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Naomi Klein: Um léxico da decepção com Obama

Nem tudo vai bem entre os fãs de Obama. Não está claro a que é que se deve exatamente a mudança de estado de espírito. Pode ser que tenha sido o cheiro rançoso que tresanda do último salvamento bancário efetuado pelo Tesouro. Ou a noticia de que o cons

Seja o que for, um número crescente de entusiastas de Obama começa agora a considerar a possibilidade de que o seu homem não está, de fato, em vias de salvar o mundo só pelo fato de terem tido tal esperança.



Isto é bom. Se a cultura dos superfãs que levaram Obama ao poder estiver se transformando num movimento político independente, um movimento suficientemente ardoroso para produzir programas capazes de enfrentar a crise atual, todos nós vamos cessar de esperar e começar a exigir.



A primeira etapa, contudo, é entender plenamente o embaraçoso espaço intermediário em que se encontram muitos movimentos progressistas dos EUA. Para isso, precisamos de uma nova linguagem, uma que seja específica para o momento Obama. Aqui está um princípio.


Ressança (hopeover). É a ressaca depois da esperança. Uma ressança verifica-se depois de se ter dedicado a algo que parecia agradável no momento mas que realmente não era de todo saudável, levando a sentimentos de remorso e mesmo de vergonha. É o equivalente político de um choque após um torrão de açúcar. Amostra de frase: “Quando ouvi o discurso econômico de Obama, emocionei-me. Mas a seguir, quando tentei falar a um amigo acerca dos seus planos para os milhões de demitidos e de arrestados, descobri nada ter a dizer. Aí tive uma séria ressança”.


Vertigem da esperança (hoper coaster). Tal como numa montanha russa, a vertigem da esperança descreve os intensos picos e vales emocionais da era Obama, as guinadas entre a alegria de ter um presidente que apoia a educação para o sexo seguro e o desânimo porque o seguro médico universal não está na agenda no próprio momento em que poderia realmente tornar-se realidade. Amostra de frase: “Fiquei emocionada quando Obama disse que ia encerrar Guantânamo. Mas agora eles combatem como cães loucos para assegurar que os prisioneiros em Bagram não tenham quaisquer direitos legais. Parem esta vertigem da esperança – quero sair daqui!”


Saudade da esperança (hopesick). Tal como os saudosos de casa, os indivíduos com saudades da esperança são intensamente nostálgicos. Eles perderam a febre de otimismo da campanha e estão sempre tentando recuperar aquele cálido sentimento de esperança – geralmente exagerando a significação de alguns atos decentes relativamente menores de Obama. Amostra de frase: “Eu realmente sentia saudade da esperança acerca da escalada no Afeganistão, mas então assisti no You Tube um vídeo de Michelle no seu jardim orgânico e senti-me outra vez como no dia da posse. Umas poucas horas depois, quando ouvi que a administração Obama estava boicotando uma importante conferência da ONU sobre o racismo, a saudade da esperança voltou duramente. Aí,vi fotos de Michelle usando roupas feitas por modistas independentes, etnicamente diversos, e isso ajudou-me.


Viciado na esperança (hope fiend). Com a esperança em recuo, o viciado em esperança, tal como o viciado em drogas, sofre a síndrome da abstinência. (Estreitamente relacionado com o mal da saudade da esperança mas mais severo, afetando habitualmente homens de meia-idade.) Amostra de frase: “Joe disse-me realmente acreditar que Obama admitiu Summers de propósito a fim de que ele arruinasse o socorro [dos bancos] e assim Obama teria a desculpa de que precisa para fazer o que ele realmente quer: nacionalizar os bancos e transformá-los em uniões de crédito. Que viciado na esperança!”


Ruptança (hopebreak). Tal como nas rupturas do amor, o obamista que tem uma ruptura da esperança não está enfurecido e sim terrivelmente triste. Ele projetou poderes messiânicos em Obama e agora está inconsolável no seu desapontamento. Amostra de frase: “Acreditei realmente que Obama finalmente nos forçaria a confrontar o legado de escravidão neste país e começaria um sério diálogo nacional acerca do problema racial. Mas agora ele parece nunca mencionar raça e está usando argumentos legais enviesados para nos impedir até mesmo de confrontar os crimes dos anos Bush. Toda a vez que o ouço dizer 'vamos em frente', ficou outra vez em ruptança.


Reverança (hopelash). Como em reversão dos acontecimentos (backlash), uma reversão da esperança é um giro de 180 graus em tudo o que se relaciona com Obama. Os sofredores foram outrora os mais apaixonados evangelistas de Obama. Agora são os seus críticos mais ácidos. Amostra de frase: “Pelo menos com Bush toda a gente sabia que era uma cavalgadura. Agora temos as mesmas guerras, as mesmas prisões ilegais, a mesma corrupção em Washington, mas todos estão eufóricos como as esposas Stepford [1] . Está na hora de uma reverança completa”.



Ao tentar dar um nome a estes vários males relacionados com a esperança, descubro-me a especular o que teria dito o falecido Studs Terkel [2] acerca da nossa ressança coletiva. Ele certamente nos teria instado a não cair no desespero. Recorri a um dos seus últimos livros, A esperança é a última que morre (Hope Dies Last). Não tive de ler muito. O livro abre com as palavras: “A esperança nunca gotejou. Ela sempre jorrou para o alto”.



E isso quase diz tudo. A esperança era um belo slogan quando enraizada num candidato presidencial com poucas possibilidades de vencer. Mas como posição frente ao presidente do mais poderoso país sobre a terra, é perigosamente reverencial. A tarefa quando avançamos (como Obama gosta de dizer)  não é abandonar a esperança e sim encontrar lares mais apropriados para ela – nas fábricas, nos bairros e nas escolas onde táticas como greves brancas, tomadas e ocupações começam a ressurgir.



O cientista político Sam Gindim escreveu recentemente que o movimento dos trabalhadores pode fazer mais do que proteger o status quo. Pode exigir, por exemplo, que as fábricas de automóveis cerradas sejam convertidas nas fábricas verdes do futuro, capazes de produzir veículos de transporte em massa e tecnologia para um sistema energético renovável. “Ser realista – escreveu — significa retirar a esperança dos discursos e colocá-la nas mãos dos trabalhadores”.
O que me conduz ao verbete final no léxico:



Raizanças (Hoperoots). São as raízes da esperança. Amostra de frase: “Já é tempo de deixar de esperar que a esperança seja concedida e começar a pressioná-la para cima, a partir das raizanças”.



Notas



[1] The Stepford Wives : Romance de Ira Levin (1972), cujos personagens são mulheres submissas. O romance deu origem a dois filmes (1975 e 2004).



[2] Studs Terkel : Comentarista de rádio e escritor.



Fonte: The Nation; texto reproduzido de www.resistir.info