Missão do Exército revive fantasmas da Guerrilha do Araguaia

Capítulo inacabado e sombrio da história brasileira, a Guerrilha do Araguaia voltou à ordem do dia, alvo de nova missão a ser coordenada pelo Exército. O objetivo da expedição – cujos detalhes e personagens devem ser definidos nesta semana – não é novo, m

Embora não tenha ainda saído do papel, a decisão do Governo de capitanear uma nova incursão no Araguaia – formalizada por meio de portaria baixada há dez dias pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim – já provoca grande alvoroço ao ressuscitar os fantasmas da Guerrilha do Araguaia. Militares que participaram do conflito, hoje na reserva, desaprovam a iniciativa, por considerá-la inapropriada e inócua; enquanto parentes de guerrilheiros mortos desconfiam do real propósito da União. O país pode ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos justamente por descumprir determinações judiciais relativas à Guerrilha do Araguaia, um sério entrave ao assento que o Brasil almeja ter no Conselho de Segurança da ONU.


 


Embora concorde com as queixas contra o Brasil, o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, ressalva que o país vem fazendo todos os esforços para localização dos corpos dos desaparecidos e reparação aos familiares. O ministro garante que a nova expedição será “a maior de todas as missões” já enviadas pelo Governo ao Araguaia, desta vez com o apoio das Forças Amadas, para tentar encontrar ossadas dos guerrilheiros.



No Congresso Nacional, o questionamento é ainda ma-is incisivo: apesar de o Governo já dispor de dez ossadas, que teriam sido encontradas em expedições anteriores, entre 1991 e 2001, até agora, nenhum tratamento adequado foi dispensado na busca da identificação. “Fica a dúvida: buscar mais corpos para quê? Para aumentar o acervo da Comissão de Mortos e Desaparecidos já existente em seus armários?”, questiona o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.


 


O grupo foi criado pela portaria 567, publicada no Diário Oficial no dia 30 de abril. Jobim aponta “a limitação dos resultados alcançados nas expedições realizadas” e vê a necessidade de novos trabalhos de campo, a partir de “metodologia científica adequada”, com os “meios logísticos necessários”.



Há, entretanto, conforme Pompeo, um parecer elaborado pelo perito criminalista Domingos Tocchetto que aponta a existência de elementos concretos capazes de identificar o corpo de um guerrilheiro do Araguaia, denominado X-2, armazenado em Brasília, desde 1996, na Comissão de Mortos e Desaparecidos. “A comissão nunca levantou dados antropométricos para proceder a uma tentativa de identificação idônea”.


 


Para Pompeo, em vez da nova expedição, o Governo deveria não só fazer a “imediata transferência” dos restos mortais recolhidos no Araguaia para ambiente adequado, como também a análise física do corpo X-2, com a convocação de parentes, em especial dos de Bérgson Gurjão Farias, de companheiros seus do Ceará e da região da guerrilha, testemunhas de seus detalhes físicos, como o braço fraturado, referidos por Tocchetto em seu relatório.



O grupo deverá ter sua atuação acompanhada por “observadores independentes” também convidados pelo Exército. Os trabalhos deverão durar um ano. O comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, tem dez dias úteis – que expiram no próximo dia 15 – para indicar ao ministro Jobim o nome dos integrantes do grupo, bem como o plano de trabalho. Além de informes trimestrais, ao fim de um ano o grupo deverá elaborar um relatório sobre os resultados das buscas.



 


Passados 35 anos, não se sabe nada
Uma missão que é refutada pelo tenente-coronel reformado Licio Maciel, que comandou um grupo de soldados no Araguaia. “Considero (a iniciativa do Governo) uma palhaçada. Qualquer pessoa sabe que nada mais existe por lá”, garante o militar, que foi ferido em combate com um tiro no rosto. A seu ver, “ninguém ganha” com a nova expedição ao Araguaia. “Dizem que tenho ódio dos remanescentes da quadrilha da guerrilha. Não tenho ódio. Tenho nojo, por constatar que são, além de bandidos e mentirosos, larápios e terroristas. Não estávamos combatendo guerrilheiros, mas uma escória de vermes da pior espécie”.


 


A obrigação da União de localizar e resgatar os corpos foi estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em setembro de 2007. Ao julgar um recurso da União contra semelhante decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) – cuja sentença havia sido proferida em 2003 -, o STJ determinou que a União não só deveria informar o local onde estão os restos mortais dos guerrilheiros, como também enterrá-los em locais indicados pelos familiares. Além disso, a União teria de intimar a depor todos os militares que participaram do episódio e tornar públicas as informações sobre a guerrilha.


 


Passados quase 35 anos desde o fim da operação, em 1975, até hoje não se sabe sequer o número exato dos que morreram durante os conflitos na região do Bico do Papagaio, na divisa entre o Pará, Maranhão e Tocantins, na época ainda parte de Goiás. Pelo menos 59 militantes do PCdoB desapareceram, e apenas um dos corpos, o da guerrilheira Maria Lúcia Petit, foi identificado em 1996 e sepultado em Bauru (SP).


 


“Todas as esperanças que tivemos dentro do Brasil foram esgotadas. A sentença judicial ficou no papel. Abandono do Governo? Não. São ações políticas conscientes para cercear as famílias e privar o país de sua história”, avalia Laura Petit, irmã Maria Lúcia, Jaime e Lúcio Petit, todos mortos em combate. “Não acredito nesta expedição. Deve ser blindada. Tudo vira política, holofote”, endossa Maria de Fátima Marques Macedo, irmã do também guerrilheiro Paulo Roberto Pereira Marques, o Amauri, morto durante ataque militar no Natal de 1973.


 


Laura e Fátima não tiveram, até agora, conhecimento oficial da nova operação. A exemplo do que aconteceu em 2004, quando o Governo criou uma comissão sigilosa para cuidar do caso Araguaia, sem lograr êxito, teme-se que os parentes dos mortos não participem da nova iniciativa. “Uma falha que não pode acontecer”, reconhece o ex-ministro de Direitos Humanos Nilmário Miranda, que integrou a comissão de 2004. “Falhas” que levaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a abrir ação contra o Governo na Corte Interamericana de Direitos Humanos por detenção arbitrária, tortura e desaparecimento de 70 pessoas no Araguaia e camponeses da região.


 


Por Sidney Martins, no jornal Hoje em Dia, de 10/05/2009