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Política de cotas: projeto enfrenta resistência conservadora na CCJ

As ações de forças conservadoras presentes no Senado e na sociedade contra a aprovação do projeto de lei que reserva cotas nas universidades públicas federais para candidatos oriundos de escolas públicas, de baixa renda e reservas de cotas raciais, apo

Essa foi a conclusão tirada na tarde desta segunda-feira (01), em São Paulo, pela Uneafro, Círculo Palmarino, MST, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Movimento dos Sem-Universidade (MSU), Pastoral da Juventude Estudantil, Rede Emancipa e Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal em reunião com a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), relatora do Projeto de Lei da Câmara 180/08 que tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ).


 


Segundo a senadora, há diversos projetos de lei a respeito de cotas tramitando no Congresso, porém o diferencial do PLC 180/08 é a reserva de 50% das vagas nas universidades públicas federais e escolas técnicas profisionalizantes federais para pessoas provindas de escolas públicas e, destes, metade estaria reservado para candidatos com renda familiar de até 1,5 salários mínimos (R$ 697,50) per capta.


 


Além disso, parte das vagas seria reservada a alunos negros e indígenas autodeclarados, de acordo com a representação desses grupos na população de cada estado, segundo o IBGE de 2000.


 


Conservadorismo


 


De acordo com avaliação da senadora, a situação no CCJ é complexa. O projeto está sendo pressionada por um grupo de senadores contrários à adoção de políticas de cotas raciais. “Há uma questão ideológica de pessoas que durante a vida reproduziram a discriminação e que, neste momento, fazem um discurso muito forte de que essa lei vai trazer o racismo para o Brasil”, analisa.


 


A última investida dos setores conservadores teria sido a apresentação de um relatório pelo senador Marcos Perillo (PSDB-GO). Perillo apresentou uma proposta substitutiva total na qual mantém apenas cotas sociais, reservando vagas para estudantes provindos de escolas públicas.


 


A senadora acrescentou que há comentários no CCJ de que o projeto de lei será aprovada apenas se for reduzida a cota para 30% pessoas provindas de escola pública, excluindo-se qualquer possibilidade de reservas étnicas.


 


Há também o caso de senadores que tem ido à tribuna no Senado para declarar que são contrários ao projeto de lei.


 


De acordo com a senadora, é dificultada a articulação mesmo por parte do líder dos partidos no Senado. Um caso é o do senador Valter Pereira (PMDB-MS) que, mesmo sob insistência, permanece irresoluto.


 


“É lógico que isso é articulação das forças conservadoras. Um país que teve 5 milhões de negros que alavancaram este a país do modo como já se sabe: com o escravismo, os navios negreiros. Não é fácil para aqueles que foram senhores e ainda carregam resquícios de senhoril quererem reverter esse quadro”, enfatiza.


 


Medo da exposição


 


Para Serys, o que as forças contrárias desejam é a alteração do texto. Caso o texto não seja alterado, eles terão de votar o relatório que ela propõe. Há o temor entre esses parlamentares que a exposição de seus nomes fique marcada como o grupo de senadores racistas que estão contra os estudantes de escola pública, contra os negros e os indígenas.


 


“Vai ficar exposto quem são os senadores que votaram contra este relatório. Vai ficar exposto que são contra o resgate de uma 'dívida reparatória' a negros e indígenas e que por isso derrotaram o relatório da senadora [Serys] e aprovaram o relatório do senador [Perillo]”, explica.


 


Devido a esse temor, essas forças conservadoras têm pressionado para que ela altere o texto, pois assim eles não ficam expostos.


 


A senadora afirmou às lideranças que não irá alterar o texto, baseada no respaldo dos movimentos sociais. Segundo Sérgio José Custódio, do MSU, mais de 500 organizações assinaram o abaixo-assinado apresentado pelo Comitê Brasileiro pela Aprovação da PLC 180/08, no início de maio.


 


A grande mídia


 


A pressão, no entanto, não se restringe ao CCJ. A senadora destacou o papel importante que a grande mídia tem desempenhado no combate ao PLC 180/08. Uma das investidas dos órgãos de imprensa nos últimos tempos foi colocar negros em evidência dizendo que são contrários a essa lei a fim de manipular a opinião pública. “Eles colocam negros dizendo 'nós não queremos, nós somos contra, pois essa lei provoca discriminação'”, alerta.


