Artigo: Por cima da dor, a coragem
* Aladilce Souza
“Por cima da dor, a coragem!” Foi o grito de uma mãe, colega e vizinha de Fernanda Bispo, 28 anos, enterrada junto com a filha, Beatriz, 6 anos, na manhã de sexta feira, dia 8 de maio. Externava, assim, sua indig
Publicado 13/05/2009 21:15 | Editado 04/03/2020 16:20
Ela conclamava os vizinhos, moradores da San Martin, região onde uma vala aberta pelas águas da chuva, “engoliu” a jovem Fernanda e sua filha Beatriz. Disse do quanto tinham que submeter a dor que estavam sentindo à coragem de lutar para mudar a situação. Que não podiam mais continuar, ano após ano, sofrendo essas tragédias. Culpava o prefeito e políticos que vão à comunidade pedir votos, prometerem obras, e a situação não muda.
As mortes de Fernanda, Beatriz, do bebê de um mês cuja casa foi invadida por uma pedra no bairro do Cosme Velho, dos três jovens soterrados por deslizamento de terra em Pirajá: Rodrigo Cassiano da Silva, 20, Walter Antônio Moura Júnior, 22, e Leandro Vinícius Rocha da Silva, 20, são fatalidades? Culpa do mau tempo? Poderiam ser evitadas com um decreto de emergência?
É preciso adotar posição mais consistente e permanente sobre essas tragédias. Não se pode mais adotar o mesmo comportamento diante desses tristes episódios.
A Prefeitura de Salvador, através dos órgãos de Defesa Civil, conhece as áreas críticas da cidade. Sabe o que leva aos desabamentos e o que deve ser feito para evitá-los. Portanto, não podemos falar em castigo, fatalidade, acidente, revolta da natureza, quando sabemos que tais fenômenos podem ocorrer.
Não podemos achar que com Decreto de Emergência a situação possa ser resolvida. Precisamos, sim, incluir essas áreas no planejamento orçamentário do município e priorizar a execução de obras nesses locais. Devem ser objeto de monitoramento político permanente pela Câmara Municipal e todas as instituições representativas da cidade.
O argumento de que o município não tem recursos suficientes é real. Mas, também, é fato concreto que, recentemente, priorizou-se intervenção, com grande obra, na Avenida Centenário. É verdade, embelezou e valorizou aquela área. Porém, se pensarmos a partir dos critérios de necessidade e prioridade, qual a obra mais necessária para a população de Salvador, nas avenidas San Martin ou na Centenário?
Salvador precisa mudar a lógica de gestão e enfrentar a histórica e brutal desigualdade. Inverter as prioridades de proporcionar maiores investimentos nos bairros de classes média e alta, em detrimento do abandono dos bairros onde residem os mais pobres.
Certamente, Fernanda e Beatriz que tinham toda uma longa vida pela frente, teriam chance de, muitas vezes, vir a passear pela Centenário, se a obra tivesse sido realizada na San Martin.
*Aladilce Souza, enfermeira, é vereadora em Salvador pelo PCdoB, e líder da Oposição na Câmara de Salvador.