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Wagner Moura: somos respeitados nos festivais internacionais

A revista Caros Amigos já completou 12 anos. Uma revista de esquerda, mas sem ligação orgânica com partidos ou sindicatos. Uma revista feita na raça. Mas com muita qualidade. Durante muitos anos, a Caros Amigos foi dirigida pelo genia

A redação agora está sob o comando de Hamilton Octavio de Souza, José Arbex Jr. e Igor Fuser, que contam com uma ótima equipe de jornalistas – como Tatiana Merlino, Marcelo Salles e muitos outros. Wagner Nabuco (que já era sócio do Sérgio de Sousa na empreitada) é quem tem a difícil missão de organizar a casa, pagar as contas e captar assinantes.


 


Não são poucos. A revista tem milhares de leitores espalhados por todo o Brasil. E tem uma pauta ampla: de política a cinema, de poesia a movimento sem-terra. Se você ainda não conhece a revista, confira a próxima edição.


 


No dia 8 de junho, chega às bancas o novo número de Caros Amigos. O destaque é uma entrevista com o ator Wagner Moura.


 


Em primeira mão, você lê aqui no Escrevinhador trechos da entrevista, conduzida por Bruna Buzzo, Carolina Rossetti, Leandro Uchoas, Luciana Chagas, Marcelo Salles, MC Leonardo e Sheila Jacob; as fotos são de Ângelo Cuissi.


 


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“O cineasta quer entender que Brasil é este”


 


Um dos atores mais premiados do cinema, teatro e televisão, Wagner Moura recebeu a Caros Amigos em sua produtora, no Jardim Botânico, bairro acolhedor da zona sul carioca.


 


Nesta entrevista ele fala sobre sua infância em Rodelas, no sertão baiano, a timidez que lhe valeu o apelido de OVNI numa escola de Salvador, os primeiros passos no teatro e a vinda para o Rio de Janeiro – de onde passou a fazer trabalhos reconhecidos internacionalmente.


 


Com entusiasmo, defende a importância de Tropa de Elite e fala sobre a montagem de Hamlet e a produção do filme Tropa de Elite 2, que vai abordar a questão dos grupos criminosos formados por policiais, vulgarmente conhecidos como “milícias”. O ator comenta ainda o cercamento, com muros, das favelas do Rio, uma iniciativa conjunta do governo estadual e de empresas privadas.


 


Marcelo Salles – Wagner, a gente sempre começa pedindo para o entrevistado falar desde a infância, como foi sua criação, seus pais, em que cidade. E aí a gente vai desenvolvendo…
Meu pai é militar da reserva, da aeronáutica. Serviu 32 anos, era sargento. Veio de Rodelas, interior da Bahia, com 17 anos, no pau-de-arara, como os nordestinos que vêm para ser porteiros, trabalhar na construção civil. Até que entrou como soldado para a Aeronáutica, fez carreira militar, mas a onda dele era estudar. Durante esse tempo ele conseguiu estudar Direito e se formar. Nunca exerceu. Se formou e falou: sou doutor.


 


Eu nasci em Salvador, a minha mãe também é baiana de Rodelas, era dona de casa. Meu pai tinha sido transferido do Rio para Salvador, fiquei lá dois anos, aí ele foi transferido de volta para o Rio. Morei cinco, seis anos em Marechal Hermes [bairro da Zona Norte da capital fluminense]. Fui alfabetizado aqui no Rio, tenho irmã mais nova, médica pediatra de UTI.


 


Meu pai é bem mais velho que minha mãe, tem 73 anos, e sempre foi um nordestino saudoso, desses que ficam ouvindo Luis Gonzaga em casa, e choram, querendo voltar. Quando fechou o ciclo dele, quis voltar para Rodelas, voltamos todos pra lá, isso nos anos 80.


 


Luciana Chagas –Isso foi um pouco antes da enchente?
Um pouquinho depois, na verdade. A enchente foi em 88, e a gente se mudou em 89 para Salvador. Isso é um negócio que está gravado na minha cabeça de uma forma violenta…


 


Luciana Chagas – A perda da cidade natal é uma referência?
Rapaz, não. Pra mim, criança, eu achava um barato aqueles peões na cidade, as casas quebradas. Ficava brincando naqueles escombros, lama, mas eu me lembro das pessoas, mais velhas principalmente, sem entender o que estava acontecendo.


 


Luciana Chagas – Você estava com quantos anos aí?
Nove, dez anos. Tinha uma coisa religiosa muito forte. Eu me lembro da mudança do santo padroeiro da cidade, Santo Antônio, da cidade velha para a nova. Foi uma coisa que antropologicamente era muito forte. As pessoas todas cuidando daquele santo, daquela imagem. Eu me lembro que o santo bambeou, parou, aí uma senhora gritou “São João Batista quer que caia!”, aí todo mundo “quer que caia, quer que caia!”. Lembro da minha mãe chorando.


 


A cidade velha de Rodelas era muito bonita, pequena, tinha três ruas só. Todo mundo se conhecia, qualquer adulto tinha autoridade sobre qualquer criança, você sabia quem era filho de quem. A brincadeira das crianças era no rio São Francisco, nas árvores, nas ruas. E a cidade nova é uma cidade feia, padronizada, com as casas todas iguais. É um negócio muito violento. O teatro que me salvou.


 


Marcelo Salles –Como é que foi o seu encontro com o teatro?
Então, eu era esse cara que não tinha nenhum amigo, muito só. Meu apelido na escola era OVNI, sentava sozinho. Eu não me sentia incluído, não me sentia parte daquilo, sabe? Quando eu comecei a fazer teatro eu tinha 14, 15 anos. E musicalmente Salvador era, no início dos anos 90, uma ditadura do axé. Nenhuma rádio tocava outra coisa, e os jovens eram muito fascinados por essa cultura do axé, de ir pra festas e pegar menininhas, de pegar o carro do pai. Aqueles blocos de carnaval sectários, onde uma pessoa preta não pode entrar, uma pessoa feia não podia.


 


Eu era muito só, ficava em casa, estudando. Aí eu estava na escola e uma menina chamada Micheline, que era mais velha e fazia parte de um grupo de teatro, num lugar chamado Casa Via Magia, na Federação [bairro de Salvador]. Fazendo aquelas peças na escola ela achou que eu levava jeito, e me levou. Lá eu fiquei encantado e não parei nunca mais.


 


Leandro Uchoas –Como esses personagens da sua infância alimentam a construção dos seus personagens hoje?
O homem, o artista que eu sou é entranhado disso. Eu sou esse cara que veio dali. Meu DNA é esse. Então um jeito de eu fazer Shakespeare é entranhado dessa minha… A forma como eu leio uma peça dinamarquesa, a porta de entrada é minha percepção, minha cultura.


 


Marcelo Salles – E em termos de cinema nacional, como você está vendo?
Outro dia eu vi uma entrevista com o diretor de Cannes, disse que cinema brasileiro é o cinema do futuro. Eu acho que tem ótimos cineastas, ótimos técnicos, ótimos atores, eu vejo com super bons olhos. E estamos sendo respeitados nos festivais internacionais, os grandes, Berlim, Veneza, sempre tem filme brasileiro lá, se não na mostra oficial, nas paralelas, estão sendo vendidos os nossos filmes lá.