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Argemiro Ferreira: A outra tragédia por trás da gripe suína

Quando da mudança do nome da gripe suína para Gripe-A, há mais de 10 dias, o jornalista Mauro Santayana, em sua coluna do Jornal do Brasil, divulgou dados relevantes e suspeitas graves que, por alguma razão, não eram citados nas notícias de nossa mídia

Enviada da cidade de La Gloria, no México, onde fica uma grande fazenda industrial de criação de porcos, a reportagem de Steve Fainaru, da editoria internacional do Post, referiu-se às denúncias feitas há anos por comunidades afetadas por unidades como aquela, sobre os efeitos das “lagoas” de excremento e urina, de mais de um milhão de porcos, que contaminam os lençóis freáticos da região.



No segundo parágrafo da reportagem o jornal ressalvou que “as autoridades de saúde não encontraram conexão entre as granjas de criação de porcos e a gripe suína”. E as autoridades da Organização Mundial da Saúde (OMS) fizeram mais do que isso, como Santayana tinha registrado. Aparentemente sob pressão das multinacionais de porcos, inventaram para a gripe um nome novo – e neutro – para distanciá-la dos porcos.



Desde o primeiro momento o artifício lembra o complô da indústria de cigarro, durante mais de meio século, para negar a conexão entre seu produto e o câncer. A indústria, que nos EUA prefere inspecionar-se a si mesma, ao invés de sofrer inspeções do governo  negava haver “prova conclusiva”. É o que se faz agora, segundo o Post. Atribuiu-se ao prefeito de Perote, sede do condado onde fica La Gloria, esta afirmação: “Para desfazer o mito, ou mesmo para reconhecê-lo como realidade, precisamos de mais estudos”.



Como o NAFTA abriu o caminho



Segundo o prefeito Guillermo Franco Vázquez, na jurisdição do condado, no estado de Veracruz, sudeste do país, há 22 comunidades afetadas por tais fazendas. “Desde o final de março, quando misteriosa doença respiratória infectou 616 residentes, La Gloria tornou-se o centro da crise da gripe suína”. O primeiro caso do novo vírus, tinha relatado Santayana, foi Edgar Hernández, de 4 anos.



Como boa parte dos dados da reportagem do jornal dos EUA já estava no dia 1° de maio na coluna do Jornal do Brasil, estranho ter ficado fora da maioria da mídia. Em especial aquilo que já era sabido sobre a companhia Granjas Carroll de Mexico, dona das fazendas de porcos – e subsidiária da transnacional americana Smithfield Foods, sediada no estado da Virgínia e cujos dirigentes negaram-se a falar ao Post.



Santayana citou declaração do deputado mexicano Atanasio Durán, segundo a qual as Granjas Carroll foram expulsas de dois estados americanos, Virginia e Carolina do Norte, devido aos danos ambientais que causavam. A salvação para elas foi o NAFTA, Acordo de Livre Comércio da América do Norte. Graças ao tratado, as Carroll transferiram-se em 1994 para o México, com apoio do governo local.



O NAFTA permitia à gigante transnacional dos EUA ficar isenta do controle das autoridades mexicanas – detalhe que motivara a decisão. O jornalista destacou: “É o drama dos países dominados pelo neoliberalismo: sempre aceitam a padridão que mata”. Mesmo assim, a reportagem do Post destaca que as relações agora entre a Smithfield e os residentes das comunidades próximas tornaram-se insustentáveis.



Os protestos da população afetada repetem-se desde 2007. Manifestações às vezes até bloqueiam uma rodovia federal na região. E a resposta da Smithfield/Carroll tem consistido em mobilizar a própria polícia local contra os manifestantes, alguns dos quais são alvos de processos criminais instigados pela transnacional. Um pequeno fazendeiro de 66 anos contou ao Post ter sido obrigado a vender sua plantação de milho para pagar sua defesa.



Prisão para punir as vítimas



Bertha Crisóstomo, autoridade municipal de La Gloria citada no Post e na coluna de Santayana, foi acusada pela Smithfield. Atualmente está em liberdade sob fiança. Em fevereiro ela denunciara a contaminação do subsolo pelos tanques de urina e excrementos da Carroll. Hoje ela acha que a companhia escolhe certos alvos deliberadamente – parte do processo de intimidação para silenciar os descontentes.



Assim, a gravidade da gripe suína – ou Gripe-A, Influenza-A, ou que nome tenha – está servindo para amplificar problema, que já era sério para os residentes da área e continua a se agravar devido à expansão da atividade da transnacional, ameaçando ainda mais a saúde dos residentes e o meio-ambiente. Apesar de favorável a investimentos na região, Crisóstomo acha que “não se pode negociar com a saúde das pessoas”.



A julgar pelo que relatou o Post, a posição das autoridades do governo do México é ambígua. Originalmente a Smithfield chegou como uma joint venture com a mexicana Agroindustrias Unidas, trazendo o método da “integração vertical” – que amontoa milhares de porcos em estábulos idênticos, cobertos por telhados de metal (foto acima). Ali os porcos comem, crescem, urinam e defecam – até a hora de serem mortos.



Excrementos e urina caem sobre plataforma de madeira e seguem em condutos para depósitos-tanques a céu aberto do tamanho de dois campos de futebol – chamados pela companhia de “lagoas”. Alega-se que são à prova de vazamento, mas os residentes contestam. Instalações agroindustriais desse tipo, em larga escala, são riscos graves para a saúde da população. Podem contaminar os lençóis freáticos e transmitir vírus, inclusive novos.



Uma batalha sempre desigual



Gente da região queixa-se há anos de doenças de pele, garganta inflamada e outros efeitos. As “lagoas”, de cor avermelhada e opacas, são abertas e sem cercas. O mau cheiro é horrível. Faz as pessoas se sentirem tão mal que em certos momentos não conseguem comer. As 16 fazendas da Smithfield na área produzem, segundo a própria companhia, um milhão e 200 mil porcos por ano. Em 2006 a Smithfield – já uma das maiores poluidoras dos EUA – foi celebrizada por revelações assustadoras de uma reportagem de Rolling Stone sobre suas práticas habituais.



Fazendas podem surgir da noite para o dia, a poucas centenas de metros de casas habitadas por famílias no condado das fazendas industriais de porcos no México. Como contou ao Post o fazendeiro de soja e milho Fausto Limón: “Nunca pensamos que iriam criar uma aqui perto, mas ela veio. Em casa passamos a vomitar, ter dores de cabeça, olhos lacrimejantes. Tivemos de sair à procura de outro lugar, longe daquele mau cheiro”.



Outro efeito é a praga dos cachorros que se alimentam de pedaços de porcos mortos descartados nas proximidades das instalações. Além disso, há mais restos espalhados. Ao saber que se planejava a instalação de outra fazenda perto de sua casa, Limon afinal resolveu unir-se a outros residentes e organizar mais um dos grupos ativistas Pueblos Unidos, atuantes na região.



É principalmente contra os Pueblos Unidos – com sua ação semelhante à dos Sem-Terra do Brasil – que a Smithfield/Carroll atua, mobilizando como pode a polícia e a Justiça, graças a seus largos recursos e um exército de advogados. Estes, com a certeza de que são imbatíveis, movimentam-se com desembaraço também junto às autoridades nos vários níveis – local, estadual e federal.