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Nouriel Roubini: Rumo a Bretton Woods 3?

Há alguns anos, antes da eclosão da crise, vários economistas preocupavam-se com a sustentabilidade dos grandes desequilíbrios globais, alimentados pelo chamado Sistema Bretton Woods 2. Esses analistas atribuíam as raízes de tais instabilidades à tendê

Apesar de ainda não testemunharmos uma crise do dólar americano, o Sistema Bretton Woods 2 está no centro dos debates sobre as origens da crise atual. Compreender a sua natureza é fundamental, para avaliarmos as reformas necessárias para que as turbulências não se repitam. Os desequilíbrios mundiais parecem não ter entrado na agenda de longo prazo dos formuladores de políticas econômicas.


 


O déficit em conta corrente dos Estados Unidos recuou de 6,6% no fim de 2005 para 3,7% em dezembro de 2008. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que caia para 2,08% neste ano. Muitas das economias emergentes, que financiaram com facilidade os enormes déficits, agora são obrigadas a consumir menos, dadas a escassez de crédito e, em muitos casos, a desvalorização das suas moedas, o que impulsiona os custos das importações. Além disso, a queda nas cotações do petróleo e de outras commodities está gerando déficits nos tradicionais exportadores.


 


É a morte de Bretton Woods 2? Os países cujo crescimento depende das exportações aumentarão o consumo? Ou assistiremos ao retorno dos graves desequilíbrios na economia global quando a atividade se recuperar plenamente? Superávits fiscais e em conta corrente e aumento das reservas internacionais podem ser usados para elevar os gastos governamentais em infraestrutura e serviços públicos, incentivando o consumo e o investimento. Isso amenizaria os desequilíbrios mundiais.


 


Mas a maior parte deles parece ser persistente. O superávit da China não deve encolher tanto, em grande medida porque a contração das importações é mais acentuada do que a das exportações. A participação do consumo no PIB chinês tem recuado desde o ano 2000, apesar de o investimento governamental ter fôlego para aumentá-lo em 2009. O FMI sugere que o superávit em conta corrente do país asiático continuará a subir neste ano, ainda que em ritmo mais gradual, aproximando-se de 500 bilhões de dólares, ante os 430 bilhões de dólares de 2008. Esse valor implica déficits para alguns parceiros comerciais da China, como os EUA e vários países europeus.


 


Há o risco de as iniciativas de estímulo fiscal da China superarem a sua capacidade de produção e criarem pressões deflacionárias adicionais, a não ser que o país possa estimular a demanda doméstica, especialmente o consumo privado. Além disso, dos quase 600 bilhões de dólares que destinou a estímulos fiscais, menos de 10% foram dirigidos a programas de bem-estar social. Expandir os gastos em saúde, pensões e benefícios aos desempregados poderia ter um efeito muito bom no consumo. Os líderes chineses estão cientes da necessidade de rebalancear o crescimento, para o país não entrar em colapso a médio prazo.


 


Ultimamente, o Sistema Bretton Woods 2 tem tido efeitos mais amplos, muito além dos EUA e da Ásia. Como os americanos, os mercados emergentes da Europa Oriental foram capazes de levantar recursos para bancar os imensos déficits em conta corrente, na recente era do dinheiro barato. Em maio de 2007, escrevi: “As políticas atuais da China e da Ásia Oriental contribuíram, entre outros fatores, para insustentáveis desequilíbrios mundiais, cuja correção agora se dá de forma desordenada”.


 


Este, certamente, é o caso da Europa Central e da Oriental, cujos déficits em conta corrente até agora foram norma e a sua persistência elevou a preocupação de que tal situação contribuiria para uma crise financeira regional nos moldes do que ocorreu na Ásia em 1997.


 


O estrangulamento da mobilidade de capital, em meio à crise mundial, requer um forte ajuste no desequilíbrio externo da Europa Oriental. Este cenário parece similar ou pior ao da Ásia pré-crise. Ou seja, os déficits em conta corrente no Sudeste Asiático caíram para um intervalo entre 3% e 8,5% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto na Romênia, na Bulgária e nos países bálticos superaram 10% em 2008.


 


Uma correção neste cenário já está em curso, por meio da depreciação do câmbio e de uma queda acentuada da demanda doméstica. Até agora, o FMI socorreu três entrantes na União Europeia: Hungria, Letônia e Romênia, para amenizar a forte queda dos ingressos de recursos estrangeiros e tentar inverter um ajuste desordenado nas contas externas. E esses países provavelmente não serão os últimos a bater à porta do Fundo.