 


Além disso, entrevistas realizadas com a senadora foram apresentadas de modo indireto, sendo que, no momento de expor em rede, um jornalista falava o que a senadora tinha dito, mas sem mostrar a senadora falando. O que teria ocorrido mais de uma vez.


 


A pressão não tem sido indireta apenas. Serys denunciou que diretores e presidentes de grandes veículos midiáticos, a começar por representantes da Rede Globo, têm entrado em contato com ela, pressionando-a a mudar o texto do relatório.


 


Segundo Sérgio José Custódio, do MSU, o jornalista e sociólogo Ali Kamel, atual diretor-executivo de jornalismo da Rede Globo e colunista do jornal O Globo, liga pessoalmente para os senadores para pedir votos contrários ao projeto de lei e teve participação expressiva em Audiência Pública na CCJ.*




*NOTA DA REDAÇÃO: Em mensagem enviada ao portal Vermelho, o jornalista Ali Kamel contesta a informação divulgada no parágrafo acima. Em resposta ao jornalista, o Vermelho esclarece que a informação foi fornecida ao jornal Brasil de Fato, onde esta matéria foi publicada originalmente. Veja a seguir a mensagem de Ali Kamel contestando a informação: (…) ''A afirmação é totalmente falsa e mentirosa. Nunca liguei para senador algum pedindo voto para o que quer que seja, e nunca o farei. Nunca liguei para senador da CCJ para sequer abordar o tema. Também é totalmente falsa a afirmação de que participei de audiência pública sobre o assunto: isso nunca aconteceu. Desafio o 'Vermelho' a provar o contrário. Peço retificação imediata. Minhas posições a respeito do tema, eu as expresso em meus artigos assinados no Globo e nos livros que escrevo. Respeito quem advoga cotas raciais. Não respeito quem mente. Ali Kamel''


 


Prouni


 


A senadora destaca, contudo, que o texto da PLC é semelhante ao da lei que criou o Programa Universidade para Todos (Prouni), inclusive o que concerne às cotas raciais. Segundo a senadora, quando em uma reunião com mais três senadores ela interpelou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) lembrando-o que o mesmo havia votado a favor do Prouni em 2005 e o questionando o porquê de não votar a favor da PLC agora. Demóstenes teria respondido que “um erro não justifica o outro”.


 


“O Prouni possui reserva de cotas. Eles sabem que já aprovaram lei de cotas e que ela não causou nenhum mal para esse país”, salienta.


 


Pressão popular


 


Para enfrentar essa questão e conseguir a aprovação no CCJ, a senadora destaca a importância de se fazer discurso político sobre o tema, fomentando a mobilização popular a fim de pressionar o senado. Declarou que é importante essa pressão nesse momento, que ela avalia como decisivo. “Se sair aprovado na CCJ, há 99% de chance de ser aprovado em plenário”, disse.


 


Custódio relembrou a importância que a mobilização popular teve para a aprovação na Câmara em novembro do ano passado. “Numa situação muito parecida com essa, quando ninguém acreditava que projeto ia passar [pela Câmara dos Deputados] nós dos movimentos pressionamos e forçamos para que fosse levado a à votação”, apontou.


 


Para Douglas Belchior, militante da Uneafro, é necessário ressaltar o cunho ideológico conservador e racista que há nos discursos contrários ao projeto de lei. Além disso, avaliou que, mesmo com importância dos cursinhos comunitários e de educação popular nos últimos 10 anos, em São Paulo, os governos conservadores desse último período reduziram as conquistas referentes à luta pelas cotas raciais nas universidades. “No estado de São Paulo não houve grandes avanços devido aos sucessivos governos do PSDB que arrebentaram com a educação no estado e sucateou a universidade pública”, avalia.


 


Joselício Júnior, do Círculo Palmarino avaliou que esse pressão feita principalmente pelo movimento negro ajudou no reconhecimento de que há racismo no Brasil. “O racismo estruturou a luta de classes no Brasil”, declarou. Ressaltou ainda a necessidade dos demais movimentos sociais se somarem à essa luta. “Tem que ser encampado por todos os movimentos sociais, pela classe trabalhadora”, apontou.


 


Segundo a senadora, o presidente da CCJ, senador Demóstenes, pretende pautar a votação do relatório esta semana.



Fonte: Brasil de Fato