professor. A desvalorização também fez com que em 1950, 80% dos trabalhadores ganhassem o equivalente a 900 reais; em 2000, este índice chegou a 64%. “Esse patamar de renda foi uma barreira que a grande maioria dos brasileiros não foi capaz de romper”, avaliou.
Dessa forma, a grande mobilidade social dos brasileiros está diretamente ligada à mobilidade estrutural, que fez com que grande parte saísse do campo para a cidade. No entanto, explicou o professor, “64% dos que migraram não tiveram melhora de vida”.
Este fato, somado à queda no emprego industrial, à piora nas relações sociais e ao aumento brutal das classes baixas urbanas a partir principalmente dos anos 90, serve para se compor o perfil da massa trabalhadora hoje. “A vida ficou pior para pessoas de escolaridade maior por conta da precarização do trabalho. Isso se aprofundou até meados dos anos 2000, mas tende a ter melhorado desde então”, acredita Cardoso.
Em resumo, o professor salientou que “para a ação política da esquerda é preciso limpar o ambiente dessa noção pré-concebida de se tentar encontrar um proletariado com consciência proletária. Nosso desafio é criar identidade com a classe trabalhadora no cotidiano e dar uma direção a ela”. Para ele, o presidente Lula “é a consciência da classe trabalhadora no poder” e a crise “é uma grande janela de oportunidades para se atrair o trabalhador e despertar nele a compreensão sobre as saídas e alternativas possíveis para a crise”.
Classes sociais
Dando continuidade a tal radiografia, Waldir Quadros, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) procurou aprofundar a análise sobre o desemprego e o perfil das classes sociais no Brasil. Quadros explicou que a baixa classe média é hoje extremamente importante porque representa a maior fatia da população e conseguiu fugir da pobreza, o que aumentou seu potencial de consumo. “A classe C tem sido cada vez mais valorizada pelo comércio e mesmo pelos setores políticos porque é uma faixa da população que cresceu consideravelmente”, disse.
Ponto positivo mostrado pelo professor foi o retrocesso no número de miseráveis. Em 2000, eles eram 22,4% dos desocupados e em 2007, 10%. “Isso se deve ao crescimento econômico, fator que tem um impacto profundo na sociedade. É o crescimento que torna possível equacionar o problema social brasileiro”.
Quadros enfatizou que, como se constatou nos anos 80, “a estagnação é perversa no Brasil”. Ele colocou ainda a necessidade de se ir além e se buscar um planejamento para o desenvolvimento nacional. “O Brasil tem ciclos de crescimento, mas não tem ainda bases para um crescimento continuado, autônomo e significativo, embora hoje haja melhores oportunidades”. Para ele, essa transformação depende de “mudanças mais profundas na condução política do processo”.
O pesquisador reconheceu que tem havido melhoras na área social desde a chegada de Lula ao poder, mas “é preciso atitude de Estado e mudanças na política econômica para que o país não volte a despencar”. E colocou: “o atual governo, seja ou não de esquerda, é visto como de esquerda e se falhar, a esquerda estará em maus lençóis e certamente não terá uma segunda chance”. De acordo com o professor, “a burguesia financeira é o inimigo do momento. Nosso desafio é dar respostas para a sociedade do século 21”.
A mesa, coordenada pela diretora de Formação da Fundação Maurício Grabois, Nereide Saviani, foi encerrada por Neomar de Almeida Filho, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ele procurou esquadrinhar os tipos diferentes de universidade que existiram ao longo do tempo e defendeu uma universidade aberta para o social, como forma de incluir a população no processo de formação e, ao mesmo tempo, transformar a sociedade de maneira crítica na busca por um novo modelo econômico.
De São Paulo,
Priscila Lobregatte
Fotos: Marcos Slavov