Pedro Venceslau: o declínio da TV Cultura no governo Serra
Lendas urbanas – ou nem tanto – atribuem a José Serra um comportamento pouco ortodoxo em relação à imprensa. De concreto, sabe-se que ele simplesmente não suporta perguntas difíceis. Quando esbarra em uma, olha nos olhos do perguntador, faz cara de pai
Publicado 26/04/2009 13:11
Desde que foi eleito governador, esse modus operandi parece ter contaminado a TV Cultura. Inviolável reduto tucano há 14 anos, desde a eleição de Mário Covas, a emissora está sentindo na pele o estilo Serra. A inesperada dispensa de Luis Nassif, a saída de Lillian Witte Fibe do Roda Viva, a demissão em massa no jornalismo e o fim de vários programas analíticos compõem um retrato em alta definição da atual fase do canal.
Vinte dias antes de ser informado sobre a não-renovação de seu contrato, Luis Nassif, entusiasmado, acertava os detalhes finais de seu novo programa. Mas nesse ínterim resolveu criticar a Sabesp e, de quebra, a controversa escolha da bancada que sabatinou Gilmar Mendes no Roda Viva. Um post em seu blogue foi a gota d’água. “Não existe governança na TV Cultura hoje”, desabafa. Prestes a estrear na TV Brasil, ele revela que a mão forte do governador nunca pesou tanto na rotina da emissora. “Isso sem falar na encheção de saco quando não cobríamos algum evento do governo”, conta.
Nos corredores e na coxia dos estúdios, comenta-se que a língua solta e ferina de Heródoto Barbeiro também incomoda – e muito – o governador. “Serra acha o Heródoto petista. Então pressionou tanto que tiraram ele do ar e depois devolveram como mero locutor”, diz um ex-jornalista influente da casa. Mas um sinal inequívoco do aparelhamento tucano da Cultura é o seu carro-chefe, o programa de entrevistas Roda Viva. Fórum pediu à assessoria da emissora uma entrevista com Paulo Markun, mas o pedido foi negado pelo jornalista.
“Valdemar Setzer (professor titular da USP) tomou 1h30 do telespectador para dizer que é contra computador para criança. Em ano de eleição (2008) não fizemos uma entrevista política!”, disparou Liliam Witte Fibe ao Estadão logo depois de anunciar que estava deixando o programa. “No Roda Viva, muitas vezes diziam que o convite para alguém sentar na bancada era por pressão do Serra”, acusa Luis Nassif.
Roda Viva à parte, algumas passagens da história recente da Cultura são emblemáticas. Em 2006, o então presidente da emissora, Marcos Mendonça, chegou a convidar Gabriel Chalita, hoje vereador tucano, na época secretário de Estado, para apresentar um talk show. “Me parecia um bom nome para apresentar o programa (Arena de Ideias). Chalita é um comunicador e apresentava os requisitos para o cargo”, disse a este repórter, na época. Felizmente, recuou a tempo.
Markun mãos de tesoura
Quando os funcionários da Cultura souberam que Paulo Markun seria empossado presidente, em meados de 2007, organizaram uma recepção de boas-vindas ao novo chefe. Jornalista de raiz e oriundo do chão de fábrica, ele representava para muitos uma nova era; o fortalecimento do jornalismo, a isenção e o fim da obsessão de colocar a Cultura na rota das TVs comerciais, marca de Marcos Mendonça. Ele iniciou sua carreira ali como repórter de TV em 3 de setembro de 1975, levado por Vladimir Herzog, o Vlado. Assumiu prometendo mudar a forma de relacionamento da emissora com o governo e os espectadores. “Teve gente que chorou”, conta uma funcionária da casa.
A lua-de-mel durou pouco. “Hoje o clima é de decepção total. Ele está acabando com o jornalismo da Cultura. Tirou do ar o Opinião Nacional, o Jornal do Meio-Dia, e ainda acabou com vários programas da área de sustentabilidade”, diz a jornalista Márcia Dutra. Experiente repórter e âncora de TV, ela era uma das principais apresentadoras da casa – esteve à frente do Jornal da Cultura com Heródoto Barbeiro e Celso Zucatelli. Em fevereiro foi surpreendida quando voltou de férias e soube que seu contrato não seria renovado.
“Foi uma traição. No final de novembro, procurei o Pola Galé (diretor de jornalismo) e ele me disse: ‘Pode ficar tranquila, a casa está satisfeita com você’. Então saí de férias e, quando voltei, fiquei sabendo da minha demissão. Na semana anterior a minha, foram 31 dispensas. No total, foram cerca de 60 em 20 dias. E não tem essa de crise. Isso é desculpa para boi dormir”, desabafa. “A engrenagem emperrou”, resume Nassif.
Ponto de vista
É curioso reparar no tratamento que as duas principais emissoras públicas de TV do país, a TV Brasil e a TV Cultura, recebem da chamada grande imprensa. Não é difícil, basta pesquisar na internet. Enquanto a primeira é tratada como um elefante branco do lulo-petismo, ralo de dinheiro público, aparelho de propaganda estatal e chamada de “TV do Lula”, a segunda é vista como uma ilha de excelência, exemplo de gestão em TV pública, oásis de independência. O caso do ex-editorchefe do telejornal Repórter Brasil, Luiz Lobo, que denunciou “censura” do governo Lula no conteúdo é exemplar. Foi direto para o alto de página da política, um escândalo, diferentemente do que ocorre com a emissora paulista.
A atual crise da Cultura é, para muitos, o efeito colateral da gestão Marcos Mendonça. Tucano de alta plumagem, ele assumiu o canal em 2005, por pressão do então governador Geraldo Alckmin. Este, diferentemente de Serra, não monitorava a programação com lupa, mas exigia audiência. E foi imbuído desse espírito que Mendonça abriu a emissora para os comerciais das Casas Bahia e contratou estrelas caras como Silvia Poppovic e Sabrina Parlatore e, em contrapartida, acabou com a orquestra da TV, a Sinfonia Cultura.
José Serra, por sua vez, não via com bons olhos a gestão de Mendonça. O motivo é simples: Mendonça era homem de confiança de Geraldo Alckmin, adversário interno do governador até recentemente, quando aceitou o convite para integrar o secretariado estadual. Em 2005, Alckmin se movimentou intensamente para derrubar Jorge da Cunha da Lima e colocar Mendonça em seu lugar.
Data dessa época o período de crise mais aguda da emissora, era das goteiras e das fitas reutilizadas. Quando, enfim, Mendonça tomou posse, o dinheiro voltou a entrar. De cara, o governador Alckmin liberou R$ 4 milhões que estavam congelados e ajudou a pagar despesas trabalhistas. Uma vez no governo, Serra tratou de limpar terreno. E ainda reclamam da TV Brasil…
Em nome da filha?
O último imbróglio envolvendo a TV Cultura nasceu, quem diria, dentro do ninho tucano. O presidente municipal do PSDB, José Henrique Reis Lobo, que também é conselheiro da TV Cultura, enviou, em março, uma irada carta aos seus 46 colegas da Fundação Padre Anchieta desancando a gestão de Paulo Markun. Entre outros torpedos, se disse preocupado com a audiência da emissora, que é “próxima a zero”: “Não há nada de maior nonsense do que falar para auditório vazio ou editar um jornal para um público que não existe”.
Para o tucano, ninguém assiste à Cultura. Logo, não se justifica que a emissora consuma anualmente R$ 200 milhões dos cofres públicos. Para finalizar, Lobo fez ainda um apelo para a profissionalização da emissora. O que pouca gente sabe, porém, é que a publicitária Tatiana Lobo, filha do “alckmista” Lobo, foi demitida por Markun do cargo de diretora de marcas da emissora. Há quem diga que foi retaliação